Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências .
ns . nº 55 . dezembro 2015 . índice


Jane Hirshfield nasceu em 1953 e é uma poeta americana, ensaísta e tradutora. The beauty é a sua recolha poética mais recente. 

Agradeço a Jane os esclarecimentos que afavelmente me prestou para a elaboração destas traduções.

Francisco José Craveiro de Carvalho

 
JANE HIRSHFIELD

Dez poemas de The beauty
 

10 poemas de The beauty*  

 

A minha memória 

Como os pequenos sabonetes e champôs

que um viajante leva para casa

e depois não usa,

tu, memória,

quase sem peso,

dentro de mim esta manhã. 

 

Relógio de quartzo 

As ideias de um físico

podem transformar-se em objectos úteis:

um foguetão, um relógio de quartzo,

um forno de micro-ondas para cozinhar.

As ideias dos poetas apenas se transformam nelas

como os ponteiros do relógio

ou a cara de uma pessoa.

Muda, mas apenas para se tornar mais na pessoa. 

 

Acordo cedo 

Acordo cedo,

faço duas chávenas de café,

bebo uma,

penso, volto para a cama,

acordo outra vez, penso,

bebo a outra.

 

Recomeçar o dia

é um jogo de cartas sem ser a dinheiro,

um tomate maturo,

um gato que nada.

 

O tempo aqui:

morno,

com leite e açúcar,

grande e levantado como uma mesa.

 

Acordo duas vezes.

 

A janela duas vezes

inteira, transparente.

 

O nariz e as orelhas do gato duas vezes à tona da água.

 

A guerra (a minha) a duas vezes

a distância,

os filhos dos seus filhos estão distantes. 

 

Neve em Abril 

``Ali, ali,” o tio desastrado

conforta

a criança chorosa.

 

``Ali, ali, “ repete,

concordando:

Aqui, aqui é o único problema possível.

 

Em breve, ali e aqui

irão em frente,

canção de embalar sobre a neve a cair numa pastagem. 

 

Louvor de se ser periférico 

Sem filosofia,

tragédia,

história,

 

um esquilo cinzento

parece

muito entretido.

 

Ligeiro como uma alma

libertada

de uma pintura de Bosch,

despidos

verdes e vermelhões.

 

Sobe a uma árvore

igualmente anistórica.

 

O seu coração trabalha mais. 

 

Longe de casa, pensei nos poetas exilados 

Longe de casa,

li os poetas exilados –

Ovídio e Brecht.

 

Nessa noite pus os meus livros

aos pés da cama.

 

Fingi a noite toda que eram a gata.

 

Nem uma vez

a acordei. 

 

Edifício com muitos telhados ao luar 

Achei-me

de repente volumosa

tridimensional,

um edifício com muitos telhados ao luar.

 

O pensamento  atravessou-me

tão simplesmente como as mariposas seriam capazes.

Atravessaram-me sentimentos como um peixe.

 

Ouvi-me a pensar

Não é o piano, não são os ouvidos.

 

Ouvi então, cedo de mais, a fornalha vulgar,

as passadas habituais por cima de mim.

 

Lavei de novo a cara com água quente

como quando era criança. 

 

Como dois números negativos multiplicados pela chuva 

Deita-te, estás horizontal.

Levanta-te, já não estás.

 

Queria que o meu destino fosse humano.

 

Como um perfume

que não escolhe a direcção que segue

que não pode ser recta ou arqueada, afastada ou guardada.

 

Sim, Não, Ou

-um dia, uma vida, desliza por eles,

removendo a terceira camada,

removendo a quarta.

 

E a lógica dos sapatos torna-se simples por fim,

um problema animal, os pés a arrastarem-se.

 

Sapatos velhos, caminhos antigos-

as questões continuam a ser novas.

Como dois números negativos que a chuva multiplica

em laranjas e azeitonas. 

 

O quarto austero e belo 

Este quarto austero e belo –

 

(quarto onde estás a morrer,

quarto onde a – a

ainda será = a,

mundo – mundo = mundo)

 

Trago-lhe flores.

 

Erguem-se

da água com esforço,

uma mulher  que envelhece

sobe  a 86th Street,

devagar,

com sapatos cor de rosa que a magoam e luvas cor de rosa. 

 

Um destino algodoado 

Há muito tempo, alguém

disse-me: evite usar ou

 

Perturba a mente

como um bocado de carne estendida perturba um cão.

 

Hoje tenho sessenta também.

Não houve outra vida.

 

 

*Publicado por Bloodaxe Books, U. K., 2015

 
 
 
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Maria Estela Guedes
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