REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 51 | abril-maio | 2015

 
 

 

 

 

 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

Renascer

A.M. Galopim de Carvalho (Portugal). Geólogo e ficcionista. Professor jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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Renascer é uma constante na história do Universo, num processo que remonta aos primórdios desta entidade que nos esmaga pela enormidade dos números do tempo e das distâncias e da qual o nosso planeta é apenas um minúsculo “pale bloue dot” (ponto azul claro) como escreveu o grande divulgador Carl Sagan.

Na sequência das explosões das primeiras estrelas (supernovas), surgidas, segundo se crê, há 12 500 milhões de anos (cerca mil milhões de anos depois do Big Bang), nasceram outras por aglutinação dos respectivos despojos (gases e poeiras) lançados no espaço. O nosso Sol renasceu, assim, de uma estrela anterior, num processo cuja história astrónomos e astrofísicos acreditam ter desvendado, perscrutando o céu com os seus modernos e poderosos equipamentos.

Renascer é também uma constante na história da Terra. O designado ciclo petrogenético põe em evidência sucessivos renascimentos das rochas da crosta terrestre, numa caminhada com início há mais de 4 000 milhões de anos. Veja-se, por exemplo, o caso do granito (lato sensu). Uma vez aflorada à superfície, esta rocha, de todos conhecida, sofre meteorização e erosão, lançando no mar, através dos rios, os produtos delas resultantes. Acumulados sob a forma de rochas sedimentares, esses produtos acabam sempre por ser envolvidos na formação de uma cadeia de montanhas e, aí, nas suas entranhas, metamorfizados e total ou parcialmente fundidos, gerando um magma que, por sua vez, faz renascer o granito.

A partir do momento em que homem tomou consciência da inevitabilidade da morte, renascer tornou-se uma das suas aspirações, bem testemunhadas, por exemplo, nas diversas crenças religiosas. Bennu, a ave da mitologia egípcia, ateava o fogo ao seu ninho e deixava-se consumir pelas chamas, renascendo depois, dos seus restos calcinados. Na Grécia antiga era a Fénix que renascia das próprias cinzas, havendo um paralelo entre esta ave mitológica e o Sol, que todos os dias fenece para lá do longínquo Poente, para renascer na manhã seguinte, do outro lado do mundo, numa alusão da morte e do renascimento na natureza. Na expressão figurativa do cristianismo, o renascer da Fénix tornou-se um símbolo popular da ressurreição de Cristo. Quando, na Liturgia, a Igreja utiliza a expressão “creio na ressurreição da carne” (carnis resurrectionem) do Símbolo Apostólico, está a ir ao encontro do desejo de renascer, desde sempre, comum ao ser humano.

No final da Idade Média, fazendo a transição para a Idade Moderna, teve lugar em Itália, nomeadamente nas cidades de Florença e Siena, um período marcado por transformações em muitas áreas da vida humana, em particular nas artes, na filosofia e nas ciências, com evidentes reflexos na sociedade, na economia, na política e na religião europeias. Foi a rotura com as estruturas antigas e a transição gradual do feudalismo para o ideal humanista e naturalista. O historiador, pintor e arquitecto italiano Giorgio Vasari (1511-1547) deu o nome de Renascimento a este caminhar da chamada civilização ocidental, que valorizou e fez renascer as referências culturais da Antiguidade Clássica.

Nos nossos dias, “Fénix 2” foi o nome escolhido para designar a cápsula projectada pela NASA que, numa operação prodígio e em tempo record da engenharia mineira, fez renascer, resgatando um a um, os 33 mineiros da mina de São José, no Chile, soterrados a cerca de 700 metros de profundidade, em Agosto de 2010.

Renascem os povos que conseguem libertar-se de tutelas que os exploram e maltratam. Renasceram as cidades depois de destruídas por catástrofes naturais ou pelas guerras. Renascem para a vida as mulheres e os homens que se libertam dos agentes opressores, sejam eles outros homens ou mulheres ou as tristemente célebres substâncias psicoactivas.

Renascem os cravos vermelhos, todos os anos, em Abril e, logo a seguir, nos campos, as espigas do trigo e as papoilas, ao mesmo tempo que, nas avenidas, praças e jardins das nossas cidades, renasce um tapete de pétalas lilases de jacarandás.

   
 
 

 

© Maria Estela Guedes
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