REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 49 | dezembro-janeiro | 2014-15

 
 

 

 

 

JOAQUIM SIMÕES

Canção adolescente

– em memória de
Luís Pedro Fonseca

 

Joaquim Simões (Portugal). Poeta e dramaturgo.  

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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Luís Pedro Fonseca, autor de algumas das canções mais populares em Portugal na década de 80, faleceu em 24 de Agosto deste ano. Após a sua saída da banda de Lena d’Água, que as interpretou, até à data sua morte compôs música para dezenas de séries televisivas e peças teatrais, muita dela para o Teatro Experimental de Cascais, produziu discos inovadores da música portuguesa, como foi o caso do Fado Bailado, de Rão Kyao, e diversos jingles publicitários que nos ficaram na memória. 

Deixo o inventário de uma vida ligada à música a quem queira e saiba fazê-lo melhor do que eu. Assim como o que julgo ser uma devida homenagem. 

Digo eu: 

O Luís Pedro e eu encontrámo-nos, pela primeira vez, tínhamos ambos 8 anos, na Escola Primária de Paço d’Arcos. A empatia foi imediata e, no decorrer dos dois anos seguintes, tornámo-nos, um para o outro, “o meu melhor amigo”. A vida das nossas famílias, porém, afastou-nos. Fizemos o exame de admissão aos liceus na mesma sala; voltámos a encontrar-nos 51 anos depois. 

Fui acompanhando o seu trabalho e o que surgia a respeito dele na comunicação social. Estivemos, por duas ou três vezes, muito próximos do reencontro, mas circunstâncias várias impediram-no. Convenci-me de que, como seria natural, me haveria esquecido ao fim de meio século. 

Até que um dia, quatro anos atrás, dois poemas meus, musicados e incluídos num cd/dvd, lhe chamaram a atenção e perguntou à Maria Morbey Henriques “quem é?” – o nome que constava não era aquele pelo qual me conhecia. Contou-me a Maria que, quando lho disse, foi grande a surpresa e o contentamento que manifestou, não só porque se lembrava (se se lembrava…!) de mim como se perguntara muitas vezes sobre o que me teria acontecido entretanto. 

Meio século depois, o mesmo olhar, a mesma empatia, o mesmo abraço, como se a ausência houvesse durado apenas um mês. Um mês de cinco décadas, a proporcionar umas quantas refeições conjuntas em que o prazer maior foi a presença mútua naquilo de que falávamos. E a sua gargalhada, herdada da mãe ainda viva, dizia-me – também ela com memória de mim. 

Em Julho, encarregou-me de marcar um almoço quando voltássemos de férias. Não iria haver já ocasião para isso neste universo, neste mundo… 

Nos seus 62 anos, alguns meses após o reencontro, enviei-lhe um poema que simbolizaria o trabalho conjunto que talvez tivéssemos feito quando jovens, se a vida não o houvesse impedido. É esse mesmo poema que aqui deixo hoje, como abraço que nos ligue para sempre. 

 

Canção adolescente 

(para o Luís Pedro Fonseca)

 

Hoje, deixa-me ficar

Aqui, no quarto, sozinho.

Baixa o estore devagarinho,

Fecha a porta de mansinho

E, a quem te perguntar

Onde eu estou ou possa estar,

Diz que me pus a caminho.

 

Que fui em busca de mim,

Não sei se longe se perto,

Se no mar se no deserto,

Se a sonhar ou se desperto,

Se no princípio se ao fim

De quem sou ou ao que vim,

No que é seguro ou no incerto.

 

Que não sabes como o faço,

Se com prazer se com dor,

Com preguiça ou com suor,

Calmamente ou com ardor,

Se progrido a cada passo

Ou se é à força de braço

Que abro mundo em meu redor.

 

Que, ao regressar, porventura,

Depois de cumprido ou feito,

Traído ou, até, desfeito

Aquilo a que me respeito,

Não trarei nem amargura

Nem tristeza, só ternura

P’la vida a bater no peito.

 

Mas se, ao voltares da rua,

Me encontrares ainda aqui,

Descobrirás que o que vi,

Quis, soube, amei, pressenti,

Foi o que uma praia nua,

Entre o horizonte e a lua,

Sussurrava sobre ti.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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