REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 48 | outubro-novembro | 2014

 
 

 

 


WILLIAM VIRGIL DAVIS

«A família» e outros poemas

traduzidos por Francisco Craveiro

William Virgil Davis é um poeta americano, nascido em 1940. É de professor de Inglês e Escritor Residente na Baylor University.

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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A família 

                  (pintura de Egon Schiele) 

Apenas a criança

entre as pernas enormes da mãe

está vestida.

 

Olham ambos

para a direita

para algo que não vemos.

 

O pai, em cima

e atrás, abarcando-os

com os membros imensos,

 

fita-nos – olhos esbugalhados

e orgulhoso - bem

de frente.

 

Do fundo nada interessa. 

 

A ciência dos números: ou a Poesia como Matemática Pura 

O que quer que se some adiciona-se por conta e risco.

Muito melhor é subtrair. Na Poesia,

A multiplicação raia a loucura.

A divisão é a amante com quem aceitamos dormir.

 

Manhã 

A luz abriu as janelas,

e eu viro-me para elas

para ver o que o mundo hoje trouxe.

 

Não há som algum nos ramos nus.

Não caiu neve

durante a escuridão.

 

Os pássaros, se os há,

não se vêem em lado nenhum,

e não se ouvem.

 

Nem sequer há o som do silêncio

junto a mim nem ar inspirado

e expirado outra vez.

 

Fotografias

Estão mortas. Sento-me a olhar para elas.

Tiramos e guardamos as nossas fotografias
em caixas ou caixotes cheios de pó, reencontrando-as
acidentalmente quando estávamos
à procura de outra coisa.
Tentamos lembrar quem são todas
estas pessoas, estes lugares todos–

e quem éramos nós quando assim fomos aprisionados.

 

Estações 

As folham giram ao vento

e  a neve começa a cair.

 

Os ramos estão nus e fracos

nesta estação a que chamamos o outono.

 

A neve amontoar-se-á alta entre as casas.

O vento agreste nada sabe sobre o outono.

 

Cada estação tem a sua própria estação.

Nascemos  de manhã e pomo-nos à noite.

 

Os helicópteros

Ouvimo-los antes de se

verem, insectos gigantes lutando freneticamente

com o ar para se manterem a voar. Coisas negras

mecânicas que se queixam e sacodem

árvores e janelas. Sabemos

por que estão aqui e  para que

são, as mensagens que trazem

e enviam. Pareceria que dizem

estarmos todos bem, mas sabemos

que isso não está certo. Lá fora,

não é difícil baixarmo-nos, parecem

tão próximos. E em seguida foram-se embora

e a casa e o pátio recuperam a harmonia. 

 

Pegadas 

Um homem atravessou um campo de neve  recente

e desapareceu  por entre as árvores negras. Ninguém

 

o viu  ir  e ninguém o viu vir. A neve agora

parou. O campo, magnífico ao luar, guarda

 

as pegadas do homem, congeladas onde pousaram.

É tudo o que sabemos: um homem atravessou o campo coberto

 

de neve, entrou na orla das árvores, e, pouco depois

da neve ter parado, desapareceu para sempre.

 

Cadáver de luvas 

Apenas as mãos não estão presentes.

Olhamos fixamente a face fria,

 

o corpo que nunca vimos nu,

para o chão e para cada um.

 

Ninguém fala nas mãos,

no facto de ter calçado luvas,

 

ou por que, quando a trouxeram,

lhas não tiraram.

 

Fizéramos a nossa obrigação. Virámo-nos

para regressar às nossas vidas. Sabíamos

 

tudo o que era preciso saber,

e como havia pouco para dizer.

 

Ninguém disse nada acerca das luvas.

 

O escritor 

Os dias, os anos, até as décadas desaparecem.

 

A luz solar atravessa uma divisão cheia de livros.

Um homem está sentado sozinho no quarto. Na secretária

à sua frente uma chávena de café e um livro

 

aberto e virado. No canto próximo um gato dorme.

 

O homem repousa a cabeça numa das suas mãos.

Com a outra escreve num pedaço de papel.

De vez em  quando absorto afasta os olhos.

 

Não parece ver nada. Recomeça então

 

a escrever. É fácil ver que está

a pensar no futuro, misturando-o com o passado,

tentando dar sentido a um período de tempo,

 

sem se aperceber de como, quando tiver acabado,

 

quando pegar nas folhas para as ler,

terá envelhecido desde que se sentou

e deixou no papel as palavras que são a sua vida.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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