REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 34 | dezembro | 2012

 
 

 

 

 

ANTÓNIO AUGUSTO MARIANTE FURTADO

Breaking the habit

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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“Ele permaneceu muito tempo no estágio da primeira idade”
Alain Tête

   
 

nunca estamos sozinhos – seja no que for

O que aconteceu com ele pode ocorrer com qualquer um, desde que haja certa relação de suposta similitude entre ele e esse qualquer um, sujeito anônimo e obscuro, tão próximo e tão distante ao mesmo tempo, padecendo das mesmas aflições, ambos comprometidos tanto com a identidade de caráter quanto com a de circunstâncias.

Mas alguns filhos de Deus não vêm ao mundo na pele de anônimos aflitos, seja para seu bem ou para sua desgraça, pois acabam capturados pela opinião pública e reduzidos a possíveis argumentos de autoridade, promovendo hipóteses de modelos pela promiscuidade da informação histórica, tornando-se visíveis e servindo de coro, apoiando a causa do herói, desse acerca de quem escrevo, deixando-lhe bem claro que ele nunca esteve sozinho em sua sina de retardado. Isso talvez seja a provação da fortuna!

cultura inútil, terapêutica & analogia

E onde podemos encontrar esses personagens pitorescos, roçando no bizarro, que podem muito bem dar voz a um anônimo, reforçando sua causa e amenizando suas aflições, podendo, quem sabe, salvar-lhe a vida?

Na cultura inútil, caro leitor! Na boa e pisoteada cultura inútil!

E ela não sobrevive sem seu consórcio com a analogia, uma vez que sem seu apoio perde sua eficácia e abandona suas pretensões terapêuticas, deixando bem claro que, apesar da alcunha, não é tão inútil assim, conforme propagam seus detratores supostamente pragmáticos.

Não podemos esquecer que é bem provável que ela tenha fomentado a psicanálise – o que seria de Freud sem a literatura? -, mas também assaltos bancários, tentativas de crimes perfeitos e até mesmo servido de inspiração para um reles vestido de noiva, promovendo cortes de cabelo e lançando parâmetros de moda. Certas lambisgóias não resistem a esse tipo de tentação, sempre mergulhando sua ansiedade no modelo que mais se ajuste ao seu desencaixe, provando que há uma linha tênue entre o sublime e o ridículo.

E assim, percebam ou não os ignorantes, há sempre alguém vindo antes de qualquer um de nós, deixando marcas e poeira significativa, compondo um museu de grandes novidades a serviço do a-quem-interessar-possa. Enfim, a cultura inútil é sempre um grande estímulo à esperança duma vida melhor, desde que o afetado pelos seus signos seja sensível à analogia, portando algum vínculo com a informação que lhe chega, sabendo extrair do exemplo uma lição de vida. Sempre uma determinada conduta que se subsume a uma determinada norma, ampliando o desatino jurisprudencial.

quatro casos de estudo – cultura inútil ansiando pela analogia

§ 1 caso de estudo

Robbespierre foi virgem até seus 24 anos. Suas inibições libidinosas prepararam o Terror – pura sublimação desmancha prazeres a serviço do repressivo, objetivando ortopedia tirânica. O oposto de Danton.

§ 2 caso de estudo

Luís XVI, até os 23. Com ele foi o contrário, pois tivesse o fogo de seu avô (Luís XV, le bien aimé) e não teria perdido a cabeça numa guilhotina. Pressionado por um pai carola e por uma educação religiosa enfadonha, o que significava um preceptor enfadonho, e tendo como contraponto um avô devasso, o Luís XV above mentioned, além de possuir uma natureza tímida, Luís Augusto só poderia ter se oferecido ao mundo como um anti-bourbon, conspirando inconscientemente contra si mesmo e a favor da Revolução. Faltou-lhe o meio termo.

E a pobre Maria Antonieta ali no maior sufoco, esperando pela conquista de Cartago, até que Luís se decidisse, deixando-se levar pela dissipação perdulária, enquanto a coisa não acontecia, gastando, gastando muito, jogando faraó pelas noites sem homem, promovendo Gluck e despertando desafetos, mas conseguindo afinal receber os cumprimentos do marido, apesar dos sete anos de espera aflita, daquelas que fazem ranger os dentes, tendo, no fim de sua breve existência, o privilégio de perder a cabeça numa guilhotina, não sem antes ter se transformado numa Rainha da Moda.

§ 3 caso de estudo

Luís Carlos Prestes, que só tinha olhos para a 1917 dos bolcheviques, só viria a espichar seu prepúcio aos 37, graças à dedicação e à experiência duma Olga Benário, uma moça sempre determinada a dissolver repressões. Concentrado no aquilo de sua devoção (sexo era perda de tempo para ele), só se deixou fisgar sob os auspícios dum autêntico abraço genital. Reich ficaria muito contente com seu histórico, ainda mais sendo comunista. Digamos que nele tenha havido equilíbrio, pois a sublimação foi suspensa temporariamente, o que não significava que não se mantivesse em latência, esperando o momento adequado para que retornasse e pusesse o homem a serviço da humanidade, reduzindo-o a um Cavaleiro da Esperança. Prestes prestava para alguma coisa. Mas os ouvidos foram moucos!

§ 4 caso de estudo

Clyde Barrow, apesar de não ter conseguido se livrar da própria índole predatória, perdeu a virgindade com Bonnie Parker, algum tempo antes da dupla ser traída e metralhada. E eles ficaram na história da criminalidade como os famosos Bonnie & Clyde, complicando tanto as coisas para o Kansas que a pena capital, abolida em 1907, voltaria com todo o vigor em 35.

E é bem provável que suas tentativas frustradas anteriores tenham sido fundamentais para que se transformasse num proscrito sanguinário, onde a performance dum Smith & Wesson compensava a falta de competência que a natureza lhe negara. Um revólver e um charuto em evidência geralmente escondem um pênis no armário. Morreu como um queijo suíço, mas provavelmente tenha morrido feliz, deixando muito claro o velho ditado antes tarde do que nunca.

E Bonnie, apesar de assassina, era também romântica e escrevia poemas, embora sugerissem o estilo pão-com-sabão, acidente de percurso que não a impediu de ter alguns publicados em jornais na época, mais pela fama de criminosa do que propriamente pelo talento de poetisa, provando que os brutos também amam. Mas era sua forma de “Keep your sunny side up! Don’t give up!”, mesmo que o sol não estivesse muito propício a esquentar seu inverno permanente.

reflexões do narrador sobre o herói retardado

Longe de eu ser cruel com esse pobre diabo a respeito de quem escrevo. Mas, convenhamos, quer aceitemos ou não, há gente sob a tutela dos predicados mais insólitos. Muito distante daquilo que somos ou do que tentamos ser.

Há os que cursam a vida naturalmente. Sua normalidade é tão monótona quanto o Paraíso de Dante.

Há, da mesma forma, os precoces, muitas vezes, saltando etapas, embora corram o risco de queimar-se muito cedo, como mariposas numa lâmpada, mais prometendo do que honrando com os compromissos assumidos. Seu estilo é o too much too soon – with God in the joy and beauty of youth: puro epitáfio.

Finalmente, existem também os lentos, sempre com atraso, quase oligofrênicos – e eles sempre carecem do empurrãozinho dum bom samaritano, duma Madre Tereza, porque, sem esse agente provocador, os miseráveis nunca embarcam na freqüência mais adequada do fluxo da vida. Mas “a felicidade até existe”, como na canção do Roberto, o Carlos, e eles podem surpreender, fazendo boa figura e descontando seu tempo perdido.

um colecionador dos outros

E assim, o herói retardado, entregue ao vício da aquisição permanente de cultura inútil, fazia uso da analogia como um de seus estupefacientes mentais, nunca deixando de recorrer a seu rol exaustivo de exemplos. E eles redundavam em jogos associativos muito íntimos, permitindo-lhe comparar as próprias mazelas com as de terceiros, também quase trágicos, porém famosos. Mediante tal catarse peculiar, ele encontrava um relativo apaziguamento para sua ansiedade, delineava um precário esboço de paz interior, concluindo que não estava sozinho. Muitos, antes dele e de sua mediocridade, já tinham passado pelo que estava sofrendo, e, dum jeito ou doutro, haviam superado suas crises, mesmo que os impacientes tivessem recorrido ao suicídio.

Sem deixar-se apanhar pelo orgulho, ele sabia muito bem que sempre se distinguira da maioria.  E pouco lhe importava que fosse para o bem ou para o mal. Ele simplesmente abrigava certa tendência mórbida e desavergonhada para estar sempre observando e analisando as próprias circunstâncias. Encontrava certo êxito porque conseguia impor-se um relativo distanciamento necessário, sem nenhum receio de descobrir-se como alguma monstruosidade. O que sempre o imunizou contra o pudor ou contra a culpa. Em seu espírito não havia tempo ou espaço para a autocomiseração. Ele se apunhalava!

Mas isso talvez lhe fosse impossível sem sua sensibilidade e sem o conhecimento prévio daquelas vidas alheias, expostas na vala comum da celebridade. E elas estariam sempre armazenadas em sua condição mnemônica, à espera de pesquisa, seleção, análise e aplicação, permitindo-lhe que encontrasse similitude entre ele e os outros. Nada mais do que uma síntese que se estabilizava em relativa tranqüilidade, exigindo-lhe resignação e esperança. Ela assoprava a ardência de suas feridas. Servia-lhe de analgésico. Enfim, cada síntese não passava de mais um mecanismo de proteção do ego, ditado pelas suas idiossincrasias, mesmo que ele soubesse que a saída para seus problemas fosse geralmente muito estreita. O que não implicava em desistência de seus projetos ou que devesse considerar-se como um fracassado, somente porque nunca era atendido no momento de culminância do próprio desespero. O que lhe exigiam suas supostas sínteses era que estivesse sempre atento para o fato de que as coisas lhe chegariam quando elas assim o desejassem, e que, para elas, sua tola e desnecessária ansiedade, seria sempre um estímulo para que o fizessem sofrer em dobro, porque, quanto mais ele se debatesse, na condição de frustrado, mais longe da satisfação de seus desejos ele estaria.

Sua experiência como colecionador dos outros permitia-lhe pensar que a principal finalidade da história talvez fosse sua condição natural de jurisprudência – um inesgotável banco de dados a serviço dos curiosos, dos inquietos, dos insatisfeitos, mas desde que estivessem contaminados pela índole especulativa, porque ela não estava interessada em distribuir suas pérolas aos porcos.

Com esse tipo de atitude perante a vida era-lhe muito difícil perder tempo com a solidão, embora nada o salvasse dum estado permanente de incomunicabilidade, porque raramente conseguia alguém para compartilhar o que acumulava pelo tempo.

Alguns acreditavam em Deus. Ele, em sua galeria de mortos célebres. O que talvez desse no mesmo.

conhece-te a ti mesmo

Sim! Ele nunca tivera receio em perscrutar-se, sondando a própria alma com requintes de frieza e distanciamento, jamais negando que o rancor compunha seu calcanhar de Aquiles. E nada o impedia de, pelo menos, cogitar acerca de possibilidades de vingança contra os que haviam pisoteado em seus calos. Sim! Ele era suscetível a comentários que arranhassem ou ferissem sua sensibilidade, a ponto de perder o humor e ficar mastigando as supostas ofensas por muito tempo, uma vez que era sempre capaz de atualizar data e local dos fatos, mesmo que seus ofensores já nem mais se lembrassem do ocorrido.

Mas nem tudo se reduzia a essa suposta psicose rancorosa. Nem tudo estava perdido em seu caráter. Ele sabia muito bem que o perdão nem sempre se recusava a fazer parte das suas virtudes. Ao invés de apostar em estratégias de vingança, era mais sensato sempre entregar tudo ao tempo, deixando-lhe nas mãos suas mágoas e seus rancores e, principalmente, a necessidade de justiça, caso fosse merecedor.

O que talvez aplacasse o ímpeto de sua cólera silenciosa fosse o fato de nunca perder de vista o movimento implacável da vida. Ele sabia que o humilhado e o perdedor de hoje pode muito bem vir a ser O Homem do Dia no amanhã, e vice-versa. Não havia tempo para posar de Peg Entwistle! (Dela falaremos mais tarde!) Isso lhe assegurava a certeza de que somos, mas de que também estamos, o que, de certa forma, sempre nos habilita a transformações, sem que corramos o risco de estropiar nossa parte essencial.

Enfim, o ressentido, que conseguia inibir suas vinganças, talvez por falta de condições para que as pusesse em prática ou talvez pela certeza de que ingressaria num círculo vicioso de insaciabilidade, sabia que um homem nunca poderia ser confundido com seu movimento ou com suas alterações, sabendo, entretanto, que tudo isso fazia parte dele, sempre integrando-se para que ele crescesse, tornando-se bem mais humano do que ele até então houvesse sido.

Mesmo que fosse afetado pelo orgulho e pelo egoísmo, embora soubesse disfarçá-los mediante técnicas de sobrevivência, ele tinha certeza de que nosso principal compromisso com nós mesmos é sempre deixar o mundo um pouco melhores do que estávamos quando havíamos entrado nele.

O mundo, esse verdadeiro campo minado, é sempre transitório para os que vivem nele, não indo muito além dum espaço onde o espírito se reesculpe, um palco reservado à experiência.

um agente provocador

Portanto, se não poupava a si mesmo, deliciando-se em apunhalar as próprias feridas, é óbvio que também não seria misericordioso com seus semelhantes. O que não significava que fosse ofensivo ou predisposto à crueldade, mas alguém sempre interessado em apurar a verdade de cada caso, mesmo que isso permitisse alguma dor e, muitas vezes, situações constrangedoras. A comparação em busca de sínteses supostamente elucidativas era um de seus métodos de vida.

E foi essa tendência, quase um vício, que lhe serviu de impulso para que mudasse da água para o vinho, impondo-se ao mundo, sem muito alarde, numa nova pele masculina. Aliás, homem, ele nunca deixou de ser. Muito menos, jamais desejou trocar de sexo.

self-portrait

Em muitas ocasiões, ele se queixou, em nossas conversas, sobre o fato de como se exauriam em amargura e decadência muitos dos que faziam parte do tipo que gostava de morder a fronha. Muitos, nem todos – ele sabia que era burrice uma generalização apressada. O acidente duma puta vestir vermelho não significa que todas as mulheres que vistam vermelho sejam putas.

Segundo ele, boa parte da turma morria de medo de ouvir a voz do próprio silêncio (e ele era da espécie que não admitia que alguém pudesse temer a solitude, uma vez que ela, para ele, sempre seria uma fonte inesgotável de possibilidades criadoras). Isso os constrangia a estarem sempre correndo atrás de situações muitas vezes perigosas, a ponto de encurralá-los num beco sem saída. Havia sempre a ilusão de que o próximo homem seria o definitivo. Usavam e abusavam do mito de Sísifo. Essa busca sôfrega geralmente descambava para a promiscuidade. Aos poucos, uma amargura vinha à tona, contaminando todo seu interior, permitindo-lhes o predomínio da maledicência e do preconceito. Eram raros aqueles que aceitavam a rejeição dum espada às suas investidas de vampiros – inevitavelmente, sempre concluiriam que quem os repelisse fosse um enrustido, alguém sem coragem para sair do armário. Embora se considerassem alegres, cheios de vida, sua alegria era sinistra, feérica, como a das putas tuberculosas do Moulin Rouge, dançando seu último can-can.

Enfim, ele podia me dizer tudo isso porque tinha conhecimento de causa, estando muito longe dos que cuspiam no prato em que haviam comido. Ele sabia muito bem o que me falava, principalmente, quando pintava o quadro da dor com a moldura da desgraça de seus colegas de esbórnia como possessos convertidos às aparências dos corpos, estando sempre na cegueira luminosa de Las Vegas como sucursal do Céu. Ninguém escapava de seu contrato com Lupicínio Rodrigues: todo mundo no inferno em busca de luz.

Em certa ocasião, perguntei-lhe porque não abandonava o rolo todo, já que aquela espécie de vida parecia não mais satisfazer suas convicções. Ele era um gajo que dificilmente transformava o interlocutor num muro de lamentações. Se estava reclamando, era porque a coisa se tornara insustentável.

Ele me respondeu, sem nunca me soltar da atração irresistível de seus olhos, pois era do tipo olho no olho, o que revelava certo padrão de sinceridade ou muito descaramento, que o ser humano, mesmo que pudesse não se sentir muito confortável com suas calosidades contraídas, acabava se acostumando a elas, a qualquer coisa, sempre pela força do hábito. Sem contar que sempre haveria o medo do desconhecido. Aquilo tudo poderia estar lhe provocando muito atraso, até mesmo, certo mal, mas era o que tinha conhecimento, o que talvez exercesse alguma inibição sobre seus impulsos na direção da mudança. Coisa nova, apesar de sugerir paz e felicidade, sempre provocaria estranhamento e receio.

De forma cínica, ele me disse que se sentia como uma esposa que se acostumara a apanhar do marido, morrendo de medo de abandonar o constrangimento e a dor, que já lhe eram suportáveis, por algo quem sabe muito pior, que se ocultava no desconhecido. Restavam-lhe óculos escuros, atitudes esquivas e desculpas esfarrapadas.

Mas ele também me confessou que, mesmo que se soubesse como uma vela que queimasse de ambos os lados, citando Edna St. Vincent Millay, estava convicto de que, caso encontrasse coragem para cair fora, aquela mudança de rumo não se trataria duma violência à sua natureza, mas apenas duma oportunidade que talvez se permitisse para que superasse as próprias limitações.

Passo a passo, ele foi aprendendo que mais importante do que entediar-se sempre numa rotina em nome da autopreservação, durante uma vida longa, entregue à inércia e à esterilidade, era espatifar-se em nome de tentativas sinceras e produtivas. Sem abdicar da prudência duma serpente e da mansuetude duma pomba, valia a pena arriscar-se na pele dum jogador de pocker. Sabendo muito bem que nada era para sempre, sentia uma mistura de piedade e desprezo pelos que afirmavam a vida, fazendo questão de esquecer da morte.

Ele sabia que sem muito atrito ou muita resistência, sem que calculasse alguma estratégia ou despendesse esforço excessivo, quase espontaneamente, com a naturalidade dos que vão aos pés sem laxante, ele teria seu lugar no mundo, mesmo que com algum atraso, aderindo a seu apelos implacáveis.

Puro desejo. Pura aflição. Pura necessidade. E mortal.

primeira noite de um homem – parte I

Sim! Era pegar ou largar. Abrupta, determinada, embutida em suave desespero e quase uma súplica, a proposta lhe veio à queima roupa.

Apanhando o delito muito tempo depois, quando o fato já era memória, ele me confessou que naquele momento tivera a impressão estranha de que era como se um exército cansado e descrente (ela) estivesse na iminência de tomar de assalto uma cidadela inexpugnável (ele), em sua última tentativa de ataque, torcendo (ela) que a fortificação (ele), apesar de sua resistência obstinada, estivesse ainda mais exausta, depauperada e desiludida do que ele (ela).

Pelo que me contou como agiu, e tenho certeza de que não estava aparentando o que não era, apesar de no passado ter me afiançado que respeitava, mas que não comia daquela fruta, creio que ele se saiu muito melhor do que a encomenda, assemelhando-se muito mais a um libertino matreiro do que a um marujo de primeira viagem, enfrentando o Atlântico Norte sem enjôo e sem medo de icebergs.

Não se sentindo intimidado pelo que ouviu, deixou que ela lhe aplicasse o que bem entendesse, e, conforme o filho da puta, de forma lenta, muito lenta, sem asco ou timidez, com a precisão das gotas que torturavam na China Imperial as testas dos infelizes que caíam em desgraça, sem nunca abandonar seu ritmo de devoção.

Enfim, ela abocanhou o que ele tanto se esmerava em dela esconder, embora tenha lhe mostrado por fotografia, coisa que eu nunca entendi a razão, a ponto do estafermo até esquecer que mulheres não lhe diziam respeito. O que veio a seguir foi mera decorrência daquilo que muitos chamam de preliminares.

a mera natureza das coisas

Interessante observar como os gostos podem ser transitórios, assim como também as manias e as taras. Mais ainda, como os preconceitos podem ser diluídos em cacos risíveis de lembranças, que nada mais fazem do que atrofiar a percepção das coisas e o gozo do mundo.

Sem se deixar confundir pela dúvida, o que sempre significa divisões, fragmentação e enfraquecimento dum desejo, ele também sabia muito bem o que havia escolhido.

Mudara de rumo, em seu périplo de navegação indócil e ambicioso, não porque seu estado de hemiplegia anterior fosse um mal em si mesmo, mas somente porque ele atrofiava suas predisposições ao crescimento.

Não se tratava duma renúncia moral, mas dum compromisso com a lógica, com a mera natureza das coisas.

Mesmo que fosse teimoso, ele sabia que os acontecimentos sempre riem das subjetividades.

gatos

E ele, através dela, mesmo que tudo não tenha ido muito além dum ritual de passagem meio atrasado, pois a fila sempre precisa andar, passou a gostar de gatos, embora ela, apesar dele, nunca tenha se familiarizado com Rameau (o compositor predileto do querido, digo, do herói, desse estafermo, a respeito de quem escrevo). Aliás, um dos motivos da separação foi ela gostar de Edith Piaf – que ele qualificava como a voz do estrangulamento -, e sempre perturbá-lo quanto ele estava às voltas com Billie Holiday ou Bessie Smith.

Predispondo-se a aceitá-los em sua convivência, ele descobriu, inclusive, porque antes eles tanto o irritavam, a ponto de muitas vezes tê-los perseguido e maltratado.

Não admitia os gatos porque, mesmo que não se desse conta, era similar a todos eles. Fazia parte da sua espécie. Nem sempre estamos preparados para a própria face no espelho. Portanto, negar um gato, com toda a força da sua teimosia, sempre significou-lhe a negação de tudo o que havia de mais puro e verdadeiro em si mesmo. E pouco lhe importava que a constatação pudesse ser considerada como boa ou desagradável por alguns. Era sua essência. Não havia o que julgar. Exceto aparar arestas.

Mas ele só teria condições para perceber-se pelo cinzel da maturidade. E não lhe provocava aflição alguma o fato dela ter vindo com aparente atraso. Não era estúpido, como muitos que acham que só se tem acesso ao desfrute da vida estando jovem. A febre da juventude, para ele, não passava dum grande obstáculo à felicidade concreta. Ele tinha certeza de que um homem maduro perde a pressa, sabendo que cada um tem seu próprio tempo e que cada etapa da existência tem sua própria série de delícias.

Elegantes, individualistas, silenciosos (contanto que não estivessem possuídos pelo cio), cheios duma preguiça produtiva, sub-reptícios (o que é muito diferente de ser traiçoeiro), e quem sabe também repletos de mistério, quase esotéricos, os gatos sempre o faziam ver Debussy, ao invés de ouvi-lo. Simplesmente sinestésicos!

Para tanto, bastava-lhe observar um gato caseiro, meio vira-lata. Aliás, ele gostava mesmo era dum bom gato sem pedigree, com sua descendência feita em diáspora, um cliente de fundos de tratoria romana, um cosmopolita dos becos sinistros do Bronx, um cidadão de todas as ruas do mundo. Quanto mais ordinário, melhor. Quanto mais safado, mais atraente.

Readquirindo-se. Reesculpindo-se. Amando-se muito, mesmo que tivesse se deixado engordar, nunca tivesse dinheiro e abusasse dos cigarros, embora mal tocasse nos alcoólicos, não indo além dum double dry martini, quando fosse possível pagar por uma boa garrafa de Gordon’s, seu gim predileto. Mais interessado nas essências do que propriamente nas formas do mundo, apesar de encontrar um tempinho para olhar uma Vogue. Enfim, ele, não chegando a abdicar dos cães, passava a se debruçar sobre os gatos, respeitando-os como algo que sempre estivera fixo numa invisibilidade alimentada pela sua ignorância.

Entretanto, a tempo de corrigir todas as injustiças que cometera contra aqueles indefesos animais, mesmo que não fosse muito agradável o insight, ele descobria que um escritor não poderia ter cães em sua companhia, mas apenas gatos. Ele escrevia, mesmo que ninguém lhe desse bola, apesar do descaso não ser motivo para que desistisse de algo que sempre lhe fora muito mais forte do que ele próprio.

Carentes, buliçosos, bobalhões e insuportavelmente barulhentos, apesar dele jamais negar-lhes uma irresistível fidelidade, tanto que tivera 35 cachorros ao longo de sua vida, enclausurando-os em sua memória afetiva, tal como o batalhão de homens com quem trocara secreções, apesar de, nesse caso, ser bem melhor não procurar pela cifra, os cães eram um desafio a sua preguiça, davam muito trabalho, estando muito longe da auto-suficiência dum felino.

Ele sempre recordava que Virgínia Woolf gostava de cachorros. Tanto que escrevera um livro a respeito dum dos muitos que teve e amou. Mas sua acuidade sobre as coisas do mundo – jamais neurastenia ou predisposição neurótica -, fez com que arrolasse seus latidos, ao lado da falta de dinheiro e da ausência de espaço íntimo, como um dos tantos empecilhos ao trabalho dum escritor.

primeira noite de um homem – parte II

Sim! Ele disse que sim, que não havia problema algum, mal sendo alvejado pela proposta e já se pondo a caráter, livrando-se da única peça de roupa que vestia, desde que saíra do banho e se acataplasmara como alguém convicto do direito divino dos reis pela cama imensa que não lhe pertencia, pois estava na casa duma prima distante, numa cidade distante, e fazia muito, muito calor, e os dois haviam se tornado tão íntimos e confessionais, quase como duas órfãs desiludidas e rechaçadas num torturante internato inglês, daqueles descritos por Dickens ou pela Charlotte Brontë, que não viam problema algum em ficarem semidespidos um na frente do outro e dormirem juntos no mesmo leito.

o medo da terceira margem

Ele sabia que não chegava a ser trágico, nem pessimista, muito menos, paranóico, permitindo-se crer que todos pudessem persegui-lo ou que não havia para ele lugar no mundo. Mas sua acuidade a respeito da condição humana transformara-o num reservado. Num realista, se alguns assim o desejarem.

A vida lhe ensinara a esperar qualquer coisa da condição humana. Sem muita queima de fósforo, ele alimentava a convicção de sempre tê-la observado, através dos séculos, muito encurralada pelo medo, muito ignorante, estúpida e alienada, predisposta à lei do menor esforço, invejosa, com forte tendência para o mal.

Sem falar em seu orgulho e em seu egoísmo intrínsecos, as principais causas de suas misérias. Mas a condição humana também suportava as conseqüências dum chauvinismo, duma hemiplegia moral crônicos. Ou no preto ou no branco, inexistindo espaço para o cinza, pois uma terceira margem sempre estaria condenada à rasura.

Mas ele talvez não tivesse chegado a essas conclusões, caso não tivesse estudado, lido muito, pondo-se na condição indesejável de mero observador do mundo.

intolerância ou a metáfora do judeu assimilado

Um cristão excluía um judeu e vice-versa.

Um católico massacrava um protestante e vice-versa.

Um pinto calçudo de direita não admitia um outro de esquerda e vice-versa.

Entre heterossexuais e homossexuais a coisa também não era diferente. Nessa briga, um bissexual apanharia dos dois!

Sempre a próxima Noite de São Bartolomeu. Sempre o próximo pogrom!

Portanto, não era por acaso ou por esnobismo que ele, depois do acidente de percurso com a prima tarada, adquirira o costume de comparar-se a um bom judeu assimilado, cantando a Stille Nacht ao piano, com sua família judia assimilada, num 25 de dezembro, em plena efervescência decadente da República de Weimar, às vésperas da catástrofe nazista.

Os alemães cristãos continuariam a desconfiar dele, pouco lhes importando que já se comesse presunto defumado em sua casa, não dando a mínima para seu suposto empenho quando arriscara a vida pela pátria no Marne ou em Verdun. Para os alemães cristãos, apesar dele ter sido um herói numa guerra falida, continuaria sempre não passando dum judeu. Embora, quem sabe, ele, por sua vez, lhes devolvesse seu desprezo, nunca deixando de vê-los como goyim.

Seus irmãos da Casa de Davi iriam desprezá-lo como um réprobo maldito, cuspindo-lhe um vetusto Racca, quando o vissem virando as costas em alguma tumultuada strasse berlinense.

E ele, em seu gozo de cultura inútil ao sabor voluptuoso da analogia, vendo-se lá, mesmo que estivesse por aqui, estaria sem pertencimento, estaria entregue a si mesmo, irremediavelmente excluído e pisoteado pelos dois lados. Quando tivesse chegado a hora, porque ele não admitiria fugir, jamais imaginando que certas coisas pudessem acontecer em sua vida, teria um lugar garantido num dos trens para Auschwitz.

Alguém que talvez o amasse, ou desejasse apenas a certeza do certificado de seu destino, algum tempo depois, poderia vasculhá-lo pelas possibilidades dum cinzeiro. Ao assoprá-lo, ele estaria definitivamente reduzido a um bom salmo. From ashes to ashes!

primeira noite de um homem – parte III

E curvada sobre ele, cumprindo seu ofício, ela se expunha, revelando-se muito rósea, permitindo-lhe dissipar o transe súbito que tanto o abobalhava, para que se imiscuísse nela como lhe fosse possível, passando a sentir seu mistério úmido, que escorria e fascinava dois dedos de sua mão direita – os dedos que ele enfiou, ele não me disse, mas faço idéia. Quando o quase em vias de ambos estava para explodir, só lhe restou sair duma cavidade para entrar noutra, adquirindo a certeza de que era para estar lá dentro já fazia um bom tempo.

Peg Entwistle – um exemplo a não ser seguido

It’s time to talk about Peg… Peg Entwistle!

Ela não participa da narrativa em tela. Ela nada tem a ver com o herói retardado, seduzido por uma prima tarada.

Mas ela fazia parte de sua realidade simbólica. Mais um dos tantos apelos à sua masturbação mental.

Ele a conheceu em 1976, quando comprou Hoolywood Babylon, do Kenneth Anger, uma elegia à fratura exposta, absolutamente desinteressado em estudar física ou química para um vestibular de direito, e ela ficou muito íntima.

Desde então, como Rameau, Bessie Smith, Billie Holiday, Paul Whiteman, Madonna, Madame de Montespan, F. Scott Fitzgerald, Nathanael West, Leniza Maier, Robespierre, Luís XVI, Prestes, Clyde Barrow, Freud, Thomas Hobbes, Faye Greener e sabe-se mais quem, Peg encontrou abrigo masoquista em seu imaginário protetor, firmando-se como jurisprudência.

Pobre Peg! Pobre filha da puta!

Peg Entwistle, née Lillian Millicent Entwistle, veio ao mundo em Londres. Como muita gente órfã e complicada de seu tempo, atravessou o Atlântico pelas tentações oferecidas pelo cinema, tentando sublimar um contexto pouco agradável para alguém tanto sensível quanto ambicioso, repleto de feridas narcísicas, sempre ao sabor dos traumas intransponíveis.

Moral de sua tragédia muito íntima: ela via no trabalho de atriz uma forma de se esquecer de si mesma, ajustando suas contas com o mundo pela fama e pela fortuna.

Em 1929, a desesperada obteve algum sucesso na Broadway. Intoxicada com a promessa, não esperando que houvesse confirmação no pouco que havia conquistado, partiu de mala e cuia para Tinseltown, convicta de que Hollywood nunca mais seria a mesma, a partir do instante em que a tivesse em seu círculo.

Loiras como ela havia às centenas em qualquer parte de Hollywood. E as que não eram davam sempre um jeito de tornar-se, mesmo correndo o risco de comparecerem ao próprio velório antes de qualquer teste cinematográfico.

O que Peg não percebia era que havia espaço para ela no teatro, tanto que mal chegou e foi trabalhar com Billie Burke em The Mad Hopes, mesmo que a peça tenha sido um fracasso para os cálculos norte-americanos. Meia lotação duma casa era argumento suficiente para o cancelamento dum espetáculo. O cult ainda encubava pelo ventre do american dream.

Teimosa como burro de padeiro, porque sua obsessão era o cinema, conseguiu emprego na RKO num filme de mistério que também fracassou.

A partir daí, like a rolling stone, Peg só ouviu o clássico “nada para você, por enquanto”, mesmo que estivesse ativa em seu batendo-de-porta-em-porta nervoso.

Mas Peg não era emborrachada como Faye Greener, aquela tinhosa criatura de Nathanael West, meretrizando a vida de Homer Simpson e de Tod Heckett no The Day of the Locust – apesar de sempre extra, e quase sempre uma extra sem emprego, mas nunca desistindo de viver e de importunar diariamente a central de elenco, mesmo que sempre houvesse um nada por enquanto, Faye deu um jeito de arranjar-se num bordel de luxo, pondo definitivamente as jóias da coroa no prego, pois sem isso não teria como pagar o enterro do pai, sempre mais propícia a conduzir os outros que a cercavam ao suicídio do que ela própria a aderir à conduta.

Peg talvez não tivesse estômago para que se submetesse a um bom teste do joelho ou do sofá, não se dando a oportunidade tanto para conhecer o talento duma circuncisão do leste europeu como para encontrar alguém que cuidasse de sua carreira. Nem todo mundo nasce para Leniza Maier.[1]

Outra hipótese é que talvez ninguém estivesse interessado em submetê-la aos testes. Talvez ela tivesse mau hálito, ou não se lavasse como determina o figurino. Nunca se sabe!

Mas Peg entrou em colapso, passando a colecionar macaquinhos de má índole pelos labirintos da sensibilidade ultrajada. O resultado não ultrapassou uma evidência lamentável sobre o fato de que um apressado sempre chapinha em desatinos, sem chance de apelação que repare ou indenize a extensão de seus danos.

Se Michael Jackson tivesse esperado pela era Obama teria descoberto que black is beautiful, gozando, muito up-to-date, a própria natureza afro-descendente. Se um Walter Benjamin, desiludido e melancólico, não tivesse aderido a tabletes de morfina, lá pelos atormentados 1940 europeus, ele teria passado a fronteira espanhola no dia seguinte, pois ela se abriu e todos foram na direção da América, trocando uma opressão por outra, mas ainda vivos, assustados e cheios de esperança.

Enfim, Peg também muito apressada, muito além da neurose e bem aquém do princípio de prazer, num ritmo a vida sempre foi uma grande conspiração contra meus desejos e tudo está acabado, naquele fatídico 18 de  setembro de 1932, subiu o Monte Lee, lá onde se espalhava o gigantesco letreiro HOLLYWOODLAND, optou pelo H, trepou nele e projetou-se do monstro, virando uma desconjuntada almofada de alfinetes. Naked she’s born, naked she died! 

O que a atormentada nem desconfiava era que no exato momento em que dava cabo de si mesma uma correspondência lhe estava sendo enviada, oferecendo-lhe um papel principal numa peça, lá mesmo por Tinseltown, a respeito duma garota que também cometia suicídio. A vida imita a arte! 

jurisprudência

De forma negativa, digerida pela mera dialética das coisas, Peg vinha em auxílio do herói, avisando-lhe qualquer coisa sobre sua carreira de escritor. Um retardado sexual também poderia ser uma tartaruga na satisfação de suas aspirações profissionais. Ela lhe sinalizava um amarelo vibrando promessa pelos escaninhos da sua também atormentada consciência, repleta de macaquinhos impertinentes, pois ele sempre desejou trincar uma cápsula de cianureto, num rompante de puro glamour descafeinado, evocando um nazista em desespero de causa, não por amor não correspondido ou por alguma possibilidade de desvio sexual que o chocasse, mas tão somente porque suas ambições profissionais eram sempre barradas na Disneylândia:

(Voz de Peg, ainda ardendo pelo Inferno de Dante)

- Wait, my dear! There was nothing for you just now! But just now! There will be a Day! Tomorrow will be another Day! Wait! Wait, my dear! Don’t jump! Please! The magic of self-murder has no sense! Wait! Don’t be silly!

uma gruta de jade e a necessidade dum cavanhaque

É claro que ele tomara gosto por aquele alvo específico (tanto que houve duas tentativas de gerar um herdeiro, sabotadas por dois abortos espontâneos), tão simétrico, tão elegante, uma perfeita obra de arte da natureza, estando muito longe de muitos que andam por aí, cheios de sobras desnecessárias de carne que chegam a assustar o freguês, obrigando-o a resolver as coisas sempre de olhos bem fechados.

Mas o que mais o enlouqueceu foi cair de boca naquela gruta de jade bem limpinha, fino trato, perscrutando-a em toda sua geografia durante muito tempo, fazendo a prima tarada trepidar e soltar gritos, daqueles que incitam um vizinho a chamar a polícia, até que sua umidade cedesse espaço a uma torrente perfumada em cio, já antecipando as manchas nos lençóis. O fato dele ter deixado crescer um cavanhaque meio esquisito, enquanto estiveram juntos, tinha vários motivos, mas o principal era a conservação daquele aroma pelas entranhas de suas narinas. A verdadeira presença da ausência da coisa!

entes queridos

Tranqüilos e refrescados no Céu, ou angustiados e cheios de queimaduras de terceiro grau, em pleno inferno, comendo o pão que o diabo amassa diariamente, seus pais, tão logo souberam do ocorrido, devem ter suspirado um “Até que enfim!”

Mas eles o desejavam como uma espada em tempo integral, não como uma gilete indecisa e biscateira, dando-lhes pelo menos um netinho que poderia atender por Júnior.

O que talvez o par não tivesse tutano para cogitar, assim como os hemiplégicos que o faziam sentir-se como um bom judeu assimilado, era que uma águia pode voar tão baixo quanto uma galinha, mas uma galinha nunca alça as alturas duma águia.

Só lhe restava continuar egótico e vice-versa, sempre discreto, preservando-se num estilo no one is exactly like me, sometimes even though I have trouble doing it. Fiel a si próprio, mesmo que aos pedaços.

corneando Hobbes

E eu juro por Deus que ele tentou estoicamente ser simples, sem complicações e normal.

Daquele tipo de normalidade que desaparece pela multidão e só aposta no senso comum, absolutamente convicto de que a voz do povo é a voz de Jeová, jogando-se duma ponte se todos estiverem se dirigindo para lá, participando dum linchamento se todos estiverem se divertindo, enfim, não passando um domingo sem ver o Fantástico.

Apesar da sua paixão por Hobbes, ele quase o traiu com Rousseau.

relendo O Conformista

Sim! Caro leitor, ele tentou ser normal!

Nessa confusão ilimitada, em seu mais cristalino desespero, pensou muito sobre as atitudes de Marcelo Clerici, pois O Conformista, de Moravia, sempre foi um dos romances que levaria para uma ilha deserta.

E aquela descida aos infernos do senso comum, com direito a uma escala pela breguice, absolutamente experimental, muito celofane, não deixou de encontrar-se comprometida com certa dose cavalar de contrição. Isso porque sua índole especulativa estava sempre lhe exigindo novos saberes, novas práticas, deixando-lhe muito claro que tudo poderia ser feito e experimentado, mesmo que com certo atraso, desde que não enveredasse pelo homicídio, pelo canibalismo e pelo incesto. Haveria sempre limitações para o apedrejamento e para a auto-flagelação.

cobaia de si mesmo

E nada deveria coagi-lo ao remorso ou ao arrependimento por suas incursões pelo pecado nefando. Ele era da espécie que sabia muito bem que o que está feito está feito. Ele também sabia que todo choro pelo leite derramado não passava de perda de tempo. O mais importante naquilo tudo era que sempre se mantivesse íntegro, nunca abdicando das responsabilidades advindas de seus atos. Ele tinha certeza de que fazia parte de sua natureza trocar um inferno por outro. E, quando tudo parecia insuportável e intransponível, só lhe restava transformar as perdas e os danos em vagas e ambíguas motivações que redundassem em contos ou romances, nunca abandonando sua condição, pouco invejável, de cobaia de si próprio, indiferente ao que os outros pudessem pensar do que fazia de si mesmo. Era seu jeito de se comunicar com o mundo. Era a forma, pouco nociva, que encontrara para que ajustasse suas contas com ele.

uma descida ao hades

E esse momento solene, sua sôfrega e inútil tentativa pela normalidade, através do senso comum, comprometido com a breguice, contaminou-se como uma quase epifânia amorosa pelos pobres de espírito, a ponto dele quase deixar que lhe viessem as criancinhas, correndo o risco de ser injustamente acusado de pedófilo.

Enfim, quando lhe chegou a grande oportunidade para um esplêndido suicídio - pois as pressões exercidas pela incomunicabilidade estavam em sua culminância, e ele se sentiu muito cansado de escrever para que ninguém o lesse -, o herói não hesitou em trocá-la pela compra dum cd de algum dejeto sertanejo, quase pondo fogo em todos seus textos, com a agravante de auto-flagelar-se com programas televisivos dessas seitas que compõem com maestria o rebotalho da Reforma Protestante, sempre desafiando a paciência da história para que haja uma nova Noite de São Bartolomeu.

falso alarme

Mas tudo fogo de palha, querido leitor! Mera temporada no inferno, como tantas outras que faziam parte de sua história privada. Simplesmente, um falso alarme.

Henrique VIII, F.Scott Fitzgerald e Madame de Montespan sempre seriam mais fortes do que Leandro & Leonardo, ou qualquer bispo de araque, esmagando Xuxa e Daniel, que já deveria ter ido para a cova dos leões há muito tempo e só dela saindo para um bom forno crematório. E Rameau venceu, com certo apoio de Madonna!

Breguice também salva! Mesmo que seja momentânea. É como um bom boquete, de 15 real, para imediato alívio dos colhões.

variações em torno de um mesmo tema

E ele me disse que quase se metamorfosear num falso evangélico não era muito diferente de fingir que havia pontos conjuntivos entre os blues de Bessie Smith e a ladainha sertaneja – portanto, submeter-se aos impulsos libidinosos duma mulher carente, aproveitando a ocasião que a sorte ou o azar lhe trazia de bandeja não passava de mais uma variação em torno dum mesmo tema: seu entusiasmo pelo falso alarme, mesmo que sempre tivesse coragem para reconhecer seus equívocos, pondo-se sempre à disposição dum recomeço, porque quase tudo lhe era necessário a seu processo incessante de auto-conhecimento. Ele tinha certeza de que o preconceito seria sempre um obstáculo à felicidade - uma rasura na Antropofagia!

dois tolos

Pelo que foi me dizendo, ele tinha certeza de que antes de entrar no romance de ocasião, já sabia que, no mínimo, daria com os burros n’água, porque um dos sintomas de qualquer aversão seria sempre a recorrência aos adiamentos e às substituições – você sempre encontra algo para fazer antes daquilo que precisa fazer, havendo sempre motivos para que sua atenção se dirija a um outro ponto qualquer, e, enfim, quando você realmente se dispõe a entregar-se ao inevitável, ele é sempre feito num tom obrigacional, mesmo que você consiga imprimir nele certa atmosfera de satisfação, jamais fugindo do complemento do olho no olho, pois isso sempre lhe garante que a outra parte irá considerá-lo como sincero, como digno de confiança, como alguém tão satisfeito quanto ela, e que todos serão felizes para sempre, até que a morte os separe. Não era muito difícil para ele fazer esse tipo de coisa. Relativa alma de cortesã!

Mas ele também alimentava a certeza de que só confirmaria aquele fracasso antecipado se não se negasse à experiência, pouco lhe dizendo respeito que aquilo fosse mais uma das suas tentativas frustradas de composição familiar ou uma das suas insanas variantes de busca pela normalidade.

E ele me garantiu que se tudo tivesse saído conforme suas quimeras, a súbita união poderia ter significado uma vida a dois impregnada de respeito mútuo, onde a maturidade individual estaria exercendo controle sob os excessos das idiossincrasias, sem tempo ou espaço para crises tuteladas pelo egoísmo ou pela falta de sensibilidade.

Mas ele também me disse que isso seria exigir muito dum ser humano, principalmente, de dois desnorteados: ela só desejando o amor e ele só querendo ser uma celebridade.

O que houve entre ambos foi uma constante medição de forças, sempre entregue às projeções de cada recalcado, que sempre esperava do outro aquilo que mais lhe faltava, nem sempre conseguindo observá-lo como alguém entregue aos próprios limites, alguém que só poderia oferecer aquilo que tivesse. Porque ele sabia muito bem que devemos aprender a amar aquilo que nos chega, não aquilo que tanto desejamos, pois o desejado às vezes não passa de mera ilusão.

Conforme me relatou de forma cínica, muito preocupado com sua carreira de escritor, ele teria se acomodado à situação, mesmo que não a amasse. Uma mulher de posses é sempre bem vinda no mundo da literatura. Aliás, ele não me parecia alguém muito inclinado a amar quem quer que fosse, exceto a si mesmo. Ela, por sua vez, mesmo que nunca o encontrasse, porque talvez não soubesse do que se tratava, porque talvez sempre o confundisse com a inutilidade das paixões, indo sempre buscá-lo em lugares equívocos, fazia do amor obsessivo a razão da própria existência.

escombros nos dois territórios

E ele também me disse que talvez fosse bem provável que ambos tivessem exigido muito duma simples experiência. Nada mais do que um acréscimo de páginas ao livro das próprias vidas. E isso precisava ser sempre levado muito a sério. O fato de alguém se submeter a uma experiência, o que não deixava de ser um ato de coragem, não significaria que ela fosse bem sucedida. Era como se estivessem marcados pelo fracasso muito antes de terem sequer pensado no assunto.

Se ela fingiu que sua carreira de escritor era importante nos primeiros tempos, objetivando seduzi-lo, ele, de seu lado, atuou o tempo todo como um canastrão apaixonado. E as pretensões ao esculpido em Carrara gelatinaram-se putrefatas num cuspido e escarrado, cujo saldo esteve mais próximo das ruínas do que propriamente do binômio vencedor/vencido, porque, dum jeito ou doutro, ambos ganharam alguma coisa, mesmo que tenha havido escombros nos dois territórios.

Salve Edward! Não Jane! – lembrando Henrique VIII

Porque ele se sentiu livre da prima, aquela baleia entalada em lençóis de grife, sempre afivelada em seu estilo mulheres que amam demais, quando a última tentativa para que tivessem um filho mais uma vez resultou num aborto espontâneo.

O rebento lhe importava muito mais do que a mulher (mera função), isso ele jamais poderia negar. Sim! O herói queira muito aquele filho macho! Uma promessa! Um enunciado anfibológico! Uma extensão da sua própria carne! E ele, de forma sádica, porque sabia que ela corria o risco de passar por maus bocados pela hora do parto, viu-se muito Henrique VIII dizendo ao cirurgião, caso passasse pela mesma experiência, sendo constrangido a escolher entre a mãe ou o herdeiro: Salve Edward! Não Jane!

Mas ele não era Henrique VIII, ela não era Jane Seymour, muito menos, o feto prometia-se como Edward VI, embora nada o refreasse em sua mania de estar sempre associando coisas em sua mente, fossem as que estivessem marcando presença, fossem as que surgissem do nada, prometendo boas combinatórias para hipóteses de ocorrências.

um saldo positivo

Mas ele me disse que havia naquilo tudo um saldo positivo, pelo menos, ele assim preferia ver a coisa, porque, através dela, ele conseguira ampliar sua leitura de mundo.

Conseguira perder o medo absurdo que nutria pelas mulheres, mesmo que dele tenha se livrado com certo atraso, passando a apreciá-las como uma possibilidade inclusiva, ou seja, mais um dos objetos de desejo que faziam parte da sua coleção. Sim! Ele não podia negar que seguira os passos de Robespierre, Luís XVI, Prestes e Clyde Barrow, embora talvez freqüentasse o círculo de Sade ou do Regente, sobrinho de Luís XIV. No escuro é quase sempre tudo muito parecido.

Através dela também percebera que não eram só os que mordiam a fronha que temiam a solidão. Ela também era uma das tantas vítimas do mito de Sísifo. Sempre na iminência de arriscar-se ao próximo homem, crendo que ele seria dela em tempo integral, absolutamente entregue às ilusões do I love to love the love. Enfim, ele, o herói, convencia-se definitivamente de que o transtorno pertencia a todo ser humano, desde que fosse débil, fazendo de terceiros a condição para a própria felicidade. Se deixara de ser injusto com os gatos, também deixaria de ser com seus irmãos de calvário. Todos se igualavam diante da miséria da condição humana.

Através dela também descobrira que era fértil e potente, conseguindo, inclusive, dar duas sem tirar, sentindo orgulho da própria aparelhagem, passando a preserva-se, só molhando o cajado naquilo que realmente valesse a pena, pois caso contrário, estaria conformado ao cinco contra um. E ele sabia que os homens levavam vantagens sobre as mulheres em muitos aspectos: haveria sempre uma boa jovem carente e ingênua, rica e loira de verdade, de preferência, predisposta a sucumbir aos encantos dum sujeito maduro e culto, sempre engatilhado em sua condição de paisagem numa boa sala de visitas – um reprodutor bem falante, um cínico incorrigível, quase um mestre de cerimônias. Mesmo velho, Cary Grant, apesar de gilete, conseguira seu filho no final da vida. E pouco lhe importava que corresse o risco de comparecer ao batizado do rebento no sábado, indo ele a seu enterro na terça.

Portanto, caro leitor, ele só tinha o que lhe agradecer, mesmo que, durante certo tempo, ela muito o tenha atrapalhado em suas leituras, em seu trabalho de escritor, em suas andanças pelo Youtube e pelo Google à cata de mais idiossincrasias históricas, detestando tudo o que se insurgisse como obstáculo entre os dois, transformando sua vida pacata e egocêntrica num inferno, permitindo-lhe, finalmente, compreender o que significava a experiência da solidão a dois.

Faye & Harry Greener – lembrando The Day of the Locust

E ela, sempre querendo furar sua bolha de evasão, principalmente, quando ele estava fixo em suas imagens antigas, curvado sobre a tela dum computador, coletando exemplos e instrução, muitas vezes chegava a provocá-lo, desejando que ele muito nela batesse, pois a bisca costumava fazer isso com seus maridos, conseguindo tirá-los do sério, satisfazendo-se com alguns hematomas e algumas equimoses, porque talvez fosse preferível uma surra de quando em vez do que a mais fria indiferença.

Mas ele sempre tivera domínio exemplar sobre os próprios impulsos. Eles estariam sempre reservados para seus textos. Violência só no papel. As vicissitudes que a vida lhe reservava fizeram dele um bom cavalheiro, nunca rompendo com aquilo que assimilara do bom e pérfido Mazarino: devemos suportar uma afronta quando nos é impossível revidá-la, mas nada nos impede de mostrar a conta, tão logo as condições se mostrem propícias.

E ela que ficasse bufando, entregue à própria frustração. Mas nada o impedia de rir e debochar muito, sempre de forma melíflua, empregando metáforas de difícil acesso para ridicularizá-la. Sua cartola inesgotável de exemplos desabonatórios deixavam-na quase louca. Quanto mais ele não aderia à agressividade desejada, mais furibunda ela ficava, só lhe restando fumar o próximo cigarro de maconha (coisa que ele odiava) e mandá-lo embora. Num dia ele realmente foi, e ela se arrependeu do que dissera tantas vezes, falhando em suas tentativas para resgatá-lo. Porque, segundo ele me disse, se estava fadado a uma cidade falsamente cosmopolita, que, pelo menos, ficasse na sua – bem ou mal, o território já estava mais do que conhecido e explorado.

Eles talvez estivessem, durante o tempo de seu caso amoroso, como Faye e Harry Greener, pai e filha em seu duelo inútil de irritabilidade recíproca: Harry com sua gargalhada, que sugeria um enfisema pulmonar, e Faye se sacudindo e cantando Jeepers, Creepers, como se estivesse possuída por algum exu desencaminhado, um sempre postado na frente do outro, em seus célebres momentos de tensão primitiva, medindo forças para que descobrissem quem estava melhor em seu grau de frustração. Um inferno muito íntimo! Irresistível como alcaparras em excesso num molho que prometia sabor. Entretanto, ele não recorria ao desespero de Faye, que punha termo ao ritual sado-masoquista, desferindo uma sonora bofetada na cara vermelha do velho Harry, despedindo-se momentaneamente da situação pelo aconchego insalubre do próprio quarto.

Mas ele também sabia que nada era para sempre, regozijando-se com a certeza de que quanto mais cedo algo começa, mais cedo também acaba. O importante naquilo tudo, segundo o que ele me confessou, era que sua mudança de hábitos comprometia-se mais com possibilidades agregadoras do que propriamente com meras substituições, o que, com toda certeza, salvava-o da condição de hemiplégico moral, ou, definitivamente, garantia seu lugar na galeria dos perversos. Embora ele desse preferência por ser comparado a um bom judeu assimilado.

o que realmente lhe importava – sua carreira de escritor

E logo, conforme ele me disse, ela, a prima tarada, e a experiência seriam reduzidas à condição de matéria-prima para algum conto ou algum romance. Isso estaria sempre além de seu controle.

Mas tudo ainda estava como tinta fresca, como massa de pão fermentando, exigindo o devido tempo para a devida maturação. O ideal, nesses casos, era sempre escrever depois que o envolvimento emocional já estivesse cicatrizado, permitindo-lhe o necessário distanciamento estético, a ponto de tudo perder-se, caso ainda houvesse mágoas, ressentimentos ou pieguice alimentada pela paixão.

Transformar as próprias frustrações num romance, conseguindo diluí-las e reestruturá-las em situações que apenas as sugerissem, era sempre uma tarefa árdua. E aquilo sempre levava tempo. Podia até custar-lhe uns bons dez anos da própria vida. Mas isso não tinha importância.

Ele sabia que a brincadeira era para os pacientes, os ensimesmados, os displicentes, os que não perdiam tempo com escrúpulos, os que não punham flores nos túmulos dos pais, vendo nos cemitérios apenas possibilidades para obras de arte, os que não temiam a voz do próprio silêncio, os que colecionavam cultura inútil, exercitando-a através da analogia, os que sabiam que seus livros sempre viriam antes de qualquer coisa, mesmo que nunca fossem editados, provavelmente condenados ao póstumo. Por uma questão de prudência, era melhor que gente desse tipo nunca se atrevesse à paternidade, caso não pudesse pagar pelos serviços duma babá.

E ele concluiu que sempre fracassaria em suas tentativas de normalidade simplesmente porque ela não existia. Era mais fácil privar da companhia dum unicórnio do que aprisioná-la num consenso.

 

vice-versa – a vela que queima de ambos os lados – a sina do herói retardado

Sigamos a bolinha para cantar a canção:

 

“My candle burns at both ends;

It will not last the night;

But ah, my foes, and oh, my friends –

It gives a lovely light!”

 

Edna St. Vincent Millay

 

   
  [1] Personagem da obra A Estrela Sobe (1939), de Marques Rebelo, podendo ser apontado como o modelo típico de quem se prostitui para que conquiste seus objetivos na vida, seguindo a conduta os fins justificam os meios, onde os valores de troca sempre substituem os de uso. A Estrela Sobe e The Day of the Locust foram publicados no mesmo ano - há pontos conjuntivos entre ambos, apesar das consideráveis diferenças: o primeiro observa a mediocridade da broadcasting nacional,  o segundo se encarrega do submundo hollywoodiano, só tendo olhos para os vencidos.
   
 
 

 

© Maria Estela Guedes
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