REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 31 | setembro | 2012

 
 

 

 

 

 

 

NICOLAU SAIÃO

Assim que passem quinze anos...

 

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
Página Principal  
Índice de Autores  
Série Anterior  
SÍTIOS ALIADOS  
TriploII - Blog do TriploV  
Apenas Livros Editora  
O Bule  
Jornal de Poesia  
Domador de Sonhos  
Agulha - Revista de Cultura  
Arte - Livros Editora  
 

 

 
 
 
 
ASSIM QUE PASSEM QUINZE ANOS…
 

  Foi nesta data, 19 de agosto, 15 anos atrás, que por um acaso fortuito propiciado pela cordialidade da minha colega de trabalho Maria José Maçãs (responsável pelo museu de José Régio “Casa do Poeta”, em Portalegre) vi pela primeira vez o autor de “Vestígios”.

  Ele estava, vindo de Ciudad Real, de passagem com dois familiares e demandava os Açores, que Michel Dorion lhe creditara como um lugar incontornável para quem se maravilha com paisagens surpreendentes – e a Maria José referiu-lhe que “também temos cá um colega que escreve”.

  Subidas as escadinhas que levavam ao Centro de Estudos adstrito, o encontro foi amável, foi cordial e, em seguida, foi estimulante.

  E agora que finalmente saíu no Brasil, por mim levado e traduzido (e com a sua complacência fraternal, doada e sem usura) o seu livro citado acima, creio que fará sentido – ainda que todos, é uma maneira de falar, estejamos em férias – dar aqui um trio de poemas, bem como a capa da edição a que faço referência. 

 

 (Gérard André Loison Calandre nasceu em 1952, na Bretanha, França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras. Autor do livro “Vestígios”, traduzido por NS e de textos esparsos sobre o seu ramo profissional e, ainda, no tomo work in progress “No Outro Lado”. Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher Jeanne Vaillon Remise foi viver para o Canadá francófono.

    Tem colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques, “Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha” – dir. Floriano Martins & Cláudio Willer, ”TriploV” - dir. Maria Estela Guedes ,”Abril em Maio” - dir. Eduarda Dionísio, “Carré Rouge” - dir. Alex Centeno, “Fanal” e, finalmente, no “Ablogando”.

 

Três Poemas

 

 À UNE LOUPE

 

 Avec toi j'ai vu les vers de Virgile

les couleurs élémentaires d'un torse de Piranesi

Je peux simuler que je vois comme dans un rêve les arbres

et les maisons qu'entre elles se dissimulent

Dans un manuscrit très ancien

 

Combien plus de temps cela me sera donné

 

Le découpage d'un té

le pédoncule d'une magnolia

l'oeil d'un poisson d'eaux profondes

le tournoyer d'une foudre dans une page occasionnel

 

Une nuit elle m'abandonnera  la poésie

 

Verre et métal   et dans des minutes

la definitive cécité

 

Je t'approche des lettres et voici

Ils grandissent comme des troncs Comme des troncs ils disparaissent

 

Et déjà il reste seulement la mémoire d'une fiévreuse minute.

 

 

A UMA LUPA

 

Contigo vi os versos de Virgílio

As cores elementares dum torso de Piranesi

Posso simular que vejo como num sonho as árvores

e as casas que entre elas se dissimulam

Num manuscrito muito antigo

 

Quanto tempo mais isso me será dado

 

O recorte de um tê

o pedúnculo duma magnólia

o olho dum peixe de águas profundas

o cirandar de um relâmpago numa página de acaso

 

Abandonar-me-á uma noite a poesia

 

Vidro e metal    e em minutos

a definitiva cegueira

 

Aproximo-te das letras e eis

Crescem como troncos Como troncos desaparecem

E já só resta a memória dum minuto febril.

 

 

LE VOYAGE

 

La femme qui avec le bras mi-soulevé

ouvre la corolle de sa main  Son visage moitié blanche

moitié foncée Le pouls un peu gonflé

De la taille en bas il ne se voit pas Une trace noire

la scinde, la ravage, la dévore.

 

Le vieux monsieur dévie un pied Je m'arrange

Je déteste le Mètre mais c'est ici qui habitent des séraphins des chérubins

Les huit maisons du trésor La place où l'on tue la soif

C'est mien le peu de que tous se revendiquent

Le frayeur la joie merveilleuse cadeau

Un visage coupé dans plusieurs angles

par la grâce de Dieu L'obstination d'un maître d'école

que Galilée s'appelait Je marche autour de la Terre

Je suis un fragment de montagne

 

Le vieux monsieur qui j'n'avais jamais trouvé

Il regarde le toit Ébloui Il reste trés calme Il soupire.

 

 

VIAGEM

 

A mulher que com o braço meio erguido

abre a mão em corola A face metade branca

metade escura O pulso um pouco inchado

Da cintura para baixo não se vê Um traço

negro cinde-a destroça-a devora-a

 

O velho senhor desvia um pé Ajeito-me

Detesto o Metro mas nele residem serafins querubins

As oito casas do tesouro O lugar onde se mata a sede

É meu o pouco de que todos se reivindicam

Susto alegria maravilhosa dádiva

Um rosto cortado em vários ângulos

pela graça de Deus A obstinação dum mestre-escola

que Galileu se chamava Ando à volta da Terra

Sou um fragmento de montanha

 

O velho senhor que jamais encontrara

Olha para o tecto Deslumbrado Fica muito quieto Suspira.

 

 

UNE POUPÉE DESSINÉE PAR UN ENFANT

 

Il y a quelque part quelque chose qui nous échappe

Ce nez qui se rétrécit Une jambe qui vole

Un chiffre dessiné Ce n'est pas bien un chiffre

C'est une petite étoile

Petite étoile du nord regarde bien

celui-ci est le bras pour beaucoup d'âges

l'âge du sud et de l'ouest

les mains qui sont des plantes nocturnes

 

Beaucoup d'années plus tard quelqu'un trouvera

le papier froissé dans un tiroir perdu

Regarde  c'est le visage du cousin Florentin

Florentin est un vieux Il sourit

Pendant  un moment il se rend nostalgique

Pendant un moment tout est immobile  et indemne.

 

 

UM BONECO DESENHADO POR UMA CRIANÇA

 

Há   algures   qualquer coisa que nos escapa

Este nariz que se retrai Uma perna que esvoaça

Um algarismo desenhado Não é bem algarismo

É uma pequena estrela

Estrelinha do norte repara bem

este é o braço para muitas idades

a idade do sul e do oeste

as mãos que são plantas nocturnas

Muitos anos mais tarde alguém encontrará

o papel amarrotado numa gaveta perdida

Olha   é a cara do primo Florêncio

Florêncio é um velho Sorri

O seu olhar fica saudoso Por um momento

Por um momento tudo fica parado   e incólume. 

 

GÉRARD CALANDRE

in Vestiges/Vestígios”

 

   Tradução ns

 
 

 

Revista InComunidade (Porto)

 

 

 

 

NICOLAU SAIÃO [FRANCISCO GARÇÃO]
 [
Monforte do Alentejo,1949, Portugal]
Poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico. Efectuou palestras e participou em mostras de Mail Art e exposições em diversos países. Livros: “Os objectos inquietantes”, “Flauta de Pan”, “Os olhares perdidos”, “Passagem de nível”, “O armário de Midas”, “Escrita e o seu contrário” (a publicar). Tem colaboração dispersa por jornais e revistas nacionais e estrangeiros (Brasil, França, E.U.A. Argentina,
Cabo Verde...).
CONTACTO: nicolau49@yahoo.com

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL