REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 30 | agosto | 2012

 
 

 

 

JOSÉ EDUARDO FRANCO

Mitos das origens das nacionalidades:

o caso português no âmbito da afirmação das nacionalidades europeias na modernidade[1]

 

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
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 Muitas vezes os povos para se libertarem da primazia de outros

que lhes estão mais próximos, tanto no espaço como no tempo,

apelaram à maior dignidade dos tempos antigos com os quais

estabeleceram relações de continuidade e mesmo de dependência

fundadora. No renascimento, a antiguidade greco-romana

foi utilizada nestes termos pelos humanistas contra

a considerada insanidade dos estudos escolásticos da chamada

Idade Média. Mas, antes deles, também o cristianismo primitivo

apelou à maior antiguidade de Moisés sobre Homero,

afirmando, contra os gregos, a superioridade do

cristianismo, por radicar em tempos mais antigos.

Pedro Calafate[2]

 

  Considerações teóricas preliminares
 

 

A mitificação das origens primeiras de um povo, de uma nação ou mesmo de uma instituição resulta de um fito de engrandecimento e de legitimação da realidade fenoménica que se descreve num processo de construção de memória histórica.

É especialmente a partir do século XVI que se desenvolve uma espécie de mercado europeu dos imaginários nacionais ou das mitologias nacionais. A partir desta literatura histórica pode-se escalpelizar e distinguir uma tipologia dos mitos das origens das nações que, nessa época, foram delineados com grande envergadura nos círculos culturais da maioria dos países europeus, de que se conhecem exemplos comparativamente interessantes, particularmente na Espanha, na França, na Alemanha, nos Países Baixos, na Hungria e na Rússia, entre outros. Os estados e os reinos recentes ganham, no dealbar da modernidade, a consciência e a convicção de que têm uma origem muito antiga, inscrita nos primórdios da humanidade. Assim sendo, configuram uma idade de ouro que distingue em excelência a primeira idade das nações. Neste processo estabelece-se uma dicotomia entre esse passado fulgurante e a história actual. Essa dicotomia é demarcada pelo optimismo que caracteriza a visão das origens e o pessimismo em face da avaliação das condições do presente. E em todas essas obras historiográficas dos diversos países a exploração do tema das origens é orientado para fins políticos mais ou menos imediatos[3].

No entanto, este processo de construção mítica é indissociável da relação directa com a actualidade histórico-política. Neste sentido, Claude-Gilbert Dubois, escrevendo sobre a problemática dos mitos das origens, considera que “a génese do mito não pode ser dissociada do terreno histórico sobre o qual ele se apoia. Estas crenças assumem o aspecto de alegorias, cujo sentido é determinado pela conjuntura histórica; é uma maneira de exprimir reivindicações que pertencem a um tempo preciso e a aspirações em relação directa com a actualidade histórica”[4].

A consciência da fragilidade das condições presentes em termos de identidade e de salvaguarda da integridade da nação, no fundo o pressentir ou mesmo o verificar o perigo iminente da decadência ou da ruína suscitam este processo de mitificação de um passado genesíaco. E por essa via intenta-se intervir de algum modo no presente e mesmo condicionar a destinação histórica futura. A propósito da eficácia presente que se procura nas construções do passado, Lucien Febvre afirma nos seus Combates pela História: “Organizar o passado em função do presente: é aquilo a que poderíamos chamar a função social da história”[5]. À luz deste escopo, o historiador adapta a verdade histórica de forma a forjar uma espécie de história-parecer, uma história de combate, de tomada de posição projectada no terreno do passado. Tudo isto é feito geralmente de forma implícita. A impliciticidade pode ser lida nas entrelinhas, na forma como a narrativa é organizada e nas escolhas feitas em termos de etapas temporais e configurações geográficas, de acontecimentos, de factos, de figuras e das apreciações do historiador integradoras de todos esses elementos numa totalidade de sentido orientada ideologicamente para inculcar uma determinada visão do passado.

Estas histórias empreendem a construção do passado dos reinos até à coevidade para sustentar uma ideia de pátria, de povo, de reino e de realeza que colocava disciplinas como a Teologia e o Direito ao serviço da História, e a História ao serviço da política. O seu ideal nobilitante do passado nacional funcionalizava a história na disputa ideológico-nacionalizante da primazia desses reinos em relação aos outros pares do macro-espaço continental europeu.

Pela escrita da história remota, e através de uma hermenêutica inteligentemente orientada, o historiador formula as suas críticas em relação ao presente e adverte os contemporâneos, quase em tom profético, em relação aos riscos do futuro. Mas esta nostalgia não se fecha em si própria. Transforma-se em instrumento de combate, de crítica, abrindo para o sentido da esperança no que respeita ao futuro.

O historiador não só funcionaliza a história para criticar os ínvios processos da conjuntura presente, como também a utiliza para exprimir a sua expectativa futura em relação à sua nação, estado ou instituição, expectativa constituída ideologicamente em utopia. É aqui que melhor se revela a artesania do historiador como um autêntico manipulador do passado, ficcionando-o e modelando-o ao serviço dos seus interesses ideológico-políticos em relação ao presente e ao futuro. Como escreve Jacques Le Goff, glosando a filosofia da história heideggeriana: “A História seria não só a projecção que o homem faz do presente no passado, mas a projecção da parte mais imaginária do seu presente, a projecção no passado do futuro que ele escolheu, uma história ficção, uma história desejo às avessas”[6]. Além de uma história-parecer, uma história-posição, torna-se uma história-desejo e uma história-profecia, cimentada num ideal patriótico ou institucionalista bem definido.

 

  O mito das origens de Portugal
 

 

O caso da mitificação das origens da identidade e soberania portuguesas é bem paradigmático no âmbito da produção cultural europeia dos chamados mitos das origens das nacionalidades. Esse processo de engrandecimento dos primórdios da nação portuguesa é despoletado pela releitura da história do reino no tempo exuberante das Descobertas Portuguesas e acentuado com a consciência de fragilidade, de ruína e de incumprimento dos desígnios providencialistas de Portugal consubstanciada na perda da independência em favor de Castela no período da chamada União Dual.

Mitógrafos, cronistas, historiadores, filósofos, romancistas, teólogos operam uma releitura reconstitutiva do passado do reino, recortando-lhe uma idade de ouro primordial e exaltando uma idade de ouro intermédia, a da gesta das viagens marítimas portuguesas, que seriam prelúdio de uma glorificação maior do reino realizada teleologicamente na concretização utópica do Quinto Império do Mundo. André de Resende, João de Barros, Amador Arrais, Luís de Camões, Fernando Oliveira, Frei Bernardo de Brito, D. João de Castro, Gabriel Pereira de Castro, Sousa de Macedo, Frei Sebastião de Paiva, Padre António Vieira, entre outros, procuraram reler a história passada aprofundando-lhe e dignificando-lhe as origens de forma a cimentar a identidade portuguesa em alicerces prestigiantes. Uns fizeram remontar o reino de Portugal ao tempo dos patriarcas bíblicos, outros ao tempo do navegador grego, Ulisses, outros ainda à brava tribo dos Lusitanos, opositora poderosa da expansão romana na Península Ibérica. Este esforço de valorização das raízes primeiras orienta-se em vista da disputa de uma determinada primazia portuguesa, ora em vista de uma reprojecção do futuro para a superação da decadência presente[7].

Entre os diversos autores da mitificação das origens portuguesas tem sido recuperado pela historiografia recente o humanista Fernando Oliveira (c.1506-c.1582), um dos mais geniais e multifacetados escritores e cientistas de Quinhentos. Ao modo de estudo de caso, passaremos a centrar-nos na análise da exemplaridade do seu contributo para o processo histórico-cultural da valorização das raízes do Reino de Portugal no contexto da produção portuguesa deste tipo de literatura mitificante na época moderna. Esse contributo encontra-se nas duas obras escritas no fim da sua vida, intituladas História de Portugal e Livro da Antiguidade, Nobreza, Liberdade e Imunidade do Reino de Portugal, obras que se encontravam manuscritas na Biblioteca Nacional de Paris e que tivemos a oportunidade de editá-las criticamente no ano 2000.[8]

A ideia das origens e da evolução da identidade portuguesas está expressa nestas obras de Oliveira escritas no quadro da crise dinástica de 1580 que conduziu à Perda da Independência Portuguesa em favor de Espanha durante 60 anos. Os seus vectores ideológicos estruturantes são a sacralidade e nobreza fundacional do reino, a singularização de que foi revestido em virtude dessa fundação por mandato divino, a liberdade, imunidade e imarcescibilidade que lhe era intrínseca, e subsequente perenidade protegida e conduzida divinamente para o cumprimento de uma missão sagrada que justifica em si própria o sentido último da nação. Ideografia caracterizada por um portugalocentrismo, inédito na história da historiografia portuguesa.

O carácter apologal da historiogénese de Portugal, postulado e construído em função do deslumbre perante a idade de ouro nacional da história recente do reino e a fim de intervir crítica e mobilizadoramente no drama nacional da história presente, produz, no nosso país, uma nova forma de fazer historiografia, a qual transforma a visão histórica tradicional do reino. Esta nova ideografia é decalcada e adaptada de uma tese histórico-mitográfica que se tinha desenvolvido ao longo do século XVI, para a qual concorrem historiadores castelhanos, franceses e italianos. Nesta historiografia, como explica Américo Castro analisando o caso espanhol, se surpreende uma concatenação “do gosto pela magnificiência imperial, com modos de sentir e de pensar, fabulosos uns, e arcaicos outros”[9], de modo a espanholizar a herança imperial romana e delinear, exuberantemente, um passado gloriosíssimo para a Espanha. Esse processo de iberização da glória imperial era feito em contraposição com as obras exaltacionistas da antiguidade italiana da pena dos humanistas da Renascença.

Na esteira da demanda de uma primazia e de um prestígio nacionalizante no quadro da Península Ibérica, realizada pela retrotracção mitificante da antiguidade, Fernando Oliveira disputa para Portugal essa dianteira como forma de reacção à hegemonia avassaladora de Castela, no plano político, mas que também tinha vindo a ser sustentada culturalmente pela historiografia do reino vizinho.

Nesse combate intelectual, o autor procura refundar miticamente as bases históricas da identidade portuguesa, de forma a torná-la capaz de concorrer culturalmente com as identidades do reino vizinho. Utilizando, sem rebuços, uma doutrina teológica da história de inspiração agostiniana, congraçada com uma filosofia política de filiação aristotélica e uma moral sócio-estatal de pendor cicero-titoliviana, o historiador recorta um Portugal fundado ontologicamente em direito teológico. Este reino teria gozado de uma idade de ouro primigénia, e, depois, resistindo, imune e essencialmente livre, a todas as tentativas de usurpação estrangeira, as quais teriam sido impelidas cobiçosamente por uma enigmática ambição de dominar esta terra abençoada.

Destarte, as diferentes etapas da história de Portugal, descritas do modo a provar a sucessão imputrescível da herança do reino, são unificadas, desde a sua historiogénese, na reformulação e resolução das aporias e hiatos inexplicáveis, à luz de um tempo mítico que virtualiza e ilude a realidade, ao serviço da apresentação de um panorama global que cumpra a visão do reino que se quer pertinazmente edificar. Tempo mítico que é, de facto, o segredo deste processo de reestruturação fabulosa da história nacional. Como explica Ricoeur: “[...] o tempo mítico mergulha o pensamento em brumas, nas quais todas as vacas seriam pardas, e instaura uma escansão única e global do tempo, ordenando, uns em relação aos outros, os ciclos de duração diferente, os grandes ciclos celestes, as recorrências biológicas e os ritmos da vida social”[10].

Em vez de sustentar uma hermenêutica do nascimento de Portugal a partir “duma evolução interna a que andou associado o espírito de independência dos barões portucalenses, transmitido e engrandecido de geração em geração”[11],  em relação à qual historiografia contemporânea é mais ou menos concordante, Oliveira procura, na perspectiva de uma história mítico-providencialista, identificar um acto fundacional originário. Deste acto de pendor sacral teria dimanado uma evolução unilateral, sem rupturas, de uma nação singular. Prosseguindo a pretensão de aquilatar positivamente aquilo que Portugal significa aos olhos dos Portugueses e dos outros povos, veicula dogmaticamente uma ideia sagrada, canonizante de Portugal e dos Portugueses. Nesta óptica, como refere Eduardo Lourenço, se “a autoconsciência nacional surge em João de Barros e é elevada à sua potência última por Camões”[12], não será demasiado afirmarmos que ela transborda em Fernando Oliveira, armada ferulamente por uma apologética que anuncia uma ideia “religiosamente” devota da nação portuguesa.

Nesta asserção, podemos diagnosticar avant la lettre uma grande dose de “paixão nacional” neste humanista, fiel ao Portugal promissor dos Descobrimentos, que relê a história à luz de uma convicção patriótica, reconstruindo-a como “Mito”[13]. Como escreve o mesmo autor noutra obra mais recente, “toda a leitura do nosso passado como digno de memória está suspensa do ‘facto’ das Descobertas. E com essa leitura é uma trama densa de textos em que esse ‘facto’ se comentou, glosou, cantou, analisou, mais raramente se discutiu, nela e com ela se constitui o mito português, por excelência de povo descobridor”[14]. O mito da nação da nação é assim esculpido, vitralizando a sua história, tornando-a espelho brilhante para o presente, como meio de constituir um instrumento de resistência crítica, através da exploração da força psico-nacional desta história mítica, à iminência da derrocada do reino na história presente. Neste sentido, o é elevado ao mais alto nível de possibilidade, a capacidade criadora e poética da história, na perspectiva do que teoriza Paul Ricoeur: “Ora, a história revela [...] a sua capacidade criadora de refiguração do tempo pela invenção e uso de certos instrumentos de pensamento, tais quais o calendário, a ideia da sucessão das gerações e aquela, conexa, do triplo reino dos contemporâneos, dos predecessores e dos sucessores, enfim, e sobretudo pelo recurso aos arquivos, aos documentos e aos vestígios. Estes instrumentos de pensamento [...] desempenham a função de conectores entre o tempo vivido e o tempo universal. Neste caso, eles atestam a função poética da história e trabalham para a solução das aporias do tempo”[15].

Este tipo de produção historiográfica insere-se, tendo em conta a teoria da história que lhe subjaz, na tradição cultural que se configura num determinado modo de pensar, de entender e de sonhar Portugal, bem como a história do Homem[16]. Processo de releitura feito à luz de uma visão especial e invulgar das suas origens, de um entendimento da sua visão histórica no mundo e do epílogo glorioso a que supostamente estaria vocacionado[17]. A conservação e glorificação histórica de Portugal que esta obra reclama e, em grande medida, opera, assentam numa visão idealizante do passado de Portugal. O que confirma o diagnóstico de Eduardo Lourenço acerca de muita da nossa historiografia: “Se a História, no sentido restrito do ‘conhecimento do historiável’, é o horizonte próprio onde melhor se apercebe o que é ou não é realidade nacional, a mais sumária autópsia da nossa historiografia revela o irrealismo prodigioso da imagem que os Portugueses se fazem de si mesmo”[18].

 

  Um reino de fundação divina
 

 

Aquilo que podemos designar histórico-filosoficamente como a ontologia mítica de Portugal, configura-se entre dois pontos nodais que estruturam ideologicamente esta ideia de Portugal: o mito tubaliano e a teofania de Ourique.

A fundação, pela mediação do patriarca Tubal, do reino em direito teológico, aquando da pós-diluviana “povoação da terra que lhe por Deus era encomendada”[19], constitui-se como o mito fundador da nacionalidade. Assim, neste processo de legitimação da nacionalidade, pelo estabelecimento de uma origem divina, em que se funda o reino, o autor retrotrai profundamente a mitificação da historiogénese ─ tradicionalmente assente no milagre de Ourique verificado num tempo mais recente ─, para apresentá-la como “modelo de explicação das origens”[20].

Pegando no legado cultural do imaginário oferecido pelos modelos de construção judeo-cristã da história, em que a Bíblia emerge como a fonte angular, o historiador constrói uma autêntica teologia da história do reino de Portugal, num diâmetro cultural miticamente retrotraído até à segunda idade do mundo. Em Tubal é constituída ontologicamente a nação com um território, um povo, uma organização política de tipo monárquico, um nome e uma missão histórica intrínseca. Reino que vai ser alvo, na sua evolução também ela mítica, de todas as tentativas de espoliação por diversos povos estrangeiros, mas cuja herança será salvaguardada, essencialmente, num resto de território e de povo, herdeiro biológico, cultural e político do progenitor bíblico.

Com Dom Afonso Henriques, Portugal restaura-se das fortes tentativas de aniquilação por parte dos reinos vizinhos e começa a recuperar o fulgor da primeira idade de ouro. Restauração que se efectua no cumprimento da missão que dá sentido à fundação transcendente do reino: a dilatação da fé cristã. A própria etapa da restauração de Portugal é também ela apresentada como sendo fruto de uma disposição divina providencial. O próprio restaurador, qual messias, foi também objecto de escolha divina, como afirma Fernando Oliveira falando de D. Afonso Henriques: “Foi restaurador deste reino, escolhido por Deus em sua vida”[21].

O carácter histórico-providencial, mediado por Tubal, da fundação do reino, manifesta-se no carácter messiânico-providencial da sua restauração em que se afirma a predilecção divina e a sua constituição para uma missão sagrada, através da figura de D. Afonso Henriques: “Criava o Dom Egas Moniz, mui extremado cavaleiro e temente a Deus, qual cumpria à criação de príncipe em que Deus punha o fundamento de um reino tão nobre, como o consistório divino ordenava fazer este de Portugal, assim no temporal como no espiritual”[22].

Aliás a sua entronização real e a sua acção político-militar será analogicamente colocada em paralelo com grandes figuras régias e heróicas da Sagrada Escritura, a saber, David, Salomão, Judas Macabeu e Josué. A hierofania de Ourique (Milagre de Ourique) apresenta-se como um símbolo mítico da confirmação do acto fundador da nacionalidade e da dispensação celeste em relação ao reino, representado na pessoa de D. Afonso Henriques[23]. Esta teofania marca o sinal distintivo, o timbre singular que o eleva de forma sui generis entre os outros reinos. Peculiaridade que é expressa nas armas de Portugal, inspirada na revelação de Ourique e da qual Oliveira tira hermeneuticamente trunfos ideológicos. Escreve o historiador que do acontecimento de Ourique o novo rei “tomou as insígnias deste reino que são das mais insignes que têm os reis cristãos”. E acrescenta explicativamente: “Insígnia quer dizer sinal de nobreza, em especial aquele que é sinal dalgum feito bom e notável”[24]. Seguidamente remata o capítulo VI do III livro dedicado à batalha de Ourique, fazendo a interpretação do significado dos elementos simbólicos escolhidos por D. Afonso I para representarem as armas de Portugal: “A pintura daquela vitória são cinco escudos de cinco reis mouros que ele ali venceu. E porque os venceu com ajuda de Jesus Cristo crucificado, que lhe a ele aparece, mandou pintar aqueles cinco escudos sobre uma cruz azul, a qual dizem que era a insígnia antiga deste reino. Mandou mais pintar em cada um daqueles escudos cinco pontos que fazem número de vinte e cinco, e com os cinco escudos fazem trinta. Estes números quis ele que significassem os cinco escudos cinco chagas principais de Jesus Cristo, e o número de trinta significasse os trinta dinheiros por que ele foi vendido”[25]. E, conclui o autor, sublinhando a dimensão teológico-sacral desta aparelhagem simbólica e vendo nesta a garantia indelével da perenidade do reino, sinalizada divinamente: “São estas armas fundadas sobre a cruz de Cristo e mistérios da nossa redenção e são as melhor fundadas e mais seguras e honradas que podem ser outras. Estas duram em Portugal até agora”[26].

Faz-se consistir, assim, a historicidade da confirmação de Portugal, enquanto reino restaurado, numa teofania, “na qual ─ como reflecte Paulo Borges ─ o compromisso de Portugal com a figura do Deus redentor e crucificado desde logo se manifesta no triunfo guerreiro sobre os inimigos comuns. É o símbolo nacional, construído à imagem dos preceitos divinos e objectivando a relação originária da nação com a Redenção do mundo, é o texto, memorial e prospectivo, pelo qual as suas gerações históricas se saberão privilegiadas cooperantes de uma empresa supra-humana”[27].

O maravilhoso de que foi revestida a vitória de Ourique ganhou foros de símbolo; símbolo que, hermeneuticamente instrumentalizado, se transforma em mito[28]. Nesta asserção, o reino assume, em certo sentido, um carácter teândrico, isto é, profano e ao mesmo tempo sagrado, obra de Deus, e concomitantemente obra humana, o que lhe confere uma garantia especial de continuidade ontologicamente indemne na história. Assim, o milagre de Ourique manifesta a indefectibilidade da predilecção divina e da dispensatio coelestis em relação a Portugal. Comenta Ana I. C. Buescu que “a defesa da tradição de Ourique, a um tempo sinónimo de patriotismo e de fé, traduz uma concepção particular da pátria e da história, em suma, de um passado que, potenciando o futuro, nele se projecta, o explica e o promete”[29].

Este locus simbólico confirmante da origem divina da nacionalidade, é legitimado teológico-juridicamente através do documento pontifício denominado Manifestis Probatum, o qual reconfirma sacralmente, pela mediação da autoridade eclesiástica, o reino de Portugal e o poder régio de D. Afonso Henriques. Em coerência ideológica com a sua construção mitificante da história de Portugal, Oliveira recusa liminarmente a tese clássica de que por este documento jurídico-eclesiástico foi realizada uma “nova erecção” de um novo reino e de uma realeza nova. Isto “porque ─ como reitera o autor ─ na primeira parte deste livro fica provado que Portugal tem título de reino muito antigo”[30].

O reino não se fundou, mas restaurou-se mediante as prerrogativas do direito de cruzada, readquirindo-se o que “já era seu dele e nunca foi deles”[31], enquanto herança antiga dos Portugueses. Daí que o documento papal seja visto como a confirmação jurídica, por meio da autoridade eclesiástica, dos territórios conquistados ou a conquistar aos “sarracenos”, bem como a declaração de ilegitimidade de qualquer tipo de anexação por parte dos reinos cristãos vizinhos. Esta bula é, assim, uma garantia jurídica de protecção sagrada, pois além de proibir a usurpação pelos reinos cristãos, oferece uma regalia espiritual, declarando objecto de maldição divina e castigo celeste quem infringir esta norma[32].

Seguindo uma lógica hermenêutica de tipo filosófico-política, apresenta juridicamente este documento como uma “constituição”, isto é, com poder para confirmar o carácter sagrado do reino e o poder divino do rei. Tendo por paralelo analógico o modelo da realeza bíblica ─ o paradigma teocrático que subjaz à nação israelita: o povo eleito do Antigo Testamento, da Antiga Aliança ─, vê neste documento uma instituição ritual visível da prévia escolha divina do rei e do reino. Decalca, no fundo, a doutrina do direito divino do poder dos reis, alegando uma reconhecida autoridade moderna sobre o assunto, o canonista Azpilcueta, o qual reafirma de forma vigorosa a mediação vicarial do pontífice enquanto confirmante qualificado.

Portanto, na linha da teoria tradicional eclesiástica acerca do poder, atribui-se uma supremacia ao poder espiritual enquanto instituinte do poder temporal; mais: enquanto conferente de uma onticidade do poder régio, na perspectiva de uma visão teocrática de fundo judeo-cristã e de inspiração medieval[33]. Seguindo uma teologia sacramental essencialista, em que as formas rituais exteriores instituintes ou conferentes dos dons divinos são classificadas como sendo do foro acidental, sublinha o conteúdo fundamental da teoria política assente no apotegma paulino “Non est potest nisi a Deo”[34] (não há poder que não venha de Deus). Este tinha sido desenvolvido filosoficamente por Santo Agostinho: “De facto, assim como [Deus] é o criador de todas as naturezas, assim é também o dispensador de todos os poderes”[35] ─ enunciado teológico que inspira a estruturação medieval e a codificação moderna do direito divino dos reis.

Esta bula de Alexandre III concedida ao reino de Portugal é uma aplicação prática da filosofia do poder consignada juridicamente na Idade Média e reinterpretada e recodificada, ao serviço do reforço do poder régio, na modernidade[36].

De facto, o papa não avoca o direito feudal, nem o seu poder temporal eclesiástico, mas tão-só a autoridade teológica suprema, legada em função do seu vicariato pontifício, que, de acordo com a teoria da mediação petrina, lhe autoriza conceder e confirmar reis e reinos[37]. A teoria sacro-política emergente da obra historiográfica oliveiriana, na sua hermenêutica orientada apologeticamente, no seu quadro programático, visa reforçar a sustentação da ideia mitificante do reino, sacralizando a sua concepção ôntica e a própria forma de exercício do poder que lhe é afecta. Tal é defendido à luz de uma visão providencialista da história do reino que o explica na sua essência e na sua plasmação no tempo e na evolução histórica. Daí que como expressão adveniente desta asserção ideológico-explicativa da ideia de Portugal, Oliveira recorde que “os reis deste reino protestam reinar, dizendo no seu título: Dom N. por graça de Deus, rei de Portugal, conforme ao que a sabedoria divina nos Provérbios diz: ‘Por mim, diz ela, reinam os reis e os príncipes por mim mandam e discernem a justiça os poderosos’”[38].

Portugal é, assim, fruto de uma dispensação divina especial. É um reino predilecto de Deus, à semelhança ─ analogia plena de significado ─ do povo eleito do Antigo Testamento, pois, criado para desempenhar um papel especial no plano da economia da salvação da humanidade. Neste sentido, o povo eleito de Israel apresentado na Bíblia é, implicitamente, entendido como a prefiguração, o arquétipo daquilo que é agora a nação portuguesa, qual povo eleito da Nova Aliança, do Cristianismo. Nesta óptica, não são de somenos importância as frequentes avocações dos exemplos tirados da história bíblica. Israel e os seus feitos são colocados em paralelo com as acções heróicas do reino de Portugal, em que a dimensão providencialista é um tópico estruturante e iluminador de ambas as histórias[39].

Assim sendo, Fernando Oliveira, inspirando-se no modelo da teologia da história bíblica e cristã de pendor agostiniana, constrói uma história mítica de Portugal. Aqui a dispensação predilecta da transcendência configura uma ideia sagrada, intocável e imarcescível deste reino, na medida em que é apresentado como uma fortaleza protegida à prova de maldição divina.

Nesta história, a elaboração do mito das origens, que filia o reino de Portugal e o povo português na genealogia patriarcal bíblica, é novamente potenciada pela maravilhosa revelação teofânica de Ourique à figura do rei-messias, D. Afonso Henriques. Este é apresentado como o restaurador deste reino antigo, reino que foi alvo de várias tentativas de espoliação pelos povos estrangeiros. Esta manifestação divina, no plano concreto, é confirmada não só na vitória de Ourique e consequente aclamação popular do rei, como também é formalizada jurídico-eclesiologicamente pelo papa através da bula constituinte. Nestes elementos estruturantes da história mítica de Portugal, é-lhes indissociável uma imagem de rei[40], elaborada no âmbito da construção de uma imagiologia do rei natural, restaurador-salvador e regenerador da nação decaída. Donde todo o esforço de coonestar a figura de D. Afonso Henriques e das outras figuras da realeza de Portugal, depurando moralmente as suas biografias e colocando-as acima de toda a suspeita, num claro processo hagiografizante de canonização da legitimidade transcendente do seu poder, da nobreza dos seus feitos e da santidade da sua vida[41]. Uma existência vista como predestinada e dedicada ao ideal pátrio, cujo objectivo inerente e justificante era eminentemente religioso ─ o proselitismo cristão.

Neste sentido mítico-sacralizante do rei e do reino, Ourique aparece como o epicentro desta história, isto é, como o milagre que faltava para atestar a dispensação celeste concedida providencialmente a este reino desde a sua fundação.

A identidade essencial da nação portuguesa e da constituição ontológica do reino perdura independentemente da continuidade ou ruptura das linhas dinásticas. Com efeito, as formas históricas de exercício do poder, como a monarquia hereditária ou eleita, não fazem parte da dimensão ôntica do reino. Não são essenciais, mas são do domínio do acidental. O que é essencial é a ordem inicial, de carácter sagrado da sua constituição configurada num território basilar, e encarnada num povo que transporta de geração em geração esse legado nacional, a vontade nacional, que é, em suma, um poder jurídico-político totalizante com capacidade para defender, ordenar e governar a nação com base num discernimento especial, consoante as circunstâncias históricas.

Junta-se ao povo e ao território configurado primigeniamente, a nomeação do reino que identifica esta onticidade desde as origens. A antiguidade do nome é testemunho da perenidade da existência da gente portuguesa e da sua autonomia e inviolabilidade da soberania da sua terra”[42].

O que define o reino é uma determinada concepção de soberania (liberdade) do território e da capacidade do povo autodeterminar-se e garantir um governo justo, discernindo e intervindo em conformidade com as circunstâncias históricas, independentemente das formas políticas: “Ainda que não haja rei na terra, se a gente é livre e governa-se por suas próprias leis, não se deixa de chamar reino, como se não deixou de chamar reino dos romanos a terra que eles governavam, posto que não tinham reis, porque reino diz que é governação livre e justa”[43].

Na perspectiva da defesa de uma ideia de Portugal para além das aporias e hiatos da sistematização lógica da história, o autor advoga que a perenidade da herança ontológica do reino de Portugal continuou incindível. Esta teria resistido a todas as tentativas de dominação e subsistindo sempre num resto essencial (matricial) de território e/ou num resto de Portugueses, que mesmo ocupados e sob a administração de outro reino, permanecem livres, como se depreende desta passagem de sabor jurídico: “E se alguns eram mortos, não era morta a nação e república portuguesa, a que principalmente o direito e senhorio delas pertencia”[44]. Em última análise, professa uma ideia de nação suprema com contornos míticos, sublinhando que enquanto existirem Portugueses e o território originário onde se formou o reino, existe Portugal. Pois, entende que todas as formas de dominação e usurpação do reino por parte das potências estrangeiras, sem a legitimação da vontade outorgatória do povo livre, são consideradas espécimes de tirania, portanto, um senhorio ilegítimo, como estatui o historiador: “Reino é governação espontânea e não constrangida por alguma via. E se por força, ou engano, ou suborno alguém senhoreia, o tal senhorio é tirania”[45].

O autor desenterra e edifica miticamente, de entre todos os escombros da história e vicissitudes e descontinuidades do tempo, um Portugal antigo, sediado na matriz bíblica da tábua das nações, donde brota a nova humanidade pós-diluviana, investido como reino por encomendação divina, e feito povo a partir de um radical da geração de Noé. Povo que é destinado a uma missão universalizante de carácter religioso e, neste sentido, predestinado para gozar de uma glória que o superioriza perante as outras nações da terra, tendo sido protegido para uma invulnerabilidade à prova de maldição divina.

Nesta linha de ideias, um dos dados históricos adquiridos, sedimentados na cronicologia tradicional espanhola ─ mas também portuguesa ─ que se torna imprescindível refutar  para sustentar esta nova visão histórica em que Portugal aparece como um reino antiquíssimo, é o de que D. Afonso Henriques foi o primeiro rei de Portugal e com ele se inaugurou o reino por desmembramento do reino de Leão. Contra esta tese clássica, o historiador vai contrapor, surpreendendo as contradições sistemáticas consignadas nas historiografias confutadas”[46].

Na óptica da filosofia da história patente nesta obra, o privilégio da fundação primigénia do reino, perfilha-o como reino eleito. A dignidade do fundador e progenitor do reino (Tubal) e a autoridade divina de que estava investido, com poder para inaugurar reinos e multiplicar povos, vai configurar a matriz essencial de Portugal, que funda em primeira instância. Este reino fica marcado matricialmente com o selo sagrado que lhe garante uma perenidade protegida contra todas as pretensões de dominação. 

Com base na teologia da história judeo-cristã que está implícita nesta visão da historiogénese e da evolução da história de Portugal, a intocabilidade do reino de Portugal também se explica pelo “princípio da potencialidade dinâmica e expressiva do acto primeiro”[47], neste caso, o acto da fundação do reino, realizado divinamente, através da figura da mediação do patriarca bíblico. Este princípio, geralmente aplicado numa perspectiva antropológica da criação divina, é aqui aplicado numa perspectiva etnonímica, com dimensão política. Explica J. Borges de Macedo, ainda que numa óptica antropocêntrica, acerca do princípio da potencialidade dinâmica: “Este é essencial para a compreensão do homem porque exprime a efectivação de uma viabilidade concreta e exprime um processo de repetição, uma vez que as forças que se desenham no homem e o definem nunca se alteram: acto primeiro manifesta uma viabilidade eterna”[48]. Mutatis Mutandis, verifica-se um decalque do princípio criacional e instituidor de uma dita realidade, neste caso, o reino de Portugal. Com o selo divino esta realidade teria sido viabilizada ad eternum, isto é, perenemente, sem que nenhuma potência humana possa expugnar, ou cindir o fio da continuidade para que foi determinada ab initio.

Nesta medida, avulta ao longo da obra, a pretensão polémica de provar uma das constantes ideológicas estruturantes que se agrega ao lado da antiguidade e da nobreza da sua fundação ─ a sua liberdade e imunidade essencial que torna o reino invulnerável na sua onticidade.         

Para cumprir esta mítica tarefa de provar o improvável, o historiador vai defender a existência de partes essenciais do território não dominadas pelos diferentes povos que invadiram e dominaram a Península Ibérica. Para tal, o historiador alega, por vezes, a existência de figuras político-jurídicas especiais que teriam garantido esta liberdade essencial do reino, como é o caso do direito da municipalidade no tempo dos Romanos. No tempo dos Godos, mobiliza um autor que se torna fundamental para a economia ideológica da sua tese ─ Santo Antonino de Florença. Baseando-se numa passagem da obra histórica deste autor (já citada por nós), prova “que os Godos não puderam subjugar o reino”[49], precisamente na medida em que eram os Portugueses ─ aí designados Galacienses ─ fiéis à defesa da ortodoxia da fé cristã, posta em causa, no resto da Península, pelos invasores bárbaros.

Por seu lado, a liberdade essencial de Portugal também não foi posta medularmente em causa com a suspensão ou extinção das instituições políticas visíveis. Fernando Oliveira entende que o povo tinha o poder de se governar por si ou de delegar tal governação num poder estrangeiro, como afirma ter-se verificado no “tempo dos Mouros”. Altura em que faz a apologia da delegação de poderes de governação e reconquista a Leão e Castela, sob a figura de confederação e do protectorado. E mesmo aqui o historiador só aceita que os espanhóis tivessem tido à sua conta aquelas partes que conquistaram do território português aos Mouros e não o resto. Entende ainda que esta governação vigorou sob uma condição de provisoriedade, como resultado do cumprimento de um dever de auxílio a Portugal por estar carente de estruturas políticas organizadas devido às vicissitudes da sua história.

Insiste-se, pois, no tópico da separabilidade do rei de Portugal em relação aos outros reinos da Península ─ condição garantida, aliás, ao nível teórico, na celebração da monarquia dual ─, como um sinal da singularidade e da soberania essencial deste reino, cujo garante e guardião último era a “vontade do povo”.

A construção filosófica de uma ideia de Portugal como um reino especial, no quadro da Cristandade ibérica, reino eleito e predilecto de Deus, detentor de uma nobreza superior e antiga, não se restringe a uma etérea abstracção de carácter especulativo, mas procura uma consistência com maior aparência de realidade. Aparência de realidade também ela construída sob uma argumentação acomodatícia de carácter histórico-jurídico. Nesta medida, o autor defende obstinadamente a liberdade essencial e sempre incólume de Portugal e nunca senhoreado por qualquer poder soberano superior. Assim reafirma a sua tese de que as terras de Portugal sempre foram “terras de reino livre, sem obrigação de vassalagem alguma, nem reconhecimento de superioridade”[50]. Isto porque os Portugueses, “povo livre”, eram detentores daquela liberdade ôntica original e detinham uma primazia selada divinamente, não podendo ser sujeita a qualquer outra entidade soberana[51].

A esta liberdade fundamental e intocável do reino, é-lhe concedido um carácter protegido contra a venalidade por parte dos responsáveis políticos do reino: “A terra de Portugal digo que é livre, e é do povo natural dela, e os reis não são senhores dela, nem a podem vender, nem trocar, nem obrigar sem vontade do povo”[52]. Noutro ângulo, mesmo que a sucessão dos reis tivesse sido quebrada, como de facto acontece, segundo o autor, na “primeira antiguidade”, a liberdade do reino não foi posta em causa, pois as formas exteriores e instituídas de governo do reino são do domínio do acidental, não afectando a sua suspensão ou desaparecimento, portanto, o carácter ôntico do reino.

Quanto àqueles hiatos históricos em que o autor não pode deixar de admitir que o território português foi expugnado e senhoreado por potências estrangeira e soberanas, Fernando Oliveira dirime a dificuldade, considerando que tal denominação tinha “figura de tirania”, imposta pela força contra a vontade do “povo livre”, logo foi ilegítima. E assim, nestas fases históricas, os Portugueses não perderam a legitimidade de pátria livre, nem da herança do reino, porque este género de “senhorio traz consigo força e não é reino”[53]. Pois, de acordo com a filosofia política de matriz aristotélica que o autor segue, a soberania externa está corroída de ilicitude, bem como as usurpações tirânicas e o exercício de dominação dos reinos alheios. Neste sentido, Portugal nunca teria perdido juridicamente o direito e a liberdade do reino durante o tempo da vigência de tal senhorio.

A liberdade e a imunidade são tópicos estruturantes da ideia oliveiriana de Portugal. Estes tópticos são, na sua obra, mitificados, recorrendo a elementos ideológicos de base teológica e filosófica, que depois são enformados e comentados juridicamente. Este esforço de argumentação é orientado no sentido de cumprir um ideário político no presente histórico, perspectivando o futuro, que, a exemplo do passado, deverá gozar da garantia desta liberdade intrínseca, proclamando, assim, que Portugal nunca poderia vir a ser efectivamente dominado.  

 

  Mito das origens e utopia do futuro glorioso
 

 

A história é para a sociedade como o que a memória é para o indivíduo: se este perde a memória, perde a consciência da sua identidade, o sentido do presente e a capacidade de idealização do futuro, porque não possui o suporte gnoseológico  (experiencial, intelectual, afectivo,...) que lhe permita encadear o tempo e a história e os seus mananciais de sabedoria, aspiralmente constituída, de modo a ler e a recriar a sua situação existencial. Assim, a história é para a sociedade esta mais-valia fundamental, cuja hermenêutica não é indiferente, mas antes mobilizadora da dinâmica do presente e é perspectivadora das expectativas expressas em relação ao futuro. Aliás, como reflecte Umberto Eco no quadro do seu livro recente Marcha-atrás como o caranguejo, os políticos costumam falhar tragicamente quando não consultam os homens de cultura e concretamente os cientistas sociais, como aconteceu recentemente com o presidente George Bush e a sua decisão de intervir militarmente no Iraque[54].

A funcionalização hermenêutica da história ao serviço de uma mobilização que se pretende que seja produtora de eficácia decisória no presente e perspectivadora do futuro está bem patente neste processo de mitificação. O passado apresenta-se como uma reserva moral, como uma lição, logo como lugar também privilegiado de tomada de posição em relação ao presente, no plano da interpretação e da explicação. Ora, se o passado encerra uma reserva pedagógico-moral, neste caso, no plano político, transporta consigo uma capacidade, um poder, que permite discernir ou entreabrir o futuro, a partir de uma lógica de lectio, de tipo causa/efeito.

À obra historiográfica em análise subjaz a noção de que a reunião das mesmas condições sócio-políticas em planos temporais diversos produzem na história nacional os mesmos efeitos, as mesmas consequências, a mesma reacção e o mesmo modo de resolução por parte dos Portugueses. Esta epopeia em prosa do passado nacional, tendo na sua base uma utensilagem mental cristã, insere-se naquele tipo de obras historiográficas que vão sustentar e alicerçar as grandes teleologias acerca do destino histórico de Portugal, as quais vão ser elaboradas no quadro da cultura portuguesa.

No âmbito do drama em que radica o nascimento desta obra histórica, a conjuntura em que se verificou a ascensão ao trono português de Filipe II de Castela e o consequente apagamento do brilho glorioso da história recente de Portugal no plano internacional, enquanto nação independente, Fernando Oliveira reconstrói a história do país de modo a produzir um esteio crítico e fornecer uma lição para o presente e para o futuro. Neste contexto, uma boa parte da reconstrução histórica das relações entre esse Portugal mítico e os reinos de Leão e Castela é edificada como prefiguração da situação presente. Por exemplo, D. Afonso VI, reinava sobre Portugal, não enquanto rei de Leão e Castela, mas como rei de Portugal. Aqui se pode observar uma imagem prefigurada, transposta virtualmente, do regime monárquico dual, liderado no presente por Filipe II[55].

Seguindo este fio hermenêutico da construção prefigurativa do passado, assente numa translucidez fornecida pelo conhecimento da história futura, podemos aventar que o historiador anuncia implicitamente uma “certeza”, que no presente histórico da obra assume a dimensão do valor mobilizador da esperança. É a certeza de que ─ se assentirmos nesta perspectiva mimética da história ─ a permanência de um rei espanhol no trono português, como era o caso presente de D. Filipe I, provocaria a vinda de um novo “restaurador”, à semelhança de D. Afonso Henriques que “foi restaurador deste reino”[56], escolhido por “consistório divino”[57]. Isto tendo em vista a reposição no trono de “Tubal” de um rei que seja natural, pois a falta de “amor à terra” dos reis estrangeiros conduziu Portugal à decadência, obrigando o “povo livre” a vindicar para o trono um rei nascido na terra, na fidelidade ao ideal nacional que este povo tinha a missão de preservar. Esta é com efeito a grande lição do passado. Mas isto acontecerá quando o reino atingir um estado de degradação intolerável, pois nesta obra está implícita a lógica (de fundo teológico judeo-cristão) de que Deus manda o redentor quando se atinge um grau extremo de degradação. João Medina, falando sobre esta lógica da degradação/redenção, coloca em contraste as expectativas dos movimentos messiânicos e a lógica teológica de fundo da concepção doutrinal judaica do ritmo da história: “O que é sobretudo verdade no tocante aos movimentos de activismo messiânico em que se pretende “apressar a vinda” do Messias, não obstante a advertência que, no salmo 45, 3, dava o Midrash Tehillim: “Israel disse a Deus: quando nos virás resgatar? E Deus respondeu: quando tiveres caído no mais baixo, então te virei resgatar!” Ou como se advertia no livro de Esdras (IV, 34): “Não sejas mais apressado que o teu Criador”...”[58]

Mas a esta experiência passada que se pretende erigir como palpável e indesmentível, na linha dogmatizante da apologia histórica de Fernando Oliveira, subjaz uma ideia filosófica de Portugal mais profunda, que brota de uma visão global da sua obra. Esta ideia consiste, em nosso entender, naquilo que podemos designar de utopia da perenidade histórica do reino de Portugal. Reino constituído em direito divino, cujo segredo da sua providencial perenidade é explicado em função do seu destino histórico ─ a dilatação da fé. Esta obra faz eco de formulações míticas anteriores e anuncia, assim, as utopias vindouras do destino histórico de Portugal, isto é, da “renovada destinação da comunidade portuguesa a um missionário domínio universal”[59], que, no dizer de Paulo Borges, foi para tal missão “directamente investida pela verdade divina e religiosa, central a toda a história do mundo”[60]. Esta destinação utópica vai encontrar a sua apoteótica e mais delirante elaboração no século seguinte, no mito do Quinto Império do Padre António Vieira[61].

Assim sendo, a obra historiográfica anuncia e prepara o lastro, em certa medida, das grandes utopias messiânicas da história de Portugal que se vão desenvolver no século seguinte, logo a seguir à Restauração da independência em 1640. Emblemáticas destas obras utópicas são os livros proféticos de António Vieira (particularmente, a História do Futuro e a Clavis Prophetarum)[62] e o Tratado da Quinta Monarquia de Frei Sebastião de Paiva[63]

Embora Oliveira não se mostre, na sua obra, exageradamente um messianista (nem declaradamente sebastianista), ele delineia um trajecto histórico de Portugal que permite alicerçar um certo messianismo nacional. Isto mesmo se pode verificar na sua insistência no tópico de que D. Afonso Henriques não foi o primeiro rei de Portugal, mas sim o restaurador de Portugal, aquele que o povo desejava para atalhar a perda que o reino sofria na sua união a Leão e Castela. Nesta dinâmica histórica de perda e restauração, o autor pretende oferecer uma lição histórica que abre para uma certa dimensão profética e aponta, de facto, para a messianeidade e para aquilo que virá a ser o sebastianismo e o mito do rei restaurador.

Assim sendo, a obra historiográfica de Oliveira encerra a enunciação subjacente, na sua leitura do passado, de duas utopias que se implicam mutuamente: a utopia da restauração de Portugal ─ que se desenvolverá mais tarde nas chamadas obras da “literatura autonomista” ─ e a utopia da expansão universal do reino de Portugal e dos Portugueses, para quem “conquistar todo o mundo lhe parece pouco”[64], a fim de dilatar o conhecimento mundial da fé cristã. Estas duas utopias (uma de cariz político e outra de feição religiosa) são subsidiárias de uma única utopia filosófica, relativa à ideografia de Portugal ─ a utopia da sua perenidade inexpugnável no tempo, perenidade que é sustentada divinamente. Esta utopia pauta-se pelo carácter incólume da liberdade e imunidade que é apanágio ontológico do reino. Esta herança matricial transmitida de geração em geração pelo povo português, o qual é, em última instância, o guardião e o continuador desta identidade originária e original de Portugal. Deste modo, esta obra historiográfica transporta uma utopia que brota de uma profissão de fé histórica nesta perenidade, cujo processo de construção utópica emana da convicção de incumprimento do destino de Portugal, em função do qual esta perenidade é garantida e encontra o seu sentido último.

A utopia da perenidade do reino, alicerça-se no mito de um Portugal visto como um reino eleito para uma missão especial, de carácter sagrado, no panorama planetário. Mito este que se desenvolve como consequência do deslumbramento nacional perante as navegações extraordinárias dos Descobrimentos, a partir das quais se assiste a um descerrar de uma nova mundividência verdadeiramente universal.        É a partir da poesia e da historiografia que são cantadas e “memorizadas” as gestas desta etapa da história de Portugal, vista como uma fulgurante idade de ouro, na qual se reforçam as bases míticas da portugalidade.

A interrupção ex abrupto deste decurso histórico esplendoroso ─ em que um dos tópicos ideológicos exaltacionistas do orgulho patriótico era o contributo decisivo dado no sentido da aceleração da universalização efectiva da dilatação da fé cristã ─ com a crise dinástica e a consequente perda da independência, derramou entre os Portugueses, encantados com este passado jubiloso, uma sensação de inacabamento da missão histórica que alegadamente se tinha começado a revelar como grandiosa, porque, efectivamente, globalizante. Salienta Coelho Maurício que “a missão evangélica dos Portugueses no mundo era um tópico político central de Quinhentos”[65]. E acrescenta que aí se desenvolveu imediatamente “a demonstração de que o reino fora criado por Cristo, em pessoa, e exclusivamente para seu serviço. Se esta maneira de conceber o presente abria o caminho à acomodação, nem por isso esta se tornava inteiramente aproblemática. É que do facto do reino de Portugal ter sido criado por Cristo e para Cristo podia ser inferido que ele não devia ser violentado pelos homens”[66]. É esta inferência que vai marcar a ideia da perenidade do reino em Oliveira. A constituição do reino em direito divino, tornou-o inexpugnável desde a sua origem, e é vista naquela constituição uma garantia de perenidade que se pretende demonstrar historicamente a toda a prova.

Ora, a obra historiográfica oliveiriana constitui a primeira tentativa de superar o drama deste “desmoronamento da independência do reino, consumado com a união à monarquia de Castela”. Assim sendo, esta utopia da perenidade histórica de Portugal concebida em vista da realização de uma missão transcendente que assenta na mitificação do passado de Portugal, apresenta-se como uma utopia fortemente crítica do processo e da união efectiva da coroa portuguesa à coroa Castelhana. Esta utopia avulta como o primeiro sinal conhecido de inconformismo e de resistência ao novo statu quo político, consignada na reescrita desta história de Portugal.

O Livro da Antiguidade e a História de Portugal encerram uma epopeia mitificante em prosa do passado de Portugal, escrita e explicada “pedagogicamente”.  Esta epopeia exprime o inconformismo contundente de um intelectual (que representa um grupo mais vasto de patriotas descontentes) perante as soluções impostas para resolver a crise política do presente. Este inconformismo desdobra-se concomitantemente em resistência e em esperança, que se configura na edificação do passado como lição para o presente e para o futuro: a proclamação do carácter imarcescível do reino de Portugal, imunizado divinamente contra tudo e contra todos.  Esperança que nos remete para uma utopia que estrutura ideologicamente o patriotismo do autor: a perpetuidade do reino de Portugal no tempo.

Mito e utopia, sentimento e discurso, desejo e sonho, são elementos que tecem a história do imaginário de um povo e permitem mapizar a sua trajectória no espaço e no tempo. São elementos de sobrecompensação, ou seja, os suplementos de alma que acrescentam a mais-valia decisiva do sentido. O sentido e a finalidade da existência de um povo como povo.

 

 

[1] Texto composto a partir da investigação feita para as nossas obras intituladas O Mito de Portugal: a primeira história de Portugal e a sua função política, prefácio de Francisco Contente Domingues, Lisboa: Fundação Maria Manuela e Vasco Albuquerque d’Orey e Roma Editora, 2000; e A influência de Joaquim de Flora em Portugal e na Europa: escritos de Natália Correia sobre a utopia da idade feminina do Espírito Santo (em co-autoria com José Augusto Mourão), prefácio de Luís Machado de Abreu. Lisboa: Roma Editora, 2004.  

* Membro da Direcção do Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa das Universidades de Lisboa e professor de Cultura Portuguesa da Escola Superior de Artes da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva.

[2] CALAFATE, Pedro (Org.). Portugal como problema. Lisboa: Público/FLAD, 2000, p. 314-315.

[3] Cf. BRUHNS, Hinnerk; BURGUÈRE, André (Orgs.). Historiographies et représentations nationales en Europe (Table Ronde Internationale, 19 de junho de 2000). Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales. Textos Policopiados, 2000.

[4] DUBOIS, Claude-Gilbert. Celtes et Gaulois au XVIe siècle. Le développement littéraire d’un mythe nationaliste, avec l’édition critique d’un traité inédit de Guillaume Postel de ce qui est premier pour reformer le monde. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1972, p. 18.

[5] FEBVRE, Lucien, Combates pela História. Lisboa: Presença, 1989, p. 258.

[6] LE GOFF, Jacques. História. In: Enciclopédia Einaudi, v. 1. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997, p. 165-166.

[7] CALAFATE, Pedro (Org.). Op. cit., passim.

[8] Cf. FRANCO, José Eduardo. O mito de Portugal. Op. cit.

[9] CASTRO, Américo, Sobre la Historiografia Española. In: Miscelânia de Estudos em Honra de Joaquim de Carvalho. n. 1, Figueira da Foz: Biblioteca-Museu Joaquim de Carvalho, 1959, p. 17.

[10] RICOEUR, Paul. Temps et récit. Tome  3. Le Temps Raconté, Paris, Seuil, 1985, p. 191.

[11] PERES, Damião. Como nasceu Portugal. 8. ed. Porto: Vertente, s.d., p. 74.

[12] LOURENÇO, Eduardo. O Labirinto da saudade: Psicanálise mítica do destino português. Lisboa: Dom Quixote, 1978, p. 148.

[13] Cf. ibidem, p. 149.

[14] LOURENÇO, Eduardo. A morte de Colombo: metamorfose e fim do Ocidente como mito. Lisboa: Gradiva, 2005, p. 35.

[15] RICOEUR, Paul. Temps... Op. cit., p. 189.

[16] Esta obra historiográfica partilha das preocupações e objectivos da corrente historiográfica e teológica geral da história vigente no tempo, como explica Krzysztof: “Nos séculos XVI e XVII, a história dos acontecimentos adquire um sentido graças a uma teologia da história, quando os acontecimentos que ela aborda afectam a história da Igreja, e graças a uma psicologia dos agentes históricos, quando se produzem no campo político”. Krzysztof, Pomian. L´ordre du temps. Paris: Gallimard, 1984, p. 27.   

[17] Cf. FRANCO, José Eduardo; FERNANDES, José Manuel Correia Fernandes. O mito do milénio. Lisboa: Paulinas, 1999, passim.

[18] LOURENÇO, Eduardo. 1978. Op. cit., p. 17.

[19] História de Portugal, fl. 1 v.

[20] MAURÍCIO, Carlos Coelho. Entre o silêncio e ouro: sondando o milagre de Ourique na cultura portuguesa. Ler História, v. 20, p. 24, 1990.

[21] História de Portugal, fl. 140.

[22] Ibidem, fl. 73.

[23] Cf. ibidem, fl. 87.

[24] Ibidem, fl. 93 v.

[25] Ibidem, fl. 94.

[26] Ibidem; e cf. Livro da Antiguidade, Nobreza, Liberdade e Imunidade do Reino de Portugal, fls. 174-174 v.

[27] BORGES, Paulo Alexandre E. A Plenificação da História em Padre António Vieira: Estudo sobre a ideia de Quinto Império na “Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício”. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1995, p 216.

[28] Cf. SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira. Nova História de Portugal, v. III, Lisboa: Presença, 1996, p. 27.

[29] BUESCU, Ana Isabel. O Milagre de Ourique e a História de Portugal de Alexandre Herculano. Lisboa: INIC, 1987, p. 174-175.

[30] História de Portugal, fl. 135 v.

[31] Ibidem. O autor ainda redargue tal acusação dos historiadores adversários, advogando que tais afirmações deviam ser objecto de vindicta.

[32] Ibidem.

[33] Cf. PACAUT, Marcel. La Théocratie. Paris : Desclée, 1989.

[34] Rm 13, 1.

[35] AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991, 1993, 1995, v. 9. Note-se que “a difusão e o triunfo do Cristianismo no declínio do mundo antigo abriram uma nova dimensão na prática e na teoria do Ocidente. Essa dimensão não pode ser reduzida apenas a um novo estilo de incorporação do facto religioso à instituição política como sua legitimação sacral, tal como acontece nas sociedades tradicionais e se realizava de modo exemplar na cidade antiga. O que então tem lugar é o fenómeno que Joseph Lecler denomina acertadamente ‘a revolução cristã da soberania’ [...]. Esse fenómeno provocou nas sociedades políticas ocidentais, uma proliferação entre religião e política que passou a caracterizá-las e à qual nem mesmo a laicização moderna do Estado alcançou dar solução satisfatória”. RAMOS, Francisco Manfredo Tomás. A ideia de estado na doutrina ético-política de Santo Agostinho. São Paulo: Loyola, 1984, p. 16.

[36] ALBUQUERQUE, Martim de. O Poder Político no Renascimento Português. Lisboa: ISCPU, 1968, p. 23.

[37] Cf. WILKS, Michael. The Problem of Sovereignty in the Later Middle Ages. The Papal Monarchy with Augustinus Triumphus and the Publicists. Cambridge University Press, 1964, p. 27 e ss.

[38] Livro da Antiguidade, fl. 174.

[39] Exemplo emblemático deste recurso é a exortação homilética ao exército português, discurso colocado na boca de D. Afonso Henriques antes da batalha de Ourique. Cf. História de Portugal, fls. 86-87.

[40] Cf. BUESCU, Ana Isabel. Um Mito das Origens da Nacionalidade: o Milagre de Ourique. In: BETTENCOURT, Francisco; CURTO, D. Ramada (Orgs.). A Memória da Nação. Lisboa: Sá da Costa, 1989, p. 69.

[41] Neste programa hagiografizante se compreende a preocupação de Fernando Oliveira apresentar D. Afonso Henriques como “devoto”, apagando todo o contencioso que o rei teve com a Igreja. Nesta óptica, se entende até o acrescento feito pelo historiador do adjectivo “devoto” no encómio papal ao rei de Portugal na Manifestis Probatum. Cf. História de Portugal, fl. 133.

[42] Ibidem, fl. 167.

[43] Ibidem, fl. 167.

[44] Ibidem, fl. 158.

[45] Ibidem, fl. 92 v.

[46] Livro da Antiguidade, fl. 166.

[47] MACEDO, Jorge Borges de. Diagnóstico da mentalidade camoniana: a filosofia da história. In: Estudos sobre Camões: Páginas do Diário de Notícias Dedicadas ao Poeta no 4º Centenário de sua Morte. Lisboa: INCM/Diário de Notícias, 1981, p. 20.

[48] Ibidem.

[49] Cf. História de Portugal, fl. 33.

[50] Ibidem, fl. 60.

[51] Cf. ibidem, fl. 60 v.

[52] Livro da Antiguidade, fl. 172 v.

[53] História de Portugal, fl. 62.

[54] Ver a entrevista feita por François Armanet a Umberto Eco para Le Nouvel Observateur e publicada em El Pais, 24-9-2006.

[55] Cf. TEYSSIER, Paul, L´História de Portugal» de Fernando Oliveira d´après le Manuscrit de la Bibliothèque Nacional de Paris, Separata das Actas do III Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, Lisboa, s.n., 1959, p. 378.

[56] História de Portugal, fl. 140.

[57] Ibidem, fl. 72 v.

[58] MEDINA, João. O Sebastianismo: Exame Crítico dum Mito Português. In: MEDINA, João (Dir.). História de Portugal, v. III. Amadora: Clube Internacional do Livro, 1991, p. 270-271.

[59] BORGES, Paulo Alexandre E. Op. cit., p. 216.

[60] Ibidem.

[61] Sobre o assunto, ver a excelente tese de doutoramento de MURARO, Valmir. Padre Antônio Vieira: retórica e utopia. Tese (Doutoramento em História) ─ Universidade de São Paulo, São Paulo. Florianópolis: Insular, 2003.

[62] Cf. FRANCO, José Eduardo. Teologia e Utopia em António Vieira. Lusitânia Sacra, 2ª série, 11, 1999, p. 153-245.

[63] Cf. PAIVA, Frei Sebastião. Tratado da Quinta Monarquia. Edição coordenada por José Eduardo Franco. Introdução de José Eduardo Franco e Bruno Cardoso Reis. Lisboa: IN-CM, 2006.

[64] História de Portugal, fl. 34 v.

[65] MAURÍCIO, Carlos Coelho. Op. cit., p. 12.

[66] Ibidem.

 

 

Jornal InComunidade (Porto)

   
 

 

 

JOSÉ EDUARDO FRANCO (MACHICO, MADEIRA, 1969)
Diretor do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Especialista em História da Cultura. Agregação em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Doutoramento pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris em “História e Civilização” e Doutorado em “Cultura” (através de equivalência) pela Universidade de Aveiro, Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Tem desenvolvido trabalhos originais de investigação nos domínios da mitologia portuguesa e das grandes polémicas históricas que marcaram a vida cultural, política e religiosa portuguesa e europeia. Especial novidade têm representado os seus estudos sobre os Jesuítas, de modo particular, sobre o fenómeno do antijesuitismo e sobre a hermenêutica dos mitos e das utopias portuguesas e europeias. Articulista assíduo da imprensa periódica, tendo já várias dezenas de artigos publicados nas áreas da História, da Mitocrítica, da Hermenêutica da Cultura, da Filosofia, da Ciência das Religiões, das Ciências da Educação e da História da Mulher. Entre a sua vasta obra publicada podem-se destacar os seguintes livros: O Mito de Portugal, Lisboa, Roma Editora, 2000 (Premiado por unanimidade com o 1.º Prémio “Livro 2004” da Sociedade Histórica da Independência de Portugal); Brotar Educação, Lisboa, Roma Editora, 1999; Monita Secreta (Instruções Secretas dos Jesuítas). História de um manual conspiracionista (em co-autoria com Christine Vogel) Lisboa, Roma Editora, 2002; O Mito do Milénio (em co-autoria com José Manuel Fernandes) Lisboa, Paulinas, 1999; Falésias da Utopia, Lisboa, Editora Arkê, 2000; Teologia e Utopia em António Vieira, Separata da Lusitania Sacra, Lisboa, 1999; Vieira na Literatura Anti-Jesuítica, (em co-autoria com Bruno Cardoso Reis), Lisboa, Roma Editora, 1997; História dos Dehonianos em Portugal, Porto, Edições Dehonianas, 2000; Fé, Ciência e Cultura. Brotéria – 100 anos, Coordenação em parceria com Hermínio Rico, Prefácio de Eduardo Lourenço, Lisboa, Gradiva, 2003; Coordenação da edição do manuscrito inédito do tratado do Quinto Império em Portugal. Com edição integral do Tratado da Quinta Monarquia de Sebastião de Paiva, Prefácio de Arnaldo do Espírito Santo, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006; O mito do Marquês de Pombal (em co-autoria com Annabela Rita), Lisboa, Prefácio, 2004; Metamorfoses de um povo: Religião e Política nos Regimentos da Inquisição Portuguesa – com edição integral dos Regimentos da Inquisição Portuguesa (em co-autoria com Paulo de Assunção), Lisboa, Prefácio, 2004; Dois exercícios de Ironia: “Contra os Jesuítas” de Sena Freitas e “Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Pio IX” de Antero de Quental, (em co-autoria com o Prof. Doutor Luís Machado de Abreu), Lisboa, Prefácio, 2005; Influência de Joaquim de Flora em Portugal e na Europa. Com edição dos escritos de Natália Correia sobre a “Utopia da Idade Feminina do Espírito Santo” (em co-autoria com José Augusto Mourão), Lisboa, Roma Editora, 2004; O Mito dos Jesuítas em Portugal e no Brasil, Séculos XVI-XX, 2 vols., Lisboa, Gradiva, 2006-2007; O Padre António Vieira e as Mulheres: Uma visão barroca do universo feminino (em co-autoria com Isabel Morán Cabanas), Porto, Campo das Letras, 2008 (publicação distinguida com o prémio “Monografia” do ano 2008, pela Sociedade Histórica da Independência em Portugal); Padre Manuel Antunes (1918-1985): Interfaces da Cultura Portuguesa e Europeia, coordenação em parceria com Hermínio Rico, Porto, Campo das Letras, 2007; Jesuítas e Inquisição: cumplicidades de confrontações, Rio de Janeiro, Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2007; Padre António Vieira (1608-1697): Imperador da Língua Portuguesa, Coordenação e co-autoria, Lisboa, Correio da Manhã, 2008; Jardins do Mundo: Discursos e Práticas, coordenação em parceria com Ana Cristina da Costa Gomes, Lisboa, Gradiva, 2008; Dança dos Demónios: Intolerância em Portugal, coordenação em parceria com António Marujo, Lisboa, Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2009; Madeira: mito da ilha-jardim – Cultura da regionalidade ou da nacionalidade imperfeita na Madeira, Lisboa, Gradiva, 2012 (no prelo). Coordenou a conclusão do projeto de investigação intitulado Documentos sobre a História da Expansão Portuguesa existentes no Arquivo Secreto do Vaticano, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e promovido pelo Centro de Estudos de Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da UCP: Arquivo Secreto do Vaticano: Expansão Portuguesa – Documentação, 3 vols., Lisboa, Esfera do Caos, 2011. Foi Coordenador Geral do projeto da edição crítica (em 14 vols.) da Obra Completa do Padre Manuel Antunes, sj. É diretor do projeto de edição crítica da Obra Completa do Marquês de Pombal. É co-diretor, em parceria com Pedro Calafate, da Obra Completa do Padre António Vieira. Foi diretor do projeto de edição intitulado Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal (Lisboa, Gradiva, 2010), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Em fase de arranque tem entre mãos dois projetos dicionariais: Dicionário dos Antis: A Cultura Portuguesa em Negativo; e Dicionário Histórico da Heresias.
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: joseeduardofranco@sapo.pt

 

 

© Maria Estela Guedes
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