REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2012 | Número 23-24

 
 

1. 

Au cœur même de l’eau coule un feu

Qui chante le temps

Au cœur même du temps chante un cœur

Plein de joie de tendresse et de férocité

Au cœur même du cœur on entend la vie

Qui salue la lumière

 

JOAQUIM SIMÕES

Em duas línguas

– poemas e canções

                                                                  
  Esse Brinco by triplov

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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«Esse brinco» - Poema de Joaquim Simões com música de Xico Zé Henriques e interpretação de Maria Morbey

 

 

2. 

Je ne crois pas aux vieux morts

 

Je suis d’un autre hiver

Où le soleil aime le froid

Je suis d’un autre temps

Quand la neige se couche à midi

 

Je suis d’un autre miroir

Qui reflet un autre corps

Où l’âme s’installe

Comme du plaisir

 

Je suis d’une autre pitié

Qui rend de la soif et de la faim aux opprimés

Pour les apporter de la joie et de la paix

Bénie soit leur satisfaction

 

Je suis d’un autre monde

Où la métaphysique est exclue

Parce qu’elle est vécue jour à jour

Par Dieu lui-même

 

Je ne crois pas aux vieux morts 

 

3. 

De l’arbre du rêve

tombent des fruits de lumière

Tout autour

les étoiles se font en poudre

et au poème les mots

se cachent dans la nuit.

 

Ecoute-moi :

J’ai faim. 

 

4. 

Je ne suis qu’un mot

Qui Dieu a écrit

Sur le sable du temps

Et que le vent

Effacera

Demain

 

Je ne suis qu’un coup

De Sa main

Et pourtant

Par ce mouvement même

Je parcoure l’éternité.

 

Et c’est pour tout

Ce qu’Il me fait comprendre

De ce que j’ai dit

Que je suis. 

 

5. 

La joie tourne autour de mon cœur

Toutes les planètes dansent comme des clowns

L’univers est devant moi

Est à moi

C’est moi

La musique se déroule comme une vague créatrice

Qui forme toutes les couleurs

Je suis nu d’espoir et de force

Tout est bien et définitive

Je vois! J’entends!

Je respire!

Qu’elle est belle la mort!

Qu’il est beau notre amour! 

 

6. 

La nuit se cache

Sous le manteau du soleil

Tu es là

Tout près de la lumière

 

Comment veux-tu que je te voie

Si tu m’aveugles? 

 

7. 

le silence

voilà la peau

de l’infini

 

on dit toujours

et on peut dire

rien

voici l’instant

 

tu ris 

 

8. 

Le soleil souffle le bleu

Que je respire la chaleur

Tendre de l’arbre dans mes mains

S’échappe vers les étoiles

Cachées peut-être dans mon cœur

Où il est tout ce que j’ignore

De ce que nous fait un seul

Comme si nous avait jamais été

Quelqu'un  d’autre.

                          

La substance, disait Aristote, est un clin d’œil 

 

9. 

Le soleil tourne

Dans mon crâne

Une rose s’écoule

Ma mère est un oiseau de soie

Magique

Qui tombe entre les doigts

D’un enfant

 

Mon ombre éclate 

 

10. 

Donne-moi des racines comme du miel

Je  m’achemine je m’achemine

Par le chemin de l’éternité

Mon sexe s’écrase d’envie et de plaisir

Je m’achemine je m’achemine

Il n’y a pas de toi il n’y a pas de moi

Tout est tout près

Tout est

 

Ecusette de Noireuil danse sur le dos d’une tortue chinoise

Sur les épaules des géants

 

11. 

Mon nom

Repose sur les ailes des papillons

Qui volent dans l’arc-en-ciel

Autour de mes nuits

 

Mon âme

Est un cri

Qu’on entend le matin

Sous la pluie

 

Et Dieu

Qui sait tout

Sourit 

 

12. 

Sur mes mains tombe

lourde l’ombre des années

Au dehors on écoute

les fleurs de la nuit comme

des épées flambantes

Tout est beau comme la neige

et le vent qui siffle sourdement

Les flamants s’accouchent

au nid de leur tendresse

Dieu s’approche

 

Où suis-je? 

 

13. 

Tes seins sont comme deux hirondelles qui sanglent

Blessés par ton égoïsme et ta solitude

Blessés par tes cauchemars

Blessés par ta douleur elle-même

 

Tu es pour toi même la douceur et l’enfer

Tu es le silence de la poésie

 

Tu es ma sagesse

Et ma mort

 

14. 

Un arbre chante le silence

Avec sa voix en or

Un oiseau vole

autour de l’infini

 

Dans mon cœur

le poème se dit

comme de la lumière

 

 

Le Secret (musicado por Xico Zé Henriques) 

Quand tu m'apportes aux lèvres la lumière

Qui s'accueille dans tes mains pendant la nuit

Mon âme se repose tout entière

À l'ombre des fruits de l'infini.

 

Je me souviens alors des vieilles histoires

D'un village qui s’est perdu au temps

Dont personne n'a connu la mémoire

Et qui la mort nous fait trouver soudain.

 

La lune se regarde dans mon sang,

À l'aube de la voix de la sagesse,

Quand un oiseau se lève sur le vent

Et la joie prend le nom de la tendresse.

 

Le secret de la vie est en moi-même

Tu me le fais songer comme de l'eau

En caressant ma peau ou un poème

Qui est de la musique à ses mots.  

 

 

 
 

Lugar de mim 

A ilha não sabe como há-de estar:

Se a enfeitar a terra prometida

Ou se foi posta ali à beira-mar

Para lembrar a urgência da partida.

 

Nem sabe que perfume há-de exalar:

Se a sangue derramado na refrega,

Se a pêssego maduro que, ao luar,

Abençoa o amor na sua entrega.

 

As ondas, envolvendo-a de brancura

Na imensidão azul que a sustenta,

A cada instante a moldam na figura

Que de si para si o tempo inventa.

 

E eu quase julgo ouvi-la, como alguém

Que diz “Tal como tu, sou só metade

Do caminho de um sonho, que também

Se encontra a meio caminho da verdade”.

 

Ao lado, entardece a povoação,

A polvilhar de brilhos o poente,

Chamando, do infinito, a embarcação,

Que se aconchega a ela, docemente.

 

No céu aponta a lua, em tons do sal

Que dá sabor à brisa. E ao chão

Acrescentam-se casas, em que mal

Cabe mais do que um simples coração.

 

Três gatos a brincar às sete vidas

Emaranham sorrisos pelo largo,

De um copo saem histórias esquecidas

Enquanto o Zé Inácio grelha um sargo.

 

A noite, que enfim chega, sorrateira,

Depois de certa hora, por magia,

Faz ver o som das vagas na lareira

Em que descansa a luz até ser dia.

 

E alguma coisa em mim, num despertar

Que chega do que é velho e do que é novo,

Que eu não sei o que é, vem aportar

Ao que, em mim, se chama Porto Covo. 

 

Pequena canção de Outono 

para o Xico Zé Henriques

Levei o meu coração

à varanda. Tão bonito

que é vê-lo andar à solta,

da varanda ao infinito…!

 

Embrenhar-se no poente

no alto do velho monte,

p’ra voltar com as gaivotas

que nascem do horizonte.

 

Misturar-se com a brisa,

numa folha e, de mansinho,

ir pousando em cada passo

de quem vai no seu caminho.

 

Ser companheiro da Lua

p’los telhados, a escutar

os sonhos que a minha rua

fica à noite a segredar.

 

E, por fim, quando alguém chama

lá de dentro, entrar comigo

como um gato que tivesse

encontrado um novo amigo.

 

P’ra, de novo no lugar

que é o seu, ser ele o dono

de mim e em mim soar

a Primavera no Outono.

 

O brinco (musicado por Xico Zé Henriques, cantado por Maria Morbey) 

 

“gostava de dar um beijo
onde o teu brinco os vai dando”
António Botto

Esse brinco com que tu

quiseste ficar mais bela

é assim como a janela

que te deixa a alma a nu.

E é tão lindo o que o…

olhá-la diz ao desejo

que é nela, juro!, que eu mais

gostava de dar um beijo.

 

Mas como, por judiaria,

Deus, à alma, não deu pele,

só me resta esperar que Ele

o venha a fazer um dia.

Até lá, já bastaria,

vendo-o na orelha, brilhando,

que eu pudesse dar-te um beijo

onde o teu brinco os vai dando. 

 

Poemas 

Poemas não passam de

notas à margem da vida

esconjuros de feiticeiro

troços de rota perdida

 

recordações que se levam

para o outro lado do sonho

rosas ventos lava lama

aguardente de medronho

 

Que poemas como barcos

à descoberta da vida

canta a minha boca quando

anda na tua perdida 

(1978)

 

A rede  

Na rede com que envolveste

o teu corpo estão as linhas

de histórias que entreteceste

e depois ainda quiseste

enlear nas que eram minhas.

 

Coisas de amigos e amantes,

sedução e fantasia,

de Eternidade em instantes

que, de plenos e bastantes,

dão sentido a cada dia.

 

Com elas vamos escrevendo,

pouco a pouco, outra história,

de uma só alma vivendo

nas nossas duas, crescendo,

feita de sonho e memória.

 

E quando enfim terminar

o tempo que Deus nos deu

para a podermos contar,

sei que ela se há-de enredar

naquela que Ele escreveu. 

 

A gota que o mar deixou  (musicado por Xico Zé Henriques) 

A gota que o mar deixou

esquecida sobre o teu peito,

ouvindo-te o coração,

estremeceu e deslizou

serena, com muito jeito.

 

No princípio hesitante

quanto ao caminho a escolher,

andou errante entre os seios,

ficou parada um instante,

depois voltou a descer.

 

E, assim como quem seduz,

passou vagarosamente

mesmo à beira do umbigo,

molhando o ventre de luz

eterna do sol poente.

 

Movido pelo deleite

que te brilhou no olhar,

fui apanhá-la na concha

da língua e com ela dei-te

o meu desejo a provar.

Lentamente

 

 

Paciente, a minha boca

vai deixando, lentamente,

as marcas, na tua virilha,

do desejo impaciente

 

que  despertaste em mim.

E, quanto mais lentamente

mais tu, para chegares ao fim,

te tornas impaciente.

 

Paciente de impaciente,

faço aos poucos, lentamente,

do meu fim aquele fim

 

que, ao sobrevir de repente,

jorra de ti, docemente,

como uma parte de mim. 

 

Absolvição 

As mãos tecem os fios do desejo

que as palavras transportam do olhar,

tornam-se as almas húmidas num beijo,

escorrem, ternas, dos sexos, devagar.

 

Devagar, graciosas, juntam-se, onda

que em si mesma se envolve, sem cessar,

e é gemido e grito e espasmo e sonda

o fundo da alegria e faz jorrar

 

a luz, o céu, a fonte, a flor, o fruto,

de si própria se muda em alimento.

Tudo é manjar, altar, frescura e lume.

 

Amanhece o mundo. E um sorriso

perpassa a inocência dos sentidos

libertos do pecado do ciúme. 

 

Do mais fundo (musicado por Xico Zé Henriques) 

Deixa-me sonhar

que a eternidade está desde sempre à nossa espera

e que antes do nascer e depois do morrer tudo já era

e será do existir.

E que isto do chegar e do partir é como o sono

que repousa depois do amor

e de novo para ele nos prepara

 

Deixa-me supor que iremos acordar

uma vez mais para o que somos

seremos e fomos

na verdade.

E que tudo o que é

é pura sombra e pura claridade

tão vivo alegre e quente como o teu corpo é

também para sempre

novidade.

 

Não sei

nem sequer se sou capaz de compreender

tudo o que sinto

e o que me ouviste dizer.

Mas sei que apenas isso poderá

fazer sentido

como alguém

em quem no seu mais fundo surge

a música que lhe fica

sussurrante no ouvido

sem que saiba de onde vem. 

 

Essa música que está em cada passo

com que conheço quero faço recuso ou abraço

que me repõe e me centra em mim

muito para além de princípio e fim

que é nós todos e ninguém.

 

 

 

 

JOAQUIM SIMÕES (PAÇO D'ARCOS / PORTUGAL, 1950).
Licenciou-se em Filosofia, na Universidade Católica Portuguesa. Frequentou o mestrado em Cultura Clássica da Universidade de Lisboa, sob orientação do Professor Victor Jabouille, tendo sido investigador da Linha de Acção 1 do Departamento de Línguas e Cultura Clássicas da mesma Universidade, abandonando, porém, ambas as actividades por motivo de doença. Foi professor do Ensino Secundário em diversas escolas da área de Lisboa e, para além da actividade docente, exerceu funções de orientador de estágio profissionalizante e de representante de uma delas em alguns encontros, nacionais e internacionais, sobre multiculturalidade. Em 1979, publicou um livro de poemas em edição de autor, com prefácio de Manuel Grangeio Crespo. Entre 1980 e 1983 participou no projecto de teatro para a infância e juventude do Teatro do Nosso Tempo, em Lisboa. Em 1982, em parceria com o músico Francisco (Xico Zé) Henriques, constrói um espectáculo, “Astrolábio”, composto por canções feitas a partir de poemas seus. Entre 1989 e 2010, colaborou permanentemente com Manuel Almeida e Sousa e a Mandrágora em diferentes realizações na área da performance teatral. Em 2010, colabora com Maria Morbey Henriques no espectáculo “Banjazz – Um bichinho esquisito”, levado à cena, em Fevereiro, no Centro Cultural de Belém.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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