REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 22

 

NS na Editorial Escrituras

    Publicado pela “Editorial Escrituras” de São Paulo e incluída na sua colecção “Ponte Velha”, está de saída o livro “As vozes ausentes” de Nicolau Saião, de quem anteriormente fora dada a lume a antologia de poesia e pintura “Olhares perdidos”.

  Desta feita, com capa de Renan Glaser, são 420 páginas de texto em prosa constituído por ensaios, entrevistas concedidas, entradas diarísticas, crónicas e cartas e alguma ficção.  

  O prefácio é de Maria Estela Guedes e o livro expressa o contacto directo nuns casos, indirecto noutros, com autores representativos do nosso tempo: como José Régio, Agostinho da Silva, Floriano Martins, Nuno Rebocho, Prof. Manuel Inácio Pestana, C.Ronald Schmidt, Jacques Bergier, Hélio Rola, Gérard Calandre, Lyle Carbajal, José Manuel Anes, H.P.Lovecraft, Mayte Bayon, Jorge Luis Borges, Saúl Dias, Mário Cesariny, etc.

NICOLAU SAIÃO

De As vozes ausentes

                                                                  
Três trechos do livro

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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Junho 14 

  Tenho vindo, pelos tempos, a receber de Floriano Martins e ao que creio em primeira ou quase primeira mão, vários envios com poemas seus ou feitos em colaboração/co-autoria com poetisas que ele frequenta como confrades ou correspondentes.

  E se é facto que um poema a quatro mãos é sempre compósito, também é verdade que nestes poemas a que aludo se sente o jeito, a suscitação, diria mesmo a excitação do autor de “Alma em Chamas” entre outros (nomeadamente um volume de entrevistas, entrevistas sim, com escritores sul-americanos) que não vou agora citar.

  Durante um certo tempo, claramente devido a um enfoque daqueles que todos os poetas atravessam pelo tempo, na sua caminhada sem norte e sem estrela/ através das tempestades (para citar Péret) FM deu a lume textos de clara vocação imagética, onde o simbolismo quase barroco (ou o surrealismo na linha de Arcimboldo) se verificava e se plasmava duma forma evidente, roçando o fantástico na intenção ou, diria melhor, no resultado.

   A seguir, concerteza por ter dominado esses daimóns, sem deixar ela de ser fortemente imaginativa, conciliou-se – digamo-lo desta forma – com um real, ou trans-real (evidentemente surreal, et pour cause) que apela para o quotidiano, mas um quotidiano renovado em que as coisas, os momentos, as lembranças, os seres e os acontecimentos passam a viver intensamente e, nesta medida, a fazer parte daquilo que considero o seu melhor e mais adequado timbre.

  Aventurando-se naqueles lugares onde outro autor menos seguro e precavido partiria o pescoço, tem a faculdade de mesclar o sonho com a realidade, ou diria mesmo (e as suas fotografias a ilustrar os poemas é para aí claramente que apontam) o retrato do sonho com o teatro da existência comparticipativa.

   Em suma, uma poesia - apesar de carregada de imagens e de conceitos - cheia de frescura, de invenção e no entanto de justeza.

   Uma última palavra, sabendo-se ou intuindo-se, como parece ser infelizmente hábito na república (ou monarquiazinha?) das letras, que como ele mesmo afirma em momento de desabafo amargo, as cousas andam escuras (“Sim, o mundo das letras é um mau tablado, uma gente frequentemente da pior espécie, e note que não há muita grana ou prestígio circulantes. Fosse assim se matavam entre si a sol aberto”): é muito agradável e gratificante, desde logo para os intervenientes, este hacer a quatro manos. Significa, a meu ver, que ainda é possível a aventura de viver…e de criar sem que os egos se choquem ou as notoriedades se encarquilhem…

                            de “Páginas do meu Diário”

 

 

 

POR QUEM OS SINOS DOBRAM

 Obra-prima de Ernest Hemingway, o famoso romance com este título provindo de um poema do autor cristão John Donne, afixa uma atitude de humaníssima interrogação perante as amarguras do mundo e, mais do que isso, ante os actos discricionários que, desde os mais pequenos caciques de província até aos ditadores de Nações, conspurcam a existência pacífica e civilizada das sociedades, criando uma espécie de vida paralela, antidemocrática e assente na mentira, no confusionismo, na difamação e na baixa calúnia.

 

    O que visam é criar um estado de coisas sensível à intimidação, para que através da cedência moral e ética não se tenham forças para efectuar o repúdio de manipulações ilegítimas, de negações da vida íntegra: o que ultimamente se tem passado com a criminosa clonagem de seres humanos é um exemplo do que pretende essa propaganda. Mas não é o único: em determinados locais, busca-se interditar a acção de pessoas de boa-fé, que desmascaram ou combatem gente eivada de cinismo e que chega a servir-se de instituições respeitáveis. O objectivo é bem claro: estabelecer o seu autoritarismo sobre os destroços que desejam criar.

    A este propósito, ocorre-me o que sucedeu em França, nos anos 30, com um homem de grande nobreza de carácter: diversos sujeitos, atacados nos seus privilégios indevidos e maliciosos pelo escritor François Janin, brilhante orador e amigo de escritores destacados tais como Gilbert Cesbron, Jules Jacob e Robert Weiglé - confidente de Saint-John Perse - desencandearam contra ele acções que configuravam um verdadeiro “assassinato de carácter”, visando impedi-lo de esclarecer a opinião pública sobre os jogos de influencias que os norteavam. Durante dois anos tudo tentaram, apoiados em gente sem moral, venal e maldosa.

   No entanto, ajudado pela força da razão e também pelos escritores seus amigos, que igualmente se destacariam no combate contra os nazis, François Janin desmascarou os energúmenos, que a seu tempo ali tiveram o seu simbólico Waterloo.

   E foi lembrando-se duma conversa que em dada altura com ele manteve, durante a qual ele lhe citara a frase de Donne, que Hemingway epigrafou o título famoso.

   De facto, por quem dobram os sinos? Não é apenas pelos que morrem, mas por todos os que a felonia, a venalidade e o falso testemunho tentam prejudicar na sua integridade. Quando, simbolicamente, a morte por algum tempo se sobrepõe à vida, a mentira à verdade – eis que se ouve um plangente som de sinos dobrando. Por isso é que as pessoas de bem devem recusar os tentames dos que, servindo-se das falsas analogias (caso da clonagem) ou das calúnias soezes, buscam violar as consciências das populações e das pessoas decentes, para melhor estabelecerem o seu reinado de horizontalidade moral.

   E se é verdade que, como diz a conhecida frase, “a maldade não prevalecerá contra a verdade dos justos”, é preciso que as pessoas de boa-fé ergam um muro de honradez que corte o passo aos que se servem de ardilosas camuflagens para se furtarem a que os reconheçamos como aqueles que sempre buscaram perpetuar o calvário humano.  

                                                                                                  ns

  SOB O OLHO DO PÁSSARO LUNAR
 

   Partiu para o espaço mais uma missão soviética da série Soyuz. Andará em redor da Terra mais de um ano. Olhará, pesquisara, dará notícia a seus criadores e oficiantes do que vai pelo universo que os seus instrumentos captarão. Durante mais de um ano a Terra verde, que nos dizem os sábios ser azul vista do espaço, estará sob o olhar dum poliedro luminoso feito de metal e vidro super-dotado. Uma janela aberta no caminho alquímico dos sóis e galáxias. Como um pássaro nos jardins de Basile Valentin ou Bernard Trevisan. Ou Masson, Gauguin, Cézanne.

    Entretanto, em Nazca ou Tiahuanaco, em Brinemoor e no Puis-de-Dome, nas colinas ressequidas de Lagash e no emaranhado de Pearl River, a luz terrena seguirá o seu curso. Assim como na Cornualha, na Toscânia, na Provença e no Alentejo.

    Deixemos agora falar Harlow Shapley: "Em síntese, a nossa imaginária visão por um pássaro do sistema da Via Láctea mostra que o seu principal corpo de estrelas toma a forma de um disco, circundado provavelmente por uma cerração estelar, de forma esferoidal, de população escassa e dominada por um núcleo globular maciço que contém cem biliões de estrelas e está a alguns mil anos-luz do Sol, numa dimensão acuradamente mensurável". E na Terra, na doce Terra cantada por Tennyson e Verhaeren entre muitos mais, os especialistas e os vocacionados verificam que as perdizes desaparecem, que as baleias se dissolvem, que os pirilampos já quase se extinguiram, que o trigo começa a ter problemas, que as abelhas vão sendo destruídas por uma nova praga.

   Entretanto, num país do ocidente aviões explodem no ar em festival aéreo e matam dezenas de pessoas. Noutro de leste, hoje orientado por um homem de visão, o seu principal jornal - oficial, claro - revela que os reformados e pensionistas recebem bolsas de miséria. Noutro distante país (o Terceiro Mundo é sempre distante) etnias maioritárias mas sem poder caiem, num acto de  genocídio,  aos milhares.

    Enquanto isto, numa trapeira de Londres, Paris ou Amsterdão, ou num jardim de Nancy, Portalegre ou Castelo Branco - algum sonhador, alguns sonhadores, tentam elaborar por dentro a resposta à existência e a viagem maravilhosa.

    De entre as estrelas, o olho do pássaro lunar passa sobre a Terra a sua mirada. 


    Perscrutadora, como uma rosa sombria palpitando entre planetas perdidos.
 
 
 
                                                                             de “As crónicas eventuais”
 

 

 

 

NICOLAU SAIÃO [FRANCISCO GARÇÃO]
 [
Monforte do Alentejo,1949, Portugal]
Poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico. Efectuou palestras e participou em mostras de Mail Art e exposições em diversos países. Livros: “Os objectos inquietantes”, “Flauta de Pan”, “Os olhares perdidos”, “Passagem de nível”, “O armário de Midas”, “Escrita e o seu contrário” (a publicar). Tem colaboração dispersa por jornais e revistas nacionais e estrangeiros (Brasil, França, E.U.A. Argentina, Cabo Verde...).
CONTACTO: nicolau49@yahoo.com

 

 

© Maria Estela Guedes
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