REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 18

   

 

Há seis homens  

um para cada sol  

e um sétimo homem  

que é o sol  

em cru  

vestido de negro e carne viva.  

Mas este sétimo homem  

é um cavalo,  

um cavalo com um homem nu a conduzi-lo.  

Mas é o cavalo  

é que é o sol  

e não o homem.  

 

Antonin Artaud - in: TUTUGURI - o Rito de Sol Negro

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
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M. Almeida e Sousa

DA LUZ

                                                                  
 

um frio que, associado à luz da manhã, se converte em símbolo de um límpido e inaugural olhar sobre o mundo

 

I

o percurso que conduz ao movimento, que leva o actor a compreender a linguagem em jogo, produz-se pela via dos sentidos ao submeter-se espontânea e cuidadosamente a estímulos diversos que lhe permitam observar as reacções naturais do corpo - enquanto organismo - através de um trabalho com ritmo, com materiais, com o som ou, com a cor.

e

para que possa entender a dinâmica de um som ou uma cor determinada, é elemento fundamental

a luz.

aquela luz que adquire formas num diálogo com o espaço, com o movimento - a luz que sublinha a imagem que se quer transmitir ao espectador.

a luz e a penumbra jogam.

permitem apontamentos que recriam o abismo, o precipício (onde o movimento se perde nos limites do espaço) - apontamentos que confundem e surpreendem o espectador.

e

é o olhar do “artista” - enquanto operador do processo - que lhe dá dimensão.

as regras podem ser subvertidas (alteradas) pela luz. a exploração dos efeitos podem permitir verdadeiras esculturas luminosas, misturas de tons…

 

de uma forma geral utiliza-se a luz para iluminar objectos, actores…

poucas são as vezes em que se considera a luz em si.

daí que não experimentemos, tomemos partido do seu real poder. aquele poder que nos permite o entendimento da dinâmica de uma cor determinada ou dos materiais utilizados na acção…

a luz que nos ajuda a sentir

o tempo

a chuva

o vento…

não a luz enquanto mera experiência cientifica ou espiritual - falamos da luz como contributo cultural (porque estético) que permite a viagem por entre acções que implicam o drama em espaço físico dinâmico e liberto.

um espaço que “exige seja ocupado e que permita uma linguagem própria e concreta” como diria antonin artaud.

portanto, a luz é contributo incontestável para a concepção de um espaço de diálogo, aberto aos sentidos. um espaço independente e livre de qualquer imposição. aberto a toda e qualquer linguagem. aberto à espontaneidade e á criatividade que irrompe do corpo (todo) do actor - enquanto sacerdote do ritual. do drama.

 

II

deve-se, pois, olhar a luz como algo que - como na aproximação dos faróis de um carro que nos pode atropelar

nos faz ficar imóveis e deslumbrados.

então

devolvemos ao espectador o que ele transporta consigo

devolvemos ao espectador uma obra que provoca um despertar

 

III

muitas experiências religiosas explicam-se utilizando um vocabulário de vazios de luz - mas a arte pode e deve conduzir o homem ao espiritual - não necessariamente religioso.

e

o espiritual tem sido historicamente o objectivo e o território da arte.

as religiões usam e abusam da arte para se aproximarem do terreno

e

a arte deve fazer crescer o espectador ou pelo menos recordar coisas para além do visual e do terreno.

e,

ao mesmo tempo,

o operador do processo sabe que os sentidos podem evocar a espiritualidade mas não nos transportam necessariamente para aí.

 

IV

com a luz as regras mudam - misturar os tons luminosos... não é um projecto espiritual ou cientifico é educação, é cultura.

a luz é embrionária - nos passados séculos não havia instrumentos musicais sufisticados e foram possíveis grandes sinfonias. ter à disposição instrumentos, não implica boa música… - obtemos melhor luz quando dispomos de um bom olhar

e

material aceitável.

m. almeida e sousa

 

  M. Almeida e Sousa, «Três homens»
 

 

MANUEL ALMEIDA E SOUSA (PORTUGAL)
Enquanto "actor" na acção plástica expôs em várias galerias do país e criou a sua própria galeria no BAIRRO ALTO (anos 70) - Galeria Elefante Circular na travessa da Cara (Lisboa). Nos últimos anos tem-se limitado a actividades na área da arte postal, performance e artes gráficas - mais concretamente na criação de publicações como "Bicicleta" e grafismos de alguns números da revista "Utopia". Está representado em várias publicações de poesia visual (Espanha, Portugal, Polónia, Republica Checa, Itália, França e Brasil). Ainda nesta área tem colaborado na criação de espaços teatrais e, mais recentemente, desenvolve projectos com marionetas por si criadas.
CONTACTO: utopikuscirkus@aim.com

 

 

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