REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 18

 





Poucos pensadores refletiram sobre o ensaio como gênero. O alemão Theodor W. Adorno (1903-1969) foi um deles e o fez com rara percuciência. Como se pode comprovar em "O ensaio como forma", texto de abertura do livro Notas de Literatura I, que acaba de ser publicado pela Editora 34, em conjunto com a Livraria Editora Duas Cidades, de São Paulo, reunindo outros sete ensaios escritos por Adorno logo depois de seu retorno na década de 1950 à Alemanha após o exílio, além de um fragmento do início da década de 1940.

Para se compreender melhor o contexto em que Adorno escreveu estes textos de intervenção, é preciso que se diga que, à época, a crítica literária alemã vivia um tempo de crise, a ponto de ter difamado o ensaio como um produto bastardo. O pensador faz nesse texto uma defesa intransigente e lúcida da forma ensaística, mostrando que o gênero constitui a maneira mais adequada de se traduzir os movimentos do pensamento dialético, que decifra o objeto sem prendê-lo à teia rígida dos conceitos.

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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ADELTO GONÇALVES

Adorno e a arte do ensaio

 

NOTAS DE LITERATURA I, de Theodor Adorno, tradução e apresentação de Jorge de Almeida. São Paulo, Editora 34 e Livraria Editora Duas Cidades, 176 págs., 2003, R$ 27,00. e-mail: imprensa@editora34.com.br                                      

 

Segundo o pensador, a crítica literária alemã havia perdido seus vínculos com a tradição da crítica dialética que, nas obras de Georg Luckács e de Walter Benjamin, pensara de maneira instigante e sem reducionismos a relação entre a arte e a sociedade, como observa na apresentação o tradutor Jorge de Almeida, professor do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo.

Dos ensaios reunidos por Adorno em 1958, dois textos já haviam sido divulgados em tradução brasileira na década de 1970 - "Posição do narrador no romance contemporâneo", por Modesto Carone, e "Lírica e sociedade", por Rubens Rodrigues Torres Filho -, mas foram retraduzidos "em busca de uma dicção própria e da unidade do conjunto da obra", o que significa adequá-los à "fluência quase musical" do texto de Adorno, segundo Almeida.

Além desses textos célebres, o leitor encontrará neste primeiro volume ensaios menos conhecidos sobre Homero, Heine, Eichendorff, Valéry, o Surrealismo e as relações entre a fala, a escrita e os sinais de pontuação. Mais três volumes estão previstos e vão reunir textos publicados em 1961 e 1965, além de ensaios que saíram postumamente em 1974.

No ensaio "Posição do narrador no romance contemporâneo", Adorno discute os limites do romancista e sua obra, observando que o romance deveria se concentrar naquilo que não é possível dar conta por meio do relato. Só que, em contraste com a pintura, diz, a emancipação do romance em relação ao objeto foi limitada pela linguagem, já que esta ainda o constrange à ficção do relato. Por isso, ressalta a grandeza de James Joyce que foi coerente ao vincular a rebelião do romance contra o realismo a uma revolta contra a linguagem discursiva.

Leitura fundamental para a compreensão da sociedade e da literatura do século XX, estes ensaios de Adorno merecem ser lidos por todos aqueles que se dedicam ao exercício solitário da crítica literária. São ferramentes indispensáveis ao ofício porque ensinam o crítico a compreender a obra de arte, dela libertar-se para criar a sua própria obra.

Afinal, embora parta de um texto já criado, o ensaio, se feito com brilho, pode se tornar também uma obra de arte, como se tem visto desde Sainte-Beuve a Edmund Wilson, passando pelo próprio Adorno, por Erich Auerbach, T.S. Eliot, Mikhail Bakhtin, Northrop Frye e tantos outros.

 

 

Adelto Gonçalves, doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo, é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

 

 

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