REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 14

 

 

 

“[…]
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical -
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, 
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas 
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes, 
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma
.
[…]”

Álvaro de Campos, Ode Triunfal

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
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RISOLETA PINTO PEDRO

 

A sabedoria das rodas

 

                                                                  
 

Já lhe têm chamado histérico. Ele próprio não repudiaria totalmente a classificação. E génio, e louco, e visionário.

Eu prefiro esta última designação.

Vejo neste poeta, neste poema, a maravilhosa sintonia entre uma nova concepção de arte, não a aristotélica, mas baseada na força ou na energia, e a essência do que os místicos vêm dizendo desde que a humanidade se reconhece,  mais o mais recente discurso científico.

Álvaro de Campos, que parece tão arrogante no seu triunfalismo, tão cheio de certezas nas suas exclamações, tão invulnerável no seu entusiasmo, é, afinal, o mais humilde dos humildes. Muito, muito mais que Caeiro, o mestre da simplicidade.

É Campos que se curva perante a máquina, é ele que venera a perfeição do motor e se confunde por não saber onde acaba ele e os seus nervos, e onde começa a correia de transmissão ou o êmbolo.

É ele que não reconhece a própria pele como uma fronteira, mas que a atravessa e a prolonga e a estende como uma estrada em direcção ao exterior, neste caminho confundindo fora e dentro, eu e tu, humano e máquina. Quando chega ao exterior já não tem a certeza que não esteja dentro. De si, da máquina?

Não há separação, em Campos. Que outra coisa poderia dizer um místico? Este místico da totalidade leva o seu amor erótico e incondicional até à matéria mais escravizada, mais manipulada da civilização industrial. Sabendo que tudo é a mesma coisa, que quando se deu o bigbang, o que daí nasceu foi exactamente o mesmo que hoje ainda aqui se encontra. Nem mais, nem menos. Quando se deu a divina explosão  já lá estávamos todos, nós, os minerais e os vegetais, os animais e tudo o que existe, porque nada de novo foi criado desde então. Apenas foi acontecendo a transformação das formas, a sua extensão, ou expansão. Mas a essência é a mesma. Em tudo o que existe.

Átomos que compuseram o corpo e a mente e a alma de Platão, por onde andais? Num monte, num outro cérebro ou numa máquina? É esta a grande exclamação de Pessoa-Campos.

Assim sendo, como poderemos dizer que Ésquilo ou Platão são do passado se eles aqui permanecem e aqui permanecerão?

Somos tão antigos, somos tão modernos, somos tão eternos… todos, do malmequer à máquina. É esta a nova democracia. O reconhecimento da inalienável eternidade de tudo o que existe. Através do imparável e alucinante espectáculo da transformação das formas.

É esta a nova democracia, a que tudo inclui, a que nada despreza, a que não hierarquiza, a que une ou recorda que nunca nada esteve separado. Que essa separação é, apenas, a maior das alucinações.

Isto é perigoso para os poderes, para os inúmeros e diversos poderes, dos maiores aos mais pequeninos. Por isso, porque não sou Campos, nem mística, nem cientista, apenas segredo esta verdade às rosas, às pedras, aos gatos e às máquinas, digo, a Ésquilo e Platão, que já viram tanto que já com nada se espantam. Mas sabem. Como as rosas. E as rodas.

Risoleta C. Pinto Pedro

http://aluzdascasas.blogspot.com/

 

 

Risoleta C Pinto Pedro (Elvas, Portugal)
Publicou até hoje: A Criança Suspensa, Prémio Ferreira de Castro, O Corpo e a Tela, Hugin, O Aniversário, Prémio Revelação APE/IPBL 1994, Difel, O Arquitecto, Hugin, Venite In Silentio, Unicepe, Porto, 2004, O Sol do Tarot de Sintra, Indícios de Oiro, 2009, Adelaide Cabete e a Palavra encontrada, Padrões Culturais, 2010, entre outros. Foi também premiada na poesia pela SLP, tem escrito teatro, canções,  libretos de ópera, cantata, musical, texto para bandas desenhadas. Fez crónica (“Quarta-Crescente”) para a Antena 2. Continua a publicar crónicas em periódicos generalistas,
literários e de artes plásticas.
http://aluzdascasas.blogspot.com
risoletacpintopedro@gmail.com

 

 

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