REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 11

 

 

 

Resumo:

Este texto pretende trazer novas interrogações sobre questões que afectam a sociedade contemporânea. O público a que é dirigido é o dos jovens profissionais. O objectivo é o de suscitar novas leituras que permitam abrir perspectivas inovadoras que levem à acção e à intervenção. O conceito de eficácia pode ser o meio com que se inicie um processo de reflexão sobre o mundo de relações, quer a nível pessoal, quer a nível organizacional. A capacidade de auto-realização, de auto-conhecimento e de auto-crítica, são elementos de diálogo interior mas são também essenciais ao processo de acção e de interacção com os outros. O mundo das relações é o palco em que a vida atinge o seu pleno significado e em que é possível concretizar o potencial que cada um de nós como ser individual transporta. A leitura, o diálogo e a reflexão partilhada são essenciais neste processo de crescimento e de desenvolvimento que é intenso e estruturante nos jovens mas que não se esgota nunca.

DIRECÇÃO

 
Maria Estela Guedes  
   
REVISTA TRIPLOV  
Série anterior  
Nova Série | Página Principal  
Índice de Autores  
   
SÍTIOS ALIADOS  
TriploII - Blog do TriploV  
Arditura  
Jornal de Poesia  
Agulha Hispânica  
TriploV  
O Contrário do Tempo  
Domador de Sonhos    
   

ÂNGELA NOBRE

Porquê a Eficácia?

 

Reflexões sobre a vida como movimento,

acção e relação

IX Colóquio Internacional «Discursos e Práticas Alquímicas»
Centro Cultural Gonçalves Sapinho . Benedita, 29-30 de Maio de 2010

 
 
 
 
 
 
   
 

 

Introdução

 

A eficácia, nas ciências de gestão, está ligada à capacidade de atingir os objectivos, objectivos estes qu’estão predefinidos. Em teologia, a exegese bíblica também usa o mesmo termo, eficácia, para indicar o grau de significação e de intensidade da mensagem, como em “eficácia sacramental”, por exemplo. A exegese usa ainda termos como economia, como em “economia da salvação”, entendida como a própria racionalidade, inteligibilidade da salvação.

A questão a explorar é se será possível usar o termo eficácia para avaliar a capacidade de atingir resultados que não são previamente definidos, isto é, que não são mensuráveis nem calendarizáveis, como é exigido pela gestão.  

A reflexão sobre a Vida, em sentido lato, como movimento, acção e relação dá-nos pistas reveladoras. O factor crítico da mudança constante, do dinamismo que é fonte de transformação, implica que a predefinição de objectivos específicos a alcançar no futuro pode ser contraproducente pois pode inibir ou até anular a força criativa impulsionadora de toda a novidade.  

A abertura ao novo está presente de uma forma fundamental nas mais diversas áreas da realidade humana, incluindo as ciências de gestão e as ciências teológicas. Quer foquemos a realidade individual, do sujeito singular, quer a dimensão grupal ou societal, esta reflexão sobre a eficácia que permite, simultaneamente, a abertura ao novo é crucial. A criação de sentido surge desta predisposição para avançar, concretizar e agir e, em simultâneo, acolher, absorver e permanecer. Esta tensão criadora é fonte de vida, de significado e de inteligibilidade.  

Este texto, como foi referido em cima, dirige-se a jovens profissionais, dinâmicos e empreeendedores. Jovens que procuram entender o que o mundo tem para lhes oferecer, que procuram saber que oportunidades existem e que desafios se lhes colocam.  

Esta atitute de busca é interceptada por outras interferências. Recebem mensagens contraditórias. Apercebem-se da ambiguidade, da pervesidade e das incoerências das sociedades contemporâneas.

Vivem interrogações, perplexidades e inquietações. 

As ciências sociais e humanas, em geral, e a filosofia, em particular, procuram dar resposta a estas questões que afectam quer a sociedade, como um todo, quer o mundo interior de cada um. 

Neste contexto, é importante ter em atenção alguns elementos de reflexão que permitam abrir caminhos a novas interpretações e significados. 

  Porquê a eficácia? 
 

As ciências de gestão estão hoje profundamente difundidas uma vez que é através de organizações que as sociedades contemporâneas se estruturam. Contudo, muitos dos conceitos que a gestão trata têm profundas implicações a níveis muito mais vastos do que o seio organizacional. Assim, é fundamental aprofundar a reflexão sobre certos temas no sentido de explorar novas orientações a nível pessoal, assim como novas utopias a nível societal. 

Em gestão, o conceito de eficácia revela-nos o grau em que são atingidos os objectivos predefinidos, i.e. sou eficaz quando atinjo os objectivos que defini previamente. 

A eficácia distingue-se da eficiência que é a capacidade de atingir os resultados previstos gerando o mínimo de desperdícios, i.e. de concretizar o máximo dos resultados utilizando o mínimo dos recursos. 

Sou eficiente quando consigo o mesmo resultado utilizando menos recursos ou quando consigo mais resultados com os mesmos recursos. 

O conceito de eficiência está muito próximo do conceito de produtividade, que consiste no rácio entre o resultado, o output, e os recursos utilizados, o input.

Quanto à competitividade, sou competitivo face à concorrência quando acrescento valor para o cliente em relação ao que é oferecido pela concorrência. Daí a importância da segmentação e da diferenciação, i.e. vou escolher os segmentos de mercado que serão o meu mercado-alvo e vou trabalhar ao nível de oferecer um produto ou serviço único. Daí os termos “factores críticos de sucesso”, “criação de vantagens competitivas sustentáveis”, que se prolongam no tempo, e, do lado do cliente, dar resposta aos “factores chave de compra”. 

Estes conceitos já estavam presentes no início do desenvolvimento das ciências de gestão, há cem anos. Contudo, têm hoje novas interpretações face ao novo contexto da sociedade da informação e da aprendizagem. 

  Economia convencional versus economia do conhecimento
 

Um novo contexto leva a novas abordagens de gestão. São exemplos desta evolução os fenómenos da Web 2.0 e da inovação aberta. Novas teorias emergem ligadas à gestão da inovação e à gestão estratégica. 

Existe um enfoque no intangível, no conhecimento. São exemplos disso as novas teorias de gestão como são exemplo a gestão do conhecimento, a aprendizagem organizacional e as comunidades de prática. Mas o que é conhecimento, informação ou comunicação? É fundamental desmontar as ideias preconcebidas e abrir novas pistas de reflexão. 

As recentes descobertas dos paleontólogos identificaram como simultâneo o desenvolvimento do uso do polegar, com a utilização de instrumentos, e do crescimento do volume do cérebro. A par desta evolução temos ainda o desenvolvimento da linguagem, em comunidade, através da participação em práticas sociais.

Esta descoberta ao nível das sociedades primitivas permite-nos reflectir sobre a relação entre algo interior, como a actividade cerebral, e a actividade exterior, como o uso da tecnologia. A linguagem é um elemento primordial pois está presente em ambos os níveis, ao nível interior, do pensamento, e ao nível exterior, da comunicação com os outros. 

Esta ligação entre os mundos interiores e exteriores foi desenvolvida, entre outras, pela grande área que pode ser apelidada como filosofia da vida. 

Podemos pensar a vida como movimento, acção e relação. Assim, interpretamos a vida como manifestação, como processo de tornar concreto algo difuso que está permanentemente “em processo”, i.e. em movimento, em acção e em relação. 

A filosofia tem uma outra face da moeda que é a semiótica, como área do saber que estuda o sentido, i.e. o processo de criação de sentido e de significação.

  Da semiótica à filosofia contemporânea
 

A semiótica, tal como a filosofia, estiveram sempre presentes ao longo da evolução da civilização ocidental, da Antiguidade aos nossos dias. A filosofia de forma mais estruturada e visível e a semiótica de forma mais dispersa e implícita. 

Inúmeras escolas e correntes de pensamento ilustram a flexibilidade e a diversidade da semiótica, incluindo áreas desde a literatura à biologia.  

Sebeok, um dos fundadores da área da biosemiótica, diz-nos que todos os organismos vivos nascem equipados com a capacidade para produzir e interpretar os sinais necessários à sua sobrevivência. No caso dos seres humanos, esta capacidade está relacionada com a interacção social e a aprendizagem. Até um organismo unicelular interage com o meio ambiente e quando colocado num soluto, vai deslocar-se de modo a situar-se no local onde o soluto é mais rico. 

Estes exemplos da biosemiótica e o dos paleontólogos, referido acima, fazem a ponte, em termos de darem continuidade, àquilo que acontece ao nível de qualquer organismo vivo e ao funcionamento da espécie humana e da sua capacidade de acção e de relação. 

O desenvolvimento das ciências, da Antiguidade até à era moderna, caracterizou-se por uma grande integração dos saberes, tendo a filosofia como mãe de todas as ciências, visão que já vinha de Aristóteles. Esta integração, esta visão da unicidade do saber e da capacidade de relação e de identificação das continuidades entre as diferentes áreas, perdeu-se com a evolução das ciências modernas, entre os séculos XVI e XVII.  

A autonomização e especialização das ciências fez com que se perdesse a relação entre a ciência e a filosofia. A filosofia passou a estar escondida e não no cume da pirâmide, passou a ser periférica e marginal e não central e unificadora. Era muito frequente os grandes cientistas no início da era moderna serem também grandes filósofos mas essa tradição foi-se perdendo. 

Actualmente, com as mudanças de que a sociedade é palco, volta a surgir a necessidade de cientistas filósofos. Vários ramos do saber desenvolveram esta postura de relação próxima com a ciência, em particular a filosofia e a história da ciência. Os trabalhos de Kuhn e de Popper são pioneiros na filosofia das ciências. 

Os dois grandes semióticos da transição do século XIX para o século XX eram cientistas e filósofos. Ferdinand de Saussure, suiço, era historiador e linguísta e Charles Sanders Peirce era matemático e filósofo. 

Mas não é só a filosofia que reflecte sobre a vida. Talvez ainda à frente da filosofia, temos a literatura, a qual ilustra, manifesta e reflecte a vida tal como ela vai sendo vivida em cada época. Assim, semióticos e especialistas da linguagem e da literatura, como José Augusto Mourão, trazem-nos profundas e férteis contribuições para uma reflexão inovadora sobre a vida. 

Ao nível do desenvolvimento da filosofia ao longo do século XX podemos identificar vários autores que fazem a ponte entre o interior e o exterior, entre os fenómenos interiores e os exteriores. Todos eles vêm trazer uma visão integrada do saber humano, interpretando a vida como movimento, como acção e como relação. Heidegger, Jaspers, Gadamer, Merleau-Ponty, Michel Henry, Fernando Gil, Joaquim Teixeira, José Maria Silva Rosa, Joaquim Cerqueira Gonçalves, são exemplos de filósofos em que a interpretação da vida como elemento unificador vem trazer uma visão que contraria o efeito algo mecânico, redutor e simplista da excessiva especialização da ciência moderna. As áreas da ontologia, da fenomenologia, da filosofia da acção, da linguagem e da vida, são exemplos deste tipo de trabalho. O conhecimento destas contribuições permite trazer novos ângulos para a interpretação das sociedades contemporâneas. 

Por exemplo, têm surgido várias áreas de trabalho que valorizam aspectos como a imaginação, as emoções e a intuição. Contudo, é ao nível da filosofia que é possível estabelecer o conjunto de relações, de fazer pontes, que nos permitem entender porque é que conceitos como a imaginação, as emoções e a intuição são hoje mais importantes do que nunca. 

Nas áreas da neuro-psicanálise, que, uma vez mais, une áreas até aqui distintas e autónomas, e das neuro-ciências, verifica-se empiricamente que o cérebro regista apenas intensidade, não distinguindo os estímulos como positivos ou negativos. O prazer ou a dor implicam um processamento da informação recebida, i.e. não são recebidos de forma separada mas antes implicam uma interpretação.

Esta interpretação corresponde a uma aprendizagem e reflecte as experiências e a cultura.

  Reflexão final e uma nova interpretação da eficácia
 

Ao contrário da postura da ciência moderna, em que o desconhecido é interpretado de forma implícita como negativo e ameaçador, podemos pensar no desconhecido com algo positivo, estimulante e desafiador. O conceito de natureza como criação, dinâmica, nunca completa, é uma consequência desta interpretação. É bom lembrar que o curso de pensamento positivo é o de maior sucesso na Universidade de Harvard. 

Então, podemos reflectir sobre o conceito de eficácia de outra forma. Uma vez que a vida é movimento constante, o facto de se atingir os objectivos predefinidos pode já nem sequer ser desejável. Então, uma nova leitura que resolve este paradoxo da interpretação convencional da eficácia é a seguinte. 

É importante ter objectivos, fixar metas como o “best guess”, a melhor aposta, em relação ao futuro. Se é concretizada e se os objectivos são atingidos, podemos então dizer que a nossa intuição estava correcta, a posteriori. Se não são, temos de pensar no efeito do “moving target”, alvo móvel.  

Como podemos criar novos objectivos? Como podemos ajustar a nossa acção por forma não só de utilizar o pleno potencial de que dispomos mas também de o expandir?

É esse o desafio, quer a nível pessoal, quer organizacional, quer societal. Utilizar em pleno o potencial existente e, ainda, expandi-lo. No aqui e agora, hic et nunc, da realidade concreta e imediata esse potencial está à nossa frente, invisível uma vez que esborrachamos contra ele os nossos narizes. Daí a necessidade absoluta destes espaços de leitura, de escrita, de diálogo e de reflexão. Não há outro caminho e é um caminho que esconde tesouros.

 

 

Ângela Nobre (Portugal)
Doutora em Aprendizagem Organizacional. Investigadora Semiótica. Coordenadora de projectos internacionais de investigação.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
5100-344 Britiande
PORTUGAL