REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 10

 

SILÊNCIO 

As lágrimas venceram meu esforço.

Sigo como planta de interior,

sem raízes profundas,

girando em direção à luz,

que eu possa roubar do dia.

Flutuando na essência tenebrosa de meus sonhos.

Trazendo lembranças entrelaçadas.

Não posso distinguir sonho e realidade.

Opto pelo sonho.

E agora cada fibra do meu ser,

excita-se com o tesouro secreto

que teu silêncio contém.

 

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
Índice de Autores  
Série Anterior  
Nova Série | Página Principal  
SÍTIOS ALIADOS  
TriploII - Blog do TriploV  
TriploV  
Agulha Hispânica  
Bule, O  
Contrário do Tempo, O  
Domador de Sonhos  
Filo-Cafés  
Jornal de Poesia  
   

MADU DUMONT

 

Alma possuída

 
   
   
   
   
   
   
   

                   ÚNICO MISTÉRIO

 

                   Meu mundo é meu único mistério.

Ele me usa,

em troca me protege.

Ele me ama,

mas também me aprisiona.

Eu me ergo, em meu íntimo,

contra este mundo ilimitado de minha mente.

 

Sou o drama, o exótico,

a ilha em que nunca estive,

o desconhecido.

Sou a receptora ideal de seu tributo,

ao longo de minha vida febril.

Minha ambição me exaure.

 

Braços enlaçando o nada,

uma vida com arestas,

uma curva insaciada,

uma lua crescente,

um poema inacabado.

Tudo cintila dentro de mim.

Eu, exausta,

como em busca do conhecimento mais difícil.

Incandescente, interrogado, indagado, deportado...

 

ALMA POSSUIDA

 

Temerosa e alheia ao meu poder,

tomo de volta o que entreguei ao vazio,

ao nada.

Estas são minhas armas.

Estes são meus sonhos.

Acordo molhada e palpitante.

 

A influência dominante da lua me faz sensual,

sensível.

Sintonia secreta com meu sangue gelado.

Sou atirada contra as paredes de meu cárcere.

Caminho por uma vida,

vivendo em outra,

conhecedora apenas do presente.

 

Afasto-me do combate direto

ciente do lento efeito do meu veneno.

Sou capaz de me dissolver em lama.

Faço o mundo tremer em mim.

 

Deixo uma cicatriz na pele do chão,

que gira sob os meus pés descalços.

E quando paro de correr e sangrar

estou sentada no topo de uma montanha,

em uma dissolução absoluta de mim,

em minha alma possuída.

 

ALUCINAÇÕES

 

O amanhã pode estar há anos de distância.

Talvez seja minha salvação,

se meu fracasso tem a curta duração de minha fé.

À medida que me perco em mim mesma,

vejo a ruína de minhas certezas.

 

Me sinto sedada, insana.

Em algum momento acordarei em

uma claridade idílica –

renascida.

Sempre o momento atingido

é o momento seguinte,

o compreendido.

 

Não me afogarei mais nos sentimentos,

na vida.

Sentirei tudo com a convicção de minhas forças.

Verei um céu profundamente em chamas

explodindo em minha solidão propícia.

Curvando-me perante o acaso.

encontrarei os sinais de meu ser absoluto.

 

BARULHOS

 

Enlouqueço fácil demais.

Pensamentos correm,

palavras saem dançando das paredes,

enredos são arquitetados,

essências destilam-se em papéis perfumados.

 

Entrevejo pensamentos secretos,

sensíveis, mutáveis,

como mulher, puramente mulher.

Deitar-me no fundo do oceano,

no fundo das coisas,

sempre no fundo.

Não consigo viver próxima à superfície.

 

Quando luto, luto contra meus próprios medos.

E ataco moinhos,

atormentada pelo contato efêmero,

possuída pelo demônio da agitação.

O véu entre mim e a realidade – e o prazer.

Importar-me demais seria um desastre.

Liberdade – é o máximo que posso pedir.

                     ENGANO
 

É preciso subjugar a loucura

que sempre te persegue,

neste profundo domínio de si próprio,

da vida, da dor.

 

Viver suas paixões,

seus instintos.

Morrer em sonhos

ou na embriaguês do triunfo.

Sentir o ideal e o desejo se tocarem.

 

Ser o autor de seus sonhos fantásticos

e saber vivê-los.

Sentir profundamente os prolongamentos,

os encontros, as partidas,

as novas faíscas.

 

Conceber um novo amor.

Perder a consciência em um leito de carne,

curvando-se perante o destino.

Vivendo para além do medo.

                     ENTRE AS ONDAS
 

Na ilha exótica de meus sonhos

cheguei a um mar seco.

Nenhuma interferência do real.

Meus pés não tocam o chão.

Toda dor humana e falível esmaeceram.

 

Sinto o sopro de uma brisa.

O suspense de outras presenças,

Olhos e ouvidos ao meu redor.

O quebrar das ondas,

farfalhar das folhas,

trinar dos pássaros.

 

O sonho é apenas um símbolo,

desmancha-se como uma pétala pesada.

Acordei para o real.

Para o silêncio no ar.

 

GRITO

 

A vida não poderia mais me assustar.

O sol é o planeta que me rege.

Ele tem orgulho de mim,

incrível, a fé dele em mim.

 

Meus instintos me guiam.

Nenhuma ponta solta,

nenhuma carta sem resposta.

Tudo cintila dentro de mim.

 

Faço amor com o sol.

Ele parece tão sensual,

tão rubro que parece um grito,

tão forte que conhece a verdade.

 

Fico imersa na completude,

completude entre mulher e sexo.

O milagre da totalidade.

Para compensar por meus eternos desejos.

 

INQUIETUDE

 

Quantos perigos se escondem em minha ambivalência...

Labirinto de pensamentos.

Meus medos mais obscuros.

Ecos de minhas dúvidas.

Um fogo misterioso.

Fecundações e impotências.

Derrota da imaginação.

Inquietude terrível.

 

Minhas ilusões me cegam completamente.

Meus tormentos são meus fantasmas.

Ouço a razão dos meus instintos

em um universo de sensações suspensas.

Minha sensibilidade fundamental,

ou a diferença entre compreender e reagir.

Sobrepujar meu destino,

sem me privar da experiência do fantástico mais profundo,

para não tropeçar novamente

sempre no mesmo obstáculo.

 

 

TEMPESTADE

 

Eu faço seu corpo sentir.

Invento um amor novo,

onde minhas mãos descobrem seus refúgios

e os chamam de encontro a meu corpo.

 

Tempestades de desejos dançam em sua pele,

flutuando na essência de meus anseios,

em uma devassidão completa de você em mim,

de eu em você.

 

O amor recebido

superou o amor negado, perdido.

Embriagamos em centelhas de vertiginosas estrelas.

 

Encaixei meu corpo no seu,

dissolvi-me nele.

A distância não mais se precipitará entre nós.

Minhas cicatrizes estão em sua pele.

 

Suas carícias me comovem,

entesourando cada detalhe deste momento,

fiando nossas histórias,

noite após noite,

na cama que compartilhamos.

 

 

Madu (Maria do Carmo Dumont). Nascida em Diamantina, Brasil.
Obras publicadas: «Maria com muito gosto» (1997), «Para ser mulher» (2007).
madudumont@hotmail.com
http://madudumont.blogspot.com/

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
5100-344 Britiande
PORTUGAL