REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 07

 

(...)
Ter força um dia pra quebrar as roscas
Desta engrenagem que empenando vai.
- Não mandar telegramas ao meu Pai,
- Não andar por Paris, como ando, às moscas. 

       Mário de Sá-Carneiro
 

Alguns poetas nos deixam cedo demais. Além dos ultra-românticos, e a fama que a morte, brevemente, iria  lhes trazer, um poeta português, Mário de Sá-Carneiro, após engolir 5 frascos de arseniato de estricnina, parte para outras viagens, outras paragens. Ano de 1916. Veste-se a rigor, deita-se no quarto de hotel e despede-se dândicamente do cotidiano de uma vida parisiense. Veredas não muito descritivas, talvez. No famoso bairro de Montmartre, em Paris, Sá-Carneiro sofre um rapto da morte, deixando tristeza aos  seletos amigos em Lisboa, entre eles o solitário Fernando Pessoa, e acarretando ao modernismo português , uma perda realmente irreparável. Há que perguntar, é claro: o que seria o modernismo português sem a perda de Sá Carneiro? No mínimo, um outro modernismo, responderia sabiamente Alberto Caeiro.

 

 
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Maria Estela Guedes  
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LUÍS ESTRELA DE MATOS

 

Triste  fim  de  um  jovem  poeta

 

                                                                           Luís Estrela de Matos
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
 
 

Parecia ter os dias contados esse Sá-Carneiro. Alguns de seus melhores versos apontam isto, como se ele tivesse telegrafado (não havia internet ainda) a morte. Cito uma estrofe do famoso poema QUASE:

Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Telegrafando ou não, cartas e mais cartas tornaram-se lendárias e importantes enquanto documentos fiéis da escrita de dois grandes modernistas. Ou quase modernistas... Até porque modernistas pode não querer dizer, nos tempos contemporâneos, muita coisa.

A verdade é que Sá-Carneiro andava anunciando nas cartas a sua morte anunciada ao seu grande amigo, Pessoa. Excesso de pontuação, exclamações, traços da escrita apollineriana, desesperos financeiros e existenciais, em forma de silêncio das entrelinhas, tudo isso desenhava o drama íntimo, ao ponto de fatos biográficos e elementos literários, confundirem-se de tal maneira que o leitor precisa estar mais do que atento para não escorregar nas armadilhas ficcionais de toda boa escrita. Se uma escrita não engana, não está a cumprir seu papel, é claro. De realismos o Ocidente está repleto. Há que fingir, há que mentir. Mas no caso Sá-Carneiro, o suicídio conseguiu transformar-se numa espécie de elo final entre o ficcional e o não ficcional. E para finalizar este texto quase ficcionalmente fictício, antes que eu tenha um deslize biografizante, cito, na íntegra, o poema intitulado FIM :

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
 
 
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

 

  PS: Mário de Sá-Carneiro (Lisboa 1890 – Paris, 1916).
 

 

Luis Estrela de Matos (Brasil)
Ensaísta, escritor e  professor universitário.
estrematos@yahoo.com.br

 

 

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