REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 07

 

JOSÉ LUÍS

HOPFFER C. ALMADA

 

Exílio

                                                                José Luís Almada

 

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
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(versão segunda)
 

  ao Jorge Carlos Fonseca (Zona)

 

I

 

Dias

e mais dias

turvos

translúcidos 

na ondulação

das madrugadas

curvas

impregnando

com  tejo e nostalgia

a face alagada

 de pátria e distância

e as mãos latejantes

do desterrado

farejando clandestinas

o nocturno estremecer

das longínquas narinas

das calçadas da Praia-Maria   

 

 

II

 

O mar é um rio

e quando

na extenuada vigília da lonjura

desagua

é uma ribeira sem amanhã

exaurindo-se compulsivamente

na saudade faminta

da ilha estéril e interdita

 

 

 

III

 

É então que

sozinho

o expatriado constrói

as dimensões

do exílio e da solidão

como a um poço

irreversivelmente empedrado

e inundado de recato e tristeza

 
 

 

IV

 

Sozinho

no seu poço

o exilado cisma

que só não morre

quem nunca nasceu

 

só não nasce

quem nunca soube

do poço do perecimento

 

Sozinho

no seu poço

o deportado cisma

que só não renasce

quem nunca se negou a entregar

à implacável rotina do carniceiro

a carne nua táctil e sua

e ao severo silêncio do confessor

uma nesga da sua alma

- ínfimo conquanto valioso quinhão

na mesura e no peso do remorso

sopesados no tempo e na medida da dignidade

 
 

 

V

 

Solitário

na sua dor

o banido cisma

no ressentimento

que prematuro e incendiário

rescende na memória

das águas e da infância

e em lume se refaz

e preenche de raiva as fissuradas algemas do riso

e inunda de impotência

as fracturadas paredes do cárcere

 
 

 

VI

 

Emparedado

e sozinho

o renegado transita

da angústia da mordaça

para a memória da palavra

e cisma

na breve flor

que todavia germina

da prematura ruína do corpo

do moribundo olor

e dos restos nauseabundos da tarde

 

 

VII

 

Sozinho

e emparedado

de um poço

para outro

transita o auto-exilado  

e conclui

que iguais e funestas

são as dimensões de um e de outro

quando a solidão somente circundam

e medita

na breve flor

que nos versos chora

e tal o súbito e previsível esplendor

 de todos os setembros

tal o ofuscante relampejar

 das convulsões  há muito aguardadas

se liberta

iluminando

a dor emparedada

desses tempos de pedra

de flagelação da alma

 de lenta derruição do corpo .... 

 

Lisboa, Abril de 2003/ Julho de 2008
(versão refundida do poema “Exílio” constante do volume I
do livro À Sombra do Sol, Praia, 19990)

 

 

JOSÉ LUÍS HOPFFER C. ALMADA (CABO VERDE).
Jurista, poeta, ensaísta, analista e comentador radiofónico. Nasceu no sítio de Pombal, Concelho de Santa Catarina, ilha de Santiago, Cabo Verde (1960). Reside actualmente em Lisboa. Licenciado em Direito pela Universidade Karl Marx, de Leipzig, e pós-graduado em Ciências Jurídicas e em Ciências Políticas e Internacionais pela Faculdade de Direito de Lisboa. Desempenhou as funções de técnico superior em vários departamentos governamentais e de Director do Gabinete de Assuntos Jurídicos e Legislação da Secretaria-Geral do Governo. Associado a diversas iniciativas culturais em Cabo Verde, como o Movimento Pró-Cultura (1986), o suplemento cultural Voz di Letra do jornal Voz di Povo (1986-1987) e a revista Pré-Textos; director da revista Fragmentos (1987-1998); co-fundador da Spleen-Edições (1993) e dirigente da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (1989-1992/1998). Participação regular em colóquios, em diversos países, como Senegal, Cuba, Bélgica, Brasil, Angola, Portugal, Holanda, Suíça, Moçambique; colaboração assídua em jornais e revistas literárias e jurídicas, com destaque para Fragmentos, Pré-Textos, Direito e Cidadania, Lusografias, A Semana, Liberal-Caboverde. Representado em diferentes antologias poéticas estrangeiras. Organizou Mirabilis – de Veias ao Sol (Antologia dos novíssimos poetas cabo-verdianos (1998) e O Ano Mágico de 2006 – Olhares Retrospectivos sobre a História e a Cultura Cabo-Verdianas (2008).
Publicou: À Sombra do Sol, I e II, (1990); Assomada Nocturna (1993), Assomada Nocturna – Poema de NZé di Sant’ y Águ (2005); Orfandade e Funcionalização Político-Ideológica nos Discursos Identitários Cabo-Verdianos (2007), e Praianas (Revisitações do Tempo e da Cidade) (2009). Utiliza os nomes literários Nzé di Santý Águ, Zé di Sant´y Águ, Alma Dofer Catarino, Erasmo Cabral de Almada (poesia), Tuna Furtado (artigos e ensaios) e Dionísio de Deus y Fonteana (crónica literária e prosa de ficção).

 

 

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