REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 06

 

         

O meu compadre Zé das Couves anda injuriado. Injuriadíssimo (leia-se mais indignado do que traficante de armas acusado de pacifista). Com o liceu feito ainda nos tempos da velha senhora, diz que não lhe ensinaram matematiquices suficientes para conseguir entender as actuais matemáticas eurófonas.

         Ora veja o compadre, esvurma ele perdigotos e vírus na mesa do café. Ora veja o compadre se isto não é de uma pessoa dar por paus e por pedras. Portugal tem 10.664.157 habitantes e a Alemanha tem 82.329.758. O Produto Interno Bruto, aquela régua canelada que mede a riqueza dos países, afirmava, em 2009, que a Alemanha pegava 3.273.000 milhões de dólares e Portugal pegava só um tantinho de 219.800 milhões de dólares.

         Ora veja o compadre, tanto na população quanto na riqueza, não há comparação entre a Alemanha e Portugal. Quer dizer, comparação há. Não há é aproximação. A Alemanha é 7,72 vezes maior do que Portugal em população e 14,89 vezes maior em riqueza.

 

 
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Maria Estela Guedes  
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CUNHA DE LEIRADELLA

 

Que país é este?

 
 
 
 
 
 
 
 

        Até aqui morreu Neves, como diz o compadre Quim dos Nabos, o mais competente e entendido comentarista em genéricos, sejam eles remédios, futebóis, políticas ou programas de televisão, que vai ao Brasil no mês que vem e já quer chegar lá a falar bem o brasilês (leia-se o português falado no Brasil, não o escrito, que para o escrito há um acordo ortográfico onde todos se entendem ou deviam entender, se todos os países lusófonos o tivessem assinado).

         Compadre, compadre, diz-me o compadre Zé das Couves, Portugal tem na Assembleia da República 230 deputados e a Alemanha tem 622 no Parlamento. Não está errado isto? Feitas as contas, a ver pela população, a Alemanha devia ter 1.775 deputados ou Portugal devia ter só 80. E a ver pela riqueza, a Alemanha devia ter 3.424 deputados e Portugal apenas 41.

         Isto, compadre, se houvesse lógica, continua esvurmando perdigotos e vírus o compadre Zé das Couves na mesa do café. Mas como a lógica não se vende nas farmácias, nem com receita médica, o que é que acontece? Fala-se em reduzir as despesas a começar pelo governo e reduzindo o número de deputados, e diz o PS: Não senhor! A democracia tem custos! Vem o PSD e diz: Não senhor! A medida é precipitada! Os outros partidos, coitaditos, sem tacho governativo, dizem amém, e prontos. O povo que pague os impostos.

         Ai compadre, compadre, desengonça o compadre Zé das Couves, voltamos à Assembleia Nacional Constituinte de 1911, que elegeu 226 deputados e deu no que deu. Vinte e oito de Maio, Estado Novo, Estado Crítico, esculhambices.

         Mesmo não regougando esculhambês (leia-se indignação justificada), o meu compadre Zé das Couves tem razão e cabe uma pergunta: se todos os partidos políticos se arrogam a petulância de trabalhar em prol da pátria, por que é que nenhum dos senhores políticos, deputados ou não, concorda que há boizinhos de presépio a mais na Assembleia da República? Questão de bom samaritanismo ou apenas questão de tacho? A pergunta espanta? Mais devia espantar a subida dos impostos, caraças!

 

 

Cunha de Leiradella (Póvoa de Lanhoso, Portugal, 16.11.1934)
Emigrou para o Brasil em 1958. Desemigrou em 2003, mas foi lá que escreveu a maior parte da sua obra. Peças de teatro (Laio ou o poder, Judas, As pulgas, etc.), romances (Cinco dias de sagração, Guerrilha urbana, Apenas questão de método, etc.), contos (Fractal em duas línguas, Síndromes & síndromes (e conclusões inevitáveis), O que faria Casanova?, etc.) e roteiros para cinema e televisão (Belo Horizonte: caminhos, O circo das qualidades humanas, Vestida de sol e de vento, etc.). Com isto ganhou alguns prêmios (no Brasil, Prêmio Fernando Chináglia, 1981, I Concurso de Textos Teatrais Rede Globo de Televisão, 1982, Prêmio Humberto Mauro, 1997, no México, Prêmio Plural 1990, em Portugal, Prêmio Caminho de Literatura Policial, 1999, etc.).
Contacto: leiradella@sapo.pt

 

 

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