REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 02

 

BRASÍLIA

2010

50º aniversário da capital brasileira

Um dos aspectos que me maravilha de Brasília é seu equilibrado urbanismo. Os setores residenciais conjugam bem a funcionalidade das construções de concreto com a presença da natureza.

O equilíbrio se sustenta também na concordância da cor. De forma sábia os moradores de Brasília dotaram às construções residenciais da mesma pigmentação que a natureza ao redor lhes oferece. Cada edifício, de não mais de seis andares, tem um toque de cor que o equilibra às árvores, flores, frutos e terra circundantes.

A relação de cores entre moradias urbanas e naturais produz uma sensação de bem-estar, de crescimento polifônico e afinado, e às vezes parece nos localizar em uma espécie de paisagem mágica, em especial quando chove.

O verde, o vermelho, o violeta, o laranja, o amarelo, o azul, predominam no setor residencial, por sobre a cinza e o preto e branco que caracterizam aos setores administrativos, os que, aliás, estão rodeados de maneira escassa por espaços naturais.

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Maria Estela Guedes  
   
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Nelson González Leal

BRASÍLIA

As paisagens da Asa Sul

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

                                       Nelson González Leal      

 

    Os setores residenciais constituem o que denomino como “a Brasília interna”, uma considerável porção da cidade que é pouco mostrada aos estrangeiros. Os que vêm de fora recebem como prêmio um roteiro turístico que inclui os monumentos projetados pelo mestre Oscar Niemeyer - eu diria que quase se reduz a isso. Pouco se diz sobre o paisagismo e o ornato articulado por Burle Marx, para dar sentido humano à cidade e para minimizar o efeito abrasador e ferino que tem a conjugação do extremo sol brasiliense com o predomínio dos brancos e cinzas nos monumentos turísticos.

     Passar da Esplanada dos Ministérios, onde se localizam a Catedral, o Teatro Nacional, o Museu Nacional, a Biblioteca Nacional, etc., à asa sul residencial, por exemplo, é como transpassar o limite entre o mundo dos humanos e o dos Na´vi (sem o superlativo da produção cinematográfica, claro). 

E insisto em que transpassar essa fronteira ou entrar no mundo residencial quando chove (além das dificuldades de deslocamento pelas ruas e avenidas, que pelo general terminam alagadas) é uma experiência tão pandórica como a do filme do James Cameron, guardando é obvio as devidas proporções entre a ofuscação tecnológica desta e as sensações de liberdade, frescor e expansão que gera o contato com um espaço real cheio de natureza e chuva.

Mas sem chuva também resulta reconfortante a harmonia que gera o ambiente. Comentava em uma oportunidade a minha esposa (http://salvapalabra.tumblr.com), durante nossa caminhada matutina pelas quadras residenciais da asa sul, que minha sensação era a de estar caminhando dentro de um grande parque (como o Parque do Leste de Caracas) e não entre ruas e calçadas de uma zona residencial.

Em Brasília está proibida a circulação de transporte público por entre as quadras residenciais. Os ônibus e as minivans coletivos só transitam por vias principais e estas se localizam devidamente retiradas do núcleo residencial. Estão traçadas na periferia próxima, de modo que possa aceder-se a elas a pé.

De cara ao deslumbramento decidi fazer um registro fotográfico especial que conjugasse o avanço tecnológico com algum elemento ou mecanismo rudimentar. Surgiu então a idéia de trabalhar com a compacta digital Ricoh GX200 (valores: ISO 64, 9mp, Raw, exposição manual, f/7.1-7.9, entre 1/35 a 1/125 seg., df 72mm) combinada com um aparelho que desse um ligeiro efeito olho de peixe e de desfoque: a mira tipo “olho mágico” que se coloca nas portas como instrumento de segurança.

Os resultados são para mi bastante relativos às sensações que me gera a mistura de blocos residenciais e natureza. Basta deter-se uns minutos para observar o céu brasiliense por entre a copa das árvores que abundam na asa sul, para perceber que se está em um mundo diferente, em um mundo onde a cadência da cor possui um valor vital: permite salvar aos habitantes da abulia que gera o enquadramento do concreto e a repetição incessante no traçado da cidade (a cidade foi traçada por Lúcio Costa com uma linearidade simétrica tal que a isentou de surpresas). Em muitos setores de Brasília a monotonia parece ser impune.

Estas paisagens da Brasília interna resgatam o sentido humano da cidade. Outorgam-lhe um ritmo vivo, alegre, ufano, e disso parece haver-se dado conta as jovens gerações de brasilienses (Brasília é uma cidade de apenas cinqüenta anos de idade, ainda jovem, quase em etapa infantil se a compararmos com outras capitais do Continente).

Se de mim dependesse, manteria intocáveis os espaços verdes, as áreas naturais, e convidaria aos jovens para uma cruzada colorida pelos prédios e paredes de Brasília.

Se de mim dependesse declararia, dentro desta cidade patrimônio, à natureza como acervo, aos espaços verdes como herança, à cor de seu céu como fortuna e às cores de suas asas residenciais e da imaginação de seus habitantes como renda básica do bom viver e da felicidade.

Se de mim dependesse declararia a Brasília livre de utopias para fazê-la humana.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Nelson González Leal (1965). Escritor, jornalista e fotógrafo venezuelano. Na área da fotografia tem participado das exposições coletivas 7ma e 10ma Amostra de Fotografia Documentário da América Latina (Espanha, 2007 e 2010), Latinidades: Uma Nação, dois países e sete artes (Brasília, Brasil, 2008 e 2010) e Lab f/508 (Brasília, Brasil, 2008). Forma parte da seleção realizada pelo coletivo Câmara Obscura de São Paulo para os livros eletrônicos de fotografia  Sentido Vago e Transformações. É expositor convidado pelo coletivo fotográfico Foto Cepelak da República Tcheca e uma seleção de seus trabalhos fotográficos foi publicada na 13a edição da revista romena Camera Obscura. Tem exposto individualmente seu trabalho “Cores de dentro e de fora“, integrado pelas séries “O caminho das sendas que se bifurcam” e “Memórias visuais e midiáticas – Homenagem à Polaroid”, na Galeria Objeto Encontrado de Brasília (2009). De fevereiro de 2007 a abril de 2009 fez parte do clube de fotografia brasiliense Fotoclube F/508. Seus trabalhos fotográficos podem ser vistos na sua web site www.fotoleal.com. Na literatura, obteve no ano 1993 o primeiro prêmio no XLVIII Concurso Anual de Contos do jornal El Nacional. De sua autoria, editaram-se os volumeis Entre grillos e soledades (poesia, Edit. Petroleum, Venezuela, 1986), Una pista sutil (relatos, Edic. SCEZ, Venezuela, 1988), Un paseo por la narrativa venezolana. Ocho relatos cortos (antologia, Edit. Resma, Espanha, 1988), Esa pequeña porción del paraíso (romance, Comala, Venezuela, 2001), Pensar la Patria (ensaio, Edic. Consejo Nacional de la Cultura, Venezuela, 2004), Dias Felices. Trece crónicas y una coda (crônicas, Monte Ávila Editores Latino-americana, Venezuela, 2005) e Como si fuera esta noche la última vez y otros relatos (contos, Fundação Editorial El perro y la rana, Venezuela, 2008). As antologias Voces nuevas 1989-1990 (Edic. Fundación Celarg, Venezuela, 1990) e Cuentos que hicieron historia. Ganadores del Concurso Anual de Cuentos del Diario El Nacional 1946-2004 (Editorial Los Libros de El Nacional, Venezuela, 2005), contêm alguns de seus textos narrativos. Contato: negole@gmail.com.
Web site do autor: http://www.fotoleal.com

 

 

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