MAJOR MIGUEL GARCIA

TIPOLOGIAS DE GUERRA
Francisco Proença Garcia

 

Tipologias e espectro da Guerra
 
 
São inúmeros os critérios de classificação das guerras. Gaston Bouthol (1) adopta uma tipologia política e classifica as guerras como internacionais – oposição entre dois grupos soberanos, ou civis – pertença a um mesmo Estado no momento em que se inicia o conflito.

Um outro critério deste autor é psico-político, fundamentado na intenção psicológica atribuída aos protagonistas, em que as guerras são classificadas como ofensivas, defensivas, preventivas, de nervos e paz armada. Este autor adopta ainda um terceiro critério relacionado com o processo de desenvolvimento das mesmas e de mentalidades: Primitiva, de cortesia, nacional e imperial.

Porém, apesar dos inúmeros critérios possíveis para tipificar, caracterizar, estudar, ou mesmo descrever o fenómeno da guerra, neste ensaio consideramos os conceitos adoptados nas escolas militares portuguesas, onde guerra é entendida como a “(...) violência organizada entre grupos políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim político, dirigida contra as fontes de poder do adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e azares (...)” (2). Esta definição do General Abel Couto, parece-nos suficientemente abrangente, contudo podemos encontrar situações em que seja utilizada a violência organizada e não se considere uma guerra em si. Estas situações são por vezes designadas como diplomacia coerciva ou da violência (3).

No tradicional espectro da guerra, as guerras podem ser classificadas como entre unidades políticas ou no interior das mesmas, ou seja, internacionais ou internas. Dentro desta tipologia podemos considerar todo um conjunto de formas (4) que as guerras podem assumir.

Nas guerras internacionais, as formas de guerra variam em função do grau de intensidade de emprego da violência. Estas formas possuem características políticas, psicológicas e técnicas específicas, e o espectro subdivide-se em guerra fria e guerra quente. Devemos no entanto estar cientes que a linha de fronteira entre uma tipologia e outra é muito ténue, sendo frequente surgirem combinações entre elas.

A expressão guerra fria foi divulgada pelo jornalista Walter Lippmann, mas terá sido utilizada pela primeira vez pelo conselheiro económico do presidente Roosevelt, Bernard Baruch. Inclui a gama de acções em que a coacção reveste as formas de acção política, económica e psicológica, combinada com a ameaça potencial de acção militar.

Na guerra quente considera-se a guerra clássica ou convencional, e a guerra nuclear. A primeira inclui o emprego de meios militares e por vezes com ameaças do emprego de meios nucleares; a segunda, envolve o emprego efectivo de armas nucleares de natureza táctica (limitada) ou sem restrições (ilimitada), recorrendo aqui as unidades políticas ao emprego da força sem limites. Assim, há também um critério que permite considerar as guerras limitadas ou não limitadas; limitadas sobretudo quanto à utilização dos meios, aos objectivos e ao espaço geográfico.

Quanto às guerras internas são consideradas: a guerra subversiva, a revolta militar, o golpe de estado e a revolução e a guerra civil.

A guerra subversiva surge nos manuais militares (5) como a luta conduzida no interior dum território, por parte da população, ajudada e reforçada ou não do exterior, contra a autoridade de direito ou de facto, com o fim de, pelo menos paralisar a sua acção. É prolongada, metódica e com o objectivo de conquistar o poder.

A subversão, que pode ser entendida como uma técnica de assalto ou de corrosão dos poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar, e pôr em causa o Poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo (6), nem sempre conduz à guerra subversiva, mas antecede-a e/ou acompanha-a, e em regra trava-se no plano militar sob a forma de guerrilhas.

No desenvolvimento da guerra subversiva, em princípio, distinguem-se 2 períodos e 5 fases (7), de limites mal definidos, frequentemente indistinguíveis, são eles o período pré-insurreccional, que compreende a fase preparatória e a fase de agitação, e o período insurreccional, que compreende a fase armada (de terrorismo ou guerrilha), a de Estado Revolucionário e a fase final. O seu valor é relativo pelo que os conflitos devem ser estudados casuisticamente, pois a implantação das mesmas fases pode não ser simultânea, na totalidade do território-alvo, procurando, em todo o caso, respeitar a lógica do esquema e evitar ser detida na transição do Estado pré-insurreccional para o insurreccional.

A revolta militar é Levantamento militar, em que a totalidade ou uma fracção importante das forças militares procura derrubar pela força o Poder estabelecido.

O golpe de estado surge como uma acção clandestina dum grupo restrito (elite) contra o Poder estabelecido e em que aquele grupo, actuando com rapidez (o planeamento pode ser demorado) e aniquilando ou neutralizando determinadas personalidades “de chefia”, consegue a tomada técnica do Poder.

A revolução emerge de um levantamento popular súbito, breve, aparentemente sem controlo e, por norma, não planeado.

As guerras civis não são um fenómeno recente. A rebelião Tai Ping na China (1859-1864) provocou algo como 30 milhões de baixas. Porém, a visibilidade destas guerras é mais notória a partir de 1945. Nos anos 80 do séc. XX iniciaram-se 28 guerras civis, a que podemos adicionar mais 6 que transitaram da década anterior; e nos anos 90 do mesmo século, 40 unidades políticas viram-se envolvidas neste tipo de conflito. A disputa pelo Poder esteve sempre patente (8).

Nestas guerras, parte da população de um determinado Estado entra em luta contra o governo estabelecido desse Estado. Uma das partes procura o reconhecimento do estatuto de beligerante com todos os privilégios de soberania associados, como enviar uma delegação para negociações e pedir protecção ao abrigo de convenções internacionais.

As maiores vítimas destas guerras são os civis inocentes, que representam mais de 90% das baixas, e os refugiados e deslocados que na década de 70 do século passado eram cerca de 2,5 milhões, e na de 90 eram já mais de 23 milhões (9).

Apesar de internas, há no entanto uma tendência crescente para a internacionalização destas guerras (10): 18% entre 1919/1939, 27% entre 1946/1965, 36% entre 1966/1977.

As guerras civis podem assumir um cariz étno-político ou de secessão. As de cariz etno-político, proliferaram na década de noventa do século passado. Lembramos que o que por vezes parece étnico pode apenas reflectir movimentos sociais mais profundos relacionados com o território, Poder ou controlo político ou de recursos naturais, (Zaire/Uganda/Ruanda/Burundi). A linha de fractura pode ter sido étnica, onde as pessoas mostram o seu descontentamento por uma Unidade Política que não foi capaz, ou não quis satisfazer as suas expectativas, e em que confiavam para defesa dos seus interesses. Na década de noventa do século XX, 19 das 34 maiores guerras civis visaram a secessão.

É previsível a conjugação de guerras civis e de terrorismo utilizando armas ultramodernas (inclusive NBQ), que venham a incrementar o número de baixas.

 
 
(1) BOUTHOL, Gaston, Traité de Polemologie – Sociologies des guerres, Paris, Payot, 1991 , pp. 445-461.

(2) COUTO, Abel, p. 148. Para Gaston Bouthol “La guerre est la lutte armée et sanglante entre mouvements organisés”, in, BOUTHOL, Gaston, Traité de Polemologie – Sociologies des guerres, Paris, Payot, 1991 , p. 35 ; considerando Quincy Wright a Guerra como “A state of Law and a form of conflict involving a high degree of legal equality, of hostility, and of violence in the relations of organized human groups, or, more simply, the legal condition which equally permits two or more hostile groups to carry on a conflict by armed force”, in WRIGHT, Quincy, A Study of War , Chicago and London, University of Chicago Press, p. 7; ou ainda a definição mais clássica de Clausewitz, para quem a Guerra "(…) não é somente um acto político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios (…) ", e acrescenta, "(…) é apenas uma parte das relações políticas, e por conseguinte de modo algum qualquer coisa de independente (…)", porém, a Guerra em si não faz cessar essas relações políticas, in, CLAUSEWITZ, Carl von, Da Guerra , Ed.Prespectivas e Realidades, Lisboa, 1976, p.737.

(3) Esta noção foi desenvolvida por Thomas Scheling na obra Arms and influence , New Haven, Yale University Press, 1966.

(4) O principal critério para distinguir formas de Guerra será, de acordo com Kalevi Holsti, : 1- O propósito da Guerra; 2. O papel dos civis durante a Guerra; 3. as instituições da Guerra. In, HOLSTI, Kalevi, ob. cit., p. 27.

(5) ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO, O Exército na guerra subversiva , Lisboa, Regulamento, I Generalidades, 1966, p. 1. Abel Cabral Couto, define guerra subversiva como: “(...) a prossecução da política de um grupo político por todos os meios, no interior de um dado território, com a adesão e participação activa de parte da população desse território (...)”. In “Elementos de Estratégia – Apontamentos para um Curso”. Pedrouços: Instituto de Altos Estudos Militares, 1989, Vol. II, p. 211.

(6) O sublinhado é nosso. Podemos consultar MONTEIRO; Fernando Amaro, O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964-1974) , p. 22; LARA, Sousa A Subversão do Estado . Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1987, p. 24; ARON, Raymond, Paix et Guerre Entre les Nations . Paris: Calmann-Lévy, Collection “Liberté de L'esprit”, 1988, p. 517; MUCHIELLI, Roger, La Subversion . Paris , CLC, 1976, p. 9.

(7) Podemos encontrar detalhes sobre o assunto em várias publicações; destacamos: CECA, Subsídios para o Estudo da doutrina aplicada nas campanhas de África (1961-1974) , p. 76-80; COUTO, Abel, Elementos de Estratégia – Apontamentos para um curso , Vol. II, pp. 255-265; OLIVEIRA, Hermes de Araújo, Guerra Revolucionária , Lisboa: Ministério do Exército, 1961, pp. 127-136.

(8) PEARSON, Frederic e ROCHESTER, Martin, International Relations – The global condition in the twenty-first century , New York, McGraw-Hill, 1997, p. 302.

(9) Idem, p. 306.

(10) Idem, p. 303.