MIGUEL GARCIA

Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia
ANÁLISE GLOBAL DE UMA GUERRA
(MOÇAMBIQUE 1964-1974)

Dissertação para a obtenção do Grau de Doutor em História
Universidade Portucalense
Orientação dos: Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha e
Prof. Doutor Fernando Amaro Monteiro
Porto . Outubro de 2001

II Capítulo

A conflitualidade global permanente, o despertar dos movimentos independentistas e a afirmação da soberania portuguesa em Moçambique

 

 

4. O independentismo e o Poder português em confronto. A “resposta possível” e/ou iniciativas portuguesas face à subversão.

 

Portugal enfrentava nos seus territórios continentais africanos, desde 1961, uma subversão insidiosa que, sem frente nem retaguarda, se disseminava e infiltrava nas populações.

Tal como o PAIGC, na Guiné, a argumentação frelimista para a guerra baseava-se na rejeição do colonialismo como uma já longa tradição, referindo-se como “resistência” o conjunto de reacções dispersas e de cunho tribal contra a conquista colonial. Aquela argumentação assentava ainda na justificação da natureza do colonialismo português e das alianças que o apoiavam.

Para a FRELIMO, estes factores, que criavam oposição à considerada dominação estrangeira, impunham a luta armada como único instrumento para a resolução da situação. Assim, a FRELIMO, ao considerar-se sem alternativas, enveredou por uma guerra prolongada que, segundo Eduardo Mondlane, era “(...) uma guerra do povo contra as forças armadas portuguesas, guerra que a seu tempo levaria à derrota ou rendição dos portugueses (...)”, considerando Samora Machel que a luta desencadeada fazia parte da luta geral dos povos por um mundo novo, livre de todas as formas de exploração, opressão e guerra. No decurso da luta, terá sido desencadeado um processo destinado a levá-la a termo e a liquidar o sistema de exploração do homem com a finalidade de edificação de uma nova sociedade.

A luta com vista a garantir a soberania portuguesa nos territórios africanos obedeceu a uma constante da história de Portugal, que sempre fora conduzido a defender os territórios de além-mar. Numa época em que se vivia uma forte corrente anti-colonialista, estava ainda presente na memória lusa a sentença do Tribunal Internacional de Haia, que rejeitou as objecções de competência da União Indiana e reconheceu, em Abril de 1960, o direito de passagem entre os enclaves de Dadra e Nagar-Aveli, na medida necessária ao exercício da soberania portuguesa.

Tendo em consideração aquela constante histórica, o Poder português, ameaçado agora nos seus territórios continentais em África, desencadeou entre 1961 e 1974, operações de grande envergadura para afirmação da soberania, em apoio da Administração. Neste período, nunca foi decretado o estado de sítio; as Forças Armadas, oficialmente, foram chamadas a colaborar em “operações de polícia” contra a agressão preparada e lançada de territórios estrangeiros, sendo os elementos sublevados/rebeldes designados por “terroristas” e, alguns anos mais tarde, por “inimigo”.

Nas primeiras fases em que a subversão é latente, a luta para a combater abrange medidas psico-sociais, policiais e outras, que competem às autoridades civis, embora com o apoio das Forças Armadas, e medidas militares preventivas, da responsabilidade dos comandos. Nas fases em que esta se manifesta de uma forma violenta, a responsabilidade da luta anti-subversiva inverte-se, passando as Forças Armadas a serem coadjuvadas pelas autoridades civis.

Pelas suas características, a subversão, visava a população como um todo, contexto que foi desgastando o Poder português perante a comunidade internacional (admirada com a determinação lusa), principalmente devido à falta de iniciativa política para negociações paralelas à acção militar, sobretudo em períodos de supremacia. Esta situação de desgaste arrastou-se até à entrega formal de poderes, na sequência da intervenção do vector político-militar ocorrida com o “Movimento das Forças Armadas”, em 25 de Abril de 1974.

Nesta ordem de ideias, a resposta contra-subversiva desencadeada pelo Governo Português, exigia “(...) uma acção coordenada e muito íntima entre as Forças Armadas, as autoridades administrativas e as populações, (...) uma atenta vigilância na retaguarda e uma integração perfeita das acções militares, diplomáticas, políticas, económicas e psicológicas (...)”, sendo envolvidos nesta acção numerosos efectivos da Metrópole, cujo recrutamento tendeu para uma localização.

A resposta portuguesa foi a «possível», claro está, pois Portugal teve de conduzir a guerra por forma a minimizar o impacto desta nas estruturas sociais portuguesas, pelo que tinha de manter, forçosamente, um ritmo lento, compatível com os recursos disponíveis e, em simultâneo, disseminar um tal fardo o mais possível pelos territórios africanos.

A estratégia da «resposta possível» portuguesa pode ser incluída “(...) in a wider type of counterinsurgency in which western-orientated countries, colonial or not, sought to counter what was viewed by them as communist insurgencies, in the context of the cold war (...) e, em última análise, traduzir-se naquilo a que John Cann designou por “o modo português de fazer a guerra”, derivado de uma estratégia nacional de poupança dos recursos limitados de que dispunha, que lhe permitiu dirigir uma guerra prolongada em três teatros de operações, de 1961 a 1974, dependendo a eficácia da organização global da contra-subversão muito do espírito de cooperação entre as autoridades civis/militares, mas nomeadamente, do “(...) grau de compreensão que os comandantes militares tivessem da utilidade do aproveitamento das autoridades civis (...)”.

Esta resposta a situações de cariz subversivo/revolucionário é mister passar pela coordenação estreitíssima de quatro acções oportunas:

Política (actos administrativos/diplomáticos), pelas reformulações de carácter permanente, pela tomada de decisões a nível administrativo, do âmbito quer político/diplomático quer do âmbito político/económico;

Militar , pela resposta executada através da alteração do dispositivo, traduzida em operações de afirmação/imposição de soberania de grande ou pequena envergadura;

Sócio-económica , pela melhoria das condições de vida, pela prática de reordenação da população e do aldeamento;

Psicológica , pela intensa Apsic sobre as populações, esta com elevado grau de importância.

Machel, Samora, “O Processo da revolução democrática popular em Moçambique”, p. 23.

Idem, p. 3.

Mondlane, Eduardo, ob. cit., p. 151.

Machel, Samora, “O Processo da revolução democrática popular em Moçambique”, p. 58.

Idem, p. 4.

Crespo, Manuel Pereira, “Porque perdemos a guerra”. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1977, p. 17.

Cour Internationale de Justice, Annuaire 1959-1960, pp. 83-89.

ASDHM, Comando-Chefe de Moçambique, “Directiva operacional 3/74 (para a defesa do Sector A)” Nampula, 25 de Março de 1974, Secreto.

Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, p. 122.

Coelho, João Paulo Borges, “Protected villages and communal villages in Mozambican province of Tete (1968-1982) – a History of State resettlement policies, development and war”, p. 161.

Cann, John, “Contra-Insurreição em África – O modo português de fazer a guerra, 1961- 1974”. S. Pedro do Estoril: Ed. Atena, 1998, p. 245.

Caetano, Marcello, “Depoimento”. Rio de Janeiro: Distribuidora Record, 1974, p. 169.

Fernando Amaro Monteiro e Hermes de Araújo Oliveira consideram as mesmas quatro acções, mas com uma ligeira diferença terminológica no que diz respeito à acção social, não considerando na acção política a vertente político/diplomática e político/económica. Assim, consideram acção social, acção político-administrativa, acção militar e acção psicológica. In Monteiro, Fernando Amaro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964-1974)”, p. 275; Hermes de Araújo Oliveira acrescenta: “(...) da integrante destas quatro acções (...) resulta a nossa resposta contra a subversão, restabelecendo a ordem, em primeiro lugar, e criando a «nova ordem» de seguida (...). Destas quatro acções, duas há responsáveis pela destruição do inimigo: a acção militar, que fará a destruição material, (...) e a acção psicológica, que destruirá a doutrina (...)”. “A Resposta à Guerra Subversiva”. In “Subversão e Contra-Subversão”, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, N.º 62, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1963, p. 61. Roger Mucchielli defende cinco acções a desencadear na luta contra-subversiva: 1 – Usar a arma do ridículo sobre o inimigo; 2 – Desencadear a «operação verdade»; 3 – Evitar a situação de tribunal popular; 4 – Empregar da contra-informação; 5 – Implementar, com eficácia, de vigilâncias com milícias locais, politicamente formadas e enquadradas. In ob. cit., pp. 169-180. Estas operações obedeceram a uma estratégia contra-subversiva que, de acordo com Silva Cunha, assentava na necessidade de fazer respeitar a soberania nos Territórios Ultramarinos e adaptava o seu esforço em três áreas: 1º – A acção militar, que asseguraria a defesa pelo combate a elementos “terroristas”, procurando a sua expulsão ou aniquilamento; 2º – No plano externo, a acção militar seria acompanhada por um trabalho diplomático, que procuraria anular as actividades dos adversários de Portugal, estreitar laços com os seus aliados, efectuar novas alianças e, embora não aceitando a legitimação das organizações terroristas, tentaria dialogar com elas com o objectivo de encontrar uma solução pacífica que não comprometesse a soberania portuguesa; 3º – Internamente, prosseguir-se-ia uma política de desenvolvimento sócio-económico, procurando ainda alargar-se o plano de participação das populações no governo e administração dos territórios. Esta política simultânea exigia a disponibilização de meios financeiros avultados, que se concretizariam com os planos de fomento. In Cunha, Joaquim da Silva, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pp. 31-32.

 
 
 
 
 
 
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