MIGUEL GARCIA

Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia
ANÁLISE GLOBAL DE UMA GUERRA
(MOÇAMBIQUE 1964-1974)

Dissertação para a obtenção do Grau de Doutor em História
Universidade Portucalense
Orientação dos: Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha e
Prof. Doutor Fernando Amaro Monteiro
Porto . Outubro de 2001

II Capítulo

A conflitualidade global permanente, o despertar dos movimentos independentistas e a afirmação da soberania portuguesa em Moçambique

4.4. A Acção Psicológica. A “fissura” civil/militar em Moçambique; suas feições na clivagem da Informação e na textura da Acção Psicológica.

Sun Tzu referiu que, se um exército aguentar um ataque inimigo "(…) sem sofrer derrota, é porque actua com forças extraordinárias e normais (…)" (1), pressupondo, assim, a existência de dois tipos de força, as forças chi e as forças cheng, sendo a primeira extraordinária e indirecta, na qual cabem toda a psicologia e toda a arte de ludíbrio, e a segunda normal e directa, utilizando-se a primeira extensivamente por forma a enfraquecer o inimigo até que este atinja um ponto em que a mínima força cheng seja necessária para o derrubar; no fundo, subjugar o inimigo sem luta. Já no século XX, a Escola de Estado-Maior da China Continental traduziu e resumiu a doutrina do emprego da Acção Psicológica para a conquista da adesão das populações na frase: “Atacar com 70% de propaganda e 30% de esforço militar”(2). As partes em confronto estavam cientes desta premissa desde o início, pelo que o recurso à actuação psicológica para conquistar a adesão das populações era inevitável.

Segundo uma publicação do Estado-Maior do Exército, era conduzida uma guerra psicológica contra Portugal que, no exterior, actuava sobre os estrangeiros, os emigrados portugueses ou ambos, mas previamente aliciados. No interior do país, aquela dirigia-se contra a população metropolitana e ultramarina, visando trabalhadores/agricultores, intelectuais, estudantes, militares e religiosos e, em África, procurava sobretudo acentuar clivagens rácicas. Para isso, utilizando os diversos processos de Acção Psicológica e diferentes técnicas de propaganda, apoiava-se em ideias – força como “independência”, “luta pela paz”, “fim da guerra colonial”(3).

Os grupos oposicionistas da política ultramarina formulada pelo Governo Português trabalhavam há já algum tempo as populações nativas, procurando fomentar a linha de fractura entre estas e a população branca, “(...) a subversão movimentava-as e dinamizava-as em redor da ideia força independência (...)”(4), ao mesmo tempo que molestava os africanos fiéis à soberania portuguesa, nomeadamente, as autoridades nativas. Aquela ideia-força era inteligentemente invocada. E pela consagração que o mundo lhe dispensava e pela veemência com que a proclamava e ainda pela aliciante feição de renovamento que a envolvia e que era tomada sempre no sentido das resolutivas mudanças para o bem completo, tinha aquela ideia-força um efectivo poder actuante(5).

No Caso específico de Moçambique, como já vimos, o Poder português encarava a FRELIMO como fazendo parte integrante de uma estratégia global comunista, sendo, assim, induzida para o conflito a partir do exterior. Além do mais, sabia-se que o objectivo daquela frente não era só o da independência. Após o segundo Congresso, visava também lutar contra todas as formas de exploração. O Poder português estava também ciente de que o desencadear da subversão violenta colocara as populações debaixo de uma tensão de características psicológicas suficientemente maleáveis para que, mercê de uma propaganda firme, a personalidade colectiva aderisse, ou por convicção ou por medo, à vontade condutora que mais objectivamente se insinuasse (6).

Segundo o volume III do Regulamento “O Exército na Guerra Subversiva”, a Acção Psicológica é entendida como “(...) a acção que consiste na aplicação de um conjunto de diversas medidas, devidamente coordenadas, destinadas a influenciar as opiniões, sentimentos, as crenças e, portanto, as atitudes e o comportamento dos meios amigos, neutros e adversos, com a finalidade de: fortificar a determinação e o espírito combativo dos meios amigos; atrair a simpatia activa dos meios neutros; esclarecer a opinião de uns e de outros, e contrariar a influência adversa sobre eles; modificar a actividade dos meios adversos num sentido favorável aos objectivos a alcançar (...)”(7).

Em ambiente subversivo, estas medidas podem ser aplicadas para obter o apoio da população quer sobre as próprias forças quer ainda sobre as do adversário. Para a sua utilização ser rentável, é forçosa uma análise do contexto da vida e das estruturas das populações, das motivações e importância dos grupos, sintetizar o quadro emergente destas análises, definindo coeficientes de reactividade, enunciando as ideias – força que esses coeficientes aconselhem para, posteriormente, se explorarem, através de todas as estruturas possíveis e dos diversos tipos de propaganda (8). Consideramos este esquema válido, tanto para a acção subversiva como para a contra-acção, por parte do Poder desafiado.

Tanto as Forças Armadas Portuguesas como os movimentos independentistas utilizaram a arma psicológica. Esta procurava atingir os alvos já referidos, sendo conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação, visando a primeira a imposição sobre a opinião pública de certas ideias e doutrinas e procurando a segunda neutralizar a propaganda adversa. A informação pretendia esclarecer, fornecendo elementos aos indivíduos para melhor fundamentarem a sua opinião (9).

Os processos utilizados foram variados, desde a técnica de panfleto ao uso dos modernos meios de comunicação social. Estes últimos, no século XX, com o seu carácter universal e instantâneo, participam na elaboração de uma mentalidade colectiva, atribuindo-se-lhes um extraordinário poder pelo esforço de persuasão, pela manipulação das massas e pela eficiência ao conseguirem provocar com relativa facilidade desequilíbrios comportamentais. Este poder dos media (que por si só são capazes de, querendo, manipular/fabricar a opinião pública e mesmo criar uma psicose colectiva) e a transparência das actuais sociedades políticas (no que diz respeito à circulação de pessoas e ideias) favorecem o fenómeno subversivo. A conquista das populações hoje em dia envolve, pois, necessariamente o uso dos media. São utilizados de diversas formas: como difusores e amplificadores de ideias – força, através de todas as estruturas e tipos possíveis de propaganda, quer apoiem, directa ou indirectamente, a autoridade ou a subversão. Para desenvolver essas actividades, carecem de matéria explorável como o desencadear de acções violentas, os feitos e atitudes dos sujeitos da acção e seus aliados e os erros cometidos pelo adversário, entre outros, pretendendo organizar (se estiverem contra o Poder) o descrédito da autoridade estabelecida. Podem criar a imagem de que o Poder é opressor e não identificado com valores realmente nacionais, logo, apresentado como estrangeiro ou está submetido a este.

Procuraremos neste estudo evidenciar de uma forma geral como entre 1964-1974, procederam neste âmbito em Moçambique quer o Poder português quer a FRELIMO.

 
 

 




 



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