FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA
Os movimentos independentistas,
o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

Capítulo II - Os movimentos independentistas
Na ÁFRICA NEGRA E EM ESPECIAL NA GUINÉ PORTUGUESA

1. - Conceitos

Entendemos começar este capítulo por uma explicitação de alguns conceitos (sem pretendermos ser exaustivos) como: subversão, guerra subversiva, guerra de guerrilha, guerra revolucionária, guerra psicológica; conceitos estes que levantam algumas dúvidas no conhecimento geral.

A subversão, segundo Jorge de Miranda, é todo o “(...) ataque por forma insidiosa ou violenta, à ordem política e social estabelecida, tendo em vista substituí-la, a médio ou longo prazo, por outra (...)”(1). Para o francês Raymond Aron, esta “(...) consiste à susciter ou attisser le mécontentement des peuples, à exciter les masses contre les gouvernements, à provoquer ou à exploiter les émeutes, rébelions ou révoltes afin d´affaiblir les Etats rivaux et de reprendre certaines institutions plus encore que certaines idées (...)”(3). Para Roger Muchielli, esta é “(...) une technique d´affaiblissement du pouvoir et de démoralisation des citoyens (...)”(2).

Todas elas referem uma alteração da ordem e do Poder ou a sua conquista. Contudo, entendemos que nenhum analista consegue ser tão abrangente como Amaro Monteiro ao defini-la como “(...) o exercício de meios psicológicos assentes sobre valores sociomorais perfilhados pelas maiorias, visando, em geral por forma predominante e prolongadamente não-ostensiva, a queda ou controlo global ou parcial do Poder por minorias, num território ou em outro objectivo a atingir, acompanhando sindromatologias pré-revolucionárias (...)”(4); sendo, por isso, esta a definição adoptada por nós.

Por vezes, confunde-se o conceito de guerra subversiva com o de subversão. Mas nem sempre a subversão, como aqui é definida e adoptada por nós, conduz à guerra subversiva. Esta última, segundo Abel Cabral Couto, é: “(...) a prossecução da política de um grupo político por todos os meios, no interior de um dado território, com a adesão e participação activa de parte da população desse território (...)”(5). No entanto, a subversão antecede e acompanha a guerra subversiva; logo, consideramos a guerra subversiva igual a subversão armada.

A expressão guerra revolucionária também se confunde com a de guerra subversiva. Todavia, além dos conceitos já inseridos no conteúdo sobre a guerra subversiva, esta integra, para Franco Pinheiro, mais três características:

“(...)

1. É conduzida nos pressupostos do marxismo-leninismo;

2. Pretende, em última análise, a implantação do comunismo;

3. Utiliza uma amplitude de meios e processos, que vão da guerra convencional à guerra subversiva, ou simples aspectos de guerra fria, ou mesmo, o mero esquema de agitação/propaganda (...)” (6).

Segundo Amaro Monteiro, a estas podemos acrescentar uma quarta característica:

“(...) 4. Pratica o desenvolvimento lento, baseando a sua estratégia na guerra prolongada e no esgotamento da ordem constituída (...)”(7).

Apesar da destrinça realizada, frisamos que nem todas as guerras subversivas são revolucionárias, mas todas as guerras revolucionárias são subversivas. O domínio das primeiras é mais vasto do que o das segundas, dado que a acção subversiva, no projecto de tomada do Poder, se pode acomodar a qualquer ideologia, logo, também, à ideologia marxista/leninista e colocar-se, desta forma, “(...) ao serviço de qualquer conflito contra o Estado (...)”(8).

Para autores como Claude Delmas (9), que não identificam a guerra revolucionária com a implantação do comunismo, aquela visa, pelo menos, uma nova ordem político-social.

O conceito de guerrilha (10) corresponde a “(...) uma táctica adaptada às possibilidades psicológicas, geográficas e políticas, a uma relação de forças, (...)”(11), que emprega determinado tipo de meios e processos com um carácter restrito, na realização de operações militares. A guerra subversiva trava-se, em regra, no plano militar, sob a forma de guerrilhas. Porém, podem existir guerras subversivas sem operações de guerrilha (12).

A guerra psicológica serve-se da arma psicológica, ou seja, utiliza um conjunto de processos ou meios que se destinam a influenciar as crenças, os sentimentos e as opiniões da população, das autoridades e das forças armadas, por forma a condicionar e manipular, assim, o seu comportamento. A sua utilização será, logicamente, complementar a qualquer outro tipo de guerra (13).

É oportuno esclarecer que, daqui em diante, referiremos, indistintamente, guerra subversiva e guerra revolucionária; para o tema em análise, interessa-nos sobretudo o segundo conceito, pois a guerra travada no antigo Ultramar Português era subversiva e também revolucionária.

 

(1) Jorge de Miranda, “Subversão”, em “ Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura”, Ed. Verbo ,vol. 17, pág. 751.

(2) Raymond Aron, “Paix et Guerre Entre les Nations”, pág. 517, Calmann-Lévy, Collection “Liberté de L´esprit”, Paris, 1988.

(3) Roger Muchielli, “ La Subversion”, pág. 9, CLC, Paris, 1976.

(4) Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 22.

(5) Abel Cabral Couto, “Elementos de Estratégia - Apontamentos para um Curso”, vol. II, pág. 211, Instituto de Altos Estudos Militares, Lisboa, 1989. Os manuais militares entendem-na como a “(...) luta conduzida no interior de um dado território, por uma parte dos seus habitantes, ajudados e reforçados ou não do exterior, contra as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de paralisar a sua acção (...)”. Em Regulamento “O Exército na guerra subversiva”, Generalidades, pág. 1, Estado-Maior do Exército, Lisboa, 1966.

(6) Joaquim Franco Pinheiro, “Natureza e Fundamentos da Guerra Subversiva”, em “Subversão e Contra-Subversão”, pág. 21, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, nº. 62, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1963. Outros autores como Abel Cabral Couto, em op. cit., pág. 214, e a Comissão para o Estudo das Campanhas de África, na obra “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de África (1961-1974)”, pág. 50, Estado-Maior do Exército, Lisboa, 1990, defendem este pressuposto.

(7) Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 34.

(8) Roger Muchielli, ob. cit., pág. 56. No entanto, a obra da Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para o Estudo da Doutrina Aplicada nas Campanhas de África (1961-1974)”, apresenta um conceito do qual discordamos, e mesmo contrário ao defendido por nós. Entende a guerra revolucionária como mais abrangente do que a guerra subversiva, uma vez que defende que a guerra revolucionária pode “(...) compreender ou utilizar outras formas de guerra, sendo definida com maior precisão, dado estar ligada a uma concepção do Mundo e a técnicas particulares (...)”, pág. 52. A este propósito Sousa Lara refere que a guerra revolucionária se desenvolve a nível internacional e “(...) resulta normalmente da criação de um ou mais grupos, formados dentro das fronteiras de um Estado e à margem da sua lei que, pela via das armas, tenta substituir, através de uma pluralidade de meios de que disponha, o governo e o seu poder na totalidade ou numa parte do respectivo território (...)”. Em “A Subversão do Estado”, pág. 192, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 1987.

(9) Claude Delmas, “A Guerra Revolucionária”, págs. 19 a 21, Publicações Europa-América, Colecção Saber, Lisboa, 1975.

(10) Guerrilha, etimologicamente, significa pequena guerra. Considera-se que já César enfrentara a luta de guerrilhas nas Gálias e na Grã-Bretanha. A divulgação do termo ocorre a partir da luta dos guerrilheiros espanhóis contra os exércitos invasores de Napoleão I. Quanto a Portugal, ficaram conhecidas as “guerrilhas” do Remexido do Algarve, dos marçais de Foz Côa, entre outros. Veja-se, sobre o tema: Loureiro dos Santos, “Apontamentos de História para Militares - Evolução dos Sistemas de Coacção - Apontamentos para a História da Subversão em Portugal”, pág. 153 a 175, Instituto de Altos Estudos Militares, Lisboa, 1985.

(11) Claude Delmas, ob. cit., págs. 19 a 21.

(12) Abel Cabral Couto, ob. cit., pág. 213. Veja-se sobre as características da guerrilha: Sousa Lara, ob. cit., pág. 192 a 197, e Roger Muchielli, ob. cit., pág. 65.

(13) Um dos processos que utiliza será a Acção Psicológica, que o Regulamento “O Exército na Guerra Subversiva- III Acção Psicológica” define como: “(...) Acção que consiste na aplicação de um conjunto de diversas medidas, devidamente coordenadas, destinadas a influenciar as opiniões, os sentimentos, as crenças e, portanto, as atitudes e o comportamento dos meios amigos, neutros e adversos, com a finalidade de :

- Fortificar a determinação e o espírito combativo dos meios amigos;

- Esclarecer a opinião de uns e outros e contrariar a influência adversa sobre eles;

- Modificar a actividade dos meios adversos num sentido favorável aos objectivos a alcançar (...)”, pág. 1, Lisboa, 1966.

 
 

 




 



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