MAJOR MIGUEL GARCIA - DOUTRINADORES DA SUBVERSÃO (1)


1. - Conceitos

Entendemos começar este artigo por uma explicitação de alguns conceitos (sem pretendermos ser exaustivos) como: subversão, guerra subversiva, guerra de guerrilha, guerra revolucionária, guerra psicológica; conceitos estes que levantam algumas dúvidas no conhecimento geral.

A subversão, segundo Jorge de Miranda, é todo o “(...) ataque por forma insidiosa ou violenta, à ordem política e social estabelecida, tendo em vista substituí-la, a médio ou longo prazo, por outra (...)” (1). Para o francês Raymond Aron, esta “(...) consiste à susciter ou attisser le mécontentement des peuples, à exciter les masses contre les gouvernements, à provoquer ou à exploiter les émeutes, rébelions ou révoltes afin d´affaiblir les Etats rivaux et de reprendre certaines institutions plus encore que certaines idées (...)” (2). Para Roger Muchielli, esta é “(...) une technique d´affaiblissement du pouvoir et de démoralisation des citoyens (...)” (3).

Todas elas referem uma alteração da ordem e do Poder ou a sua conquista. Contudo, entendemos que nenhum analista consegue ser tão abrangente como Amaro Monteiro ao defini-la como “(...) o exercício de meios psicológicos assentes sobre valores sociomorais perfilhados pelas maiorias, visando, em geral por forma predominante e prolongadamente não-ostensiva, a queda ou controlo global ou parcial do Poder por minorias, num território ou em outro objectivo a atingir, acompanhando sindromatologias pré-revolucionárias (...)” (4); sendo, por isso, esta a definição adoptada por nós.

Por vezes, confunde-se o conceito de guerra subversiva com o de subversão. Mas nem sempre a subversão, como aqui é definida e adoptada por nós, conduz à guerra subversiva. Esta última, segundo Abel Cabral Couto, é: “(...) a prossecução da política de um grupo político por todos os meios, no interior de um dado território, com a adesão e participação activa de parte da população desse território (...)” (5). No entanto, a subversão antecede e acompanha a guerra subversiva; logo, consideramos a guerra subversiva igual a subversão armada.

A expressão guerra revolucionária também se confunde com a de guerra subversiva. Todavia, além dos conceitos já inseridos no conteúdo sobre a guerra subversiva, esta integra, para Franco Pinheiro, mais três características:

“(...)

1. É conduzida nos pressupostos do marxismo-leninismo;

2. Pretende, em última análise, a implantação do comunismo;

3. Utiliza uma amplitude de meios e processos, que vão da guerra convencional à guerra subversiva, ou simples aspectos de guerra fria, ou mesmo, o mero esquema de agitação/propaganda (...)” (6)

Segundo Amaro Monteiro, a estas podemos acrescentar uma quarta característica:

“(...) 4. Pratica o desenvolvimento lento, baseando a sua estratégia na guerra prolongada e no esgotamento da ordem constituída (...)” (7).

Apesar da destrinça realizada, frisamos que nem todas as guerras subversivas são revolucionárias, mas todas as guerras revolucionárias são subversivas. O domínio das primeiras é mais vasto do que o das segundas, dado que a acção subversiva, no projecto de tomada do Poder, se pode acomodar a qualquer ideologia, logo, também, à ideologia marxista/leninista e colocar-se, desta forma, “(...) ao serviço de qualquer conflito contra o Estado (...)” (8).

Para autores como Claude Delmas (9), que não identificam a guerra revolucionária com a implantação do comunismo, aquela visa, pelo menos, uma nova ordem político-social.

O conceito de guerrilha (10) corresponde a “(...) uma táctica adaptada às possibilidades psicológicas, geográficas e políticas, a uma relação de forças, (...)” (11), que emprega determinado tipo de meios e processos com um carácter restrito, na realização de operações militares. A guerra subversiva trava-se, em regra, no plano militar, sob a forma de guerrilhas. Porém, podem existir guerras subversivas sem operações de guerrilha (12).

A guerra psicológica serve-se da arma psicológica, ou seja, utiliza um conjunto de processos ou meios que se destinam a influenciar as crenças, os sentimentos e as opiniões da população, das autoridades e das forças armadas, por forma a condicionar e manipular, assim, o seu comportamento. A sua utilização será, logicamente, complementar a qualquer outro tipo de guerra (13).

É oportuno esclarecer que, daqui em diante, referiremos, indistintamente, guerra subversiva e guerra revolucionária; para o tema em análise, interessa-nos sobretudo o segundo conceito, pois a guerra travada no antigo Ultramar Português era subversiva e também revolucionária.

2. Doutrinadores Clássicos

Compete-nos agora abordar os principais percussores da subversão. Iniciamos pela apresentação de doutrinadores clássicos, Sun Tzu, Maquiavel, Clausewitz, e numa segunda fase abordaremos os doutrinadores contemporâneos como Lenine, Mao Tse-Tung, Giap e Debray.

Detenhamo-nos com algum promenor em Sun Tzu, pensador militar chinês que se pensa ter vivido entre 552 a.c. e 249 a.c..

A sua obra principal "A Arte da Guerra", constitui o mais antigo tratado da guerra de que se tem conhecimento e, segundo Liddel Hart, nesta pequena obra está "(…) contido quase tudo acerca dos fundamentos da estratégia e da táctica (…)" (14).

Esta obra dada a conhecer aos Ocidentais pelo padre J.Amiot, missionário jesuita, cuja versão conhecida e consagrada da "A Arte da Guerra" composta por treze capítulos, foi publicada pela primeira vez em Paris no ano de 1772. Permanece actualizada, pois neste findar de século e de milénio, em que impera a tecnologia, inúmeros conflitos se disputaram/disputam baseados numa técnica muito simples - a guerra subversiva - perfeitamente decalcadados nos ensinamentos de Sun Tzu enunciados 500 anos a.c.15.

Dos seus treze capítulos nem todos são relevantes para a temática, pelo que destacaremos apenas os que em nosso entender podem servir como antecedentes à guerra subversiva.

Assim no Cap. I o autor começa por referir que "(…) a guerra é um assunto de importância vital para o estado (…)" (16) o que implica o seu cuidadoso estudo referindo então os cinco factores fundamentais da guerra por ordem decrescente, a influência moral, a meteorologia, o terreno, o comando e a doutrina.

Consideramos estes cinco factores como de vital importância nos conflitos subversivos africanos, uma vez que as guerras, nomeadamente a da Guiné, assentavam numa doutrina maoista da subversão, e segundo Samuel Griffith, Sun Tzu exerceu uma grande influência em Mao Tse-Tung (17), daí a fundamental importância do seu estudo.

A moral entendida como, "(…) aquela que faz com que o povo esteja de acordo com os seus chefes e assim os acompanhe em vida e até à morte, sem medo de perigo mortal (…)" (18) é um factor determinante para qualquer combatente desempenhar a sua função, e é também factor a afectar no adversário para assim se obter pela lassidão a sua consequente derrota.

Na Guiné, procurou a subversão/contra-subversão elevar a moral dos seus combatentes recorrendo a primeira, à promessa da independência, a segunda, na administração portuguesa, pelo menos inicialmente encontrava-se enraizada a convicção de Portugal unitário do Minho a Timor, disputava-se um conflito justificado pelas partes de legítimo, ambas procuraram derrubar o adversário moralmente. Salientamos que a valorização deste facto é um dos pilares base de toda a teoria da guerrilha marxista, nomeadamente as de origem maoista que no século XX retomaram a análise de Sun Tzu.

O segundo factor enunciado pelo pensador chinês teve influência nomeadamente nos soldados oriundos do território continental, uma vez que o clima na Guiné é muito diferente do de Portugal Continental: duas estações distintas, a das chuvas e a seca, uma temperatura no geral elevada, um índice de Humidade elevadíssimo, entre outras características de um clima tropical, que provocavam um grande desgaste físico e psicológico aos indivíduos a que com ele não estavam identificados, favorecendo assim os restantes, ou seja, os aborígenes que desencadeavam a guerra revolucionária.

O terceiro factor, podemos encará-lo em duas vertentes, o terreno físico e o terreno humano. O primeiro com características que dificultavam o desencadear de operações militares, favorecendo assim a guerrilha, mas a dificuldade maior estava sobretudo nesta nova forma de terreno que é necessário conhecer e interpretar; quanto a este campo vital para a guerra em questão, a resposta à acção subversiva armada foi, apesar do grande e dilatado esforço, lenta nas aplicações. Não usou frequentemente um enorme repositório de conhecimentos, favorecendo desta forma os movimentos independentistas na sua manobra.

Verificaram-se na Guiné a obediência a alguns dos critérios estabelecidos por Sun Tzu quanto ao comando, tanto para a administração portuguesa como para o PAIGC. A partir de 1968, ano da tomada de posse do General Spínola como Governador e Comandante Chefe da Guiné, o Poder português passou a desenvolver uma contra-subversão baseada na acção sócio-económica; o General, para além das inegáveis qualidades militares já anteriormente demonstradas (factor determinante para a moral dos seus subordinados) obteve por parte da população da Guiné uma notável admiração. Por outro lado, Amilcar Cabral, líder carismático e com um elevado prestígio quer a nível interno quer externo. Ambos agarraram todas as oportunidades sempre que estas surgiam para assim conquistarem a opinião pública internacional e a população local.

O quinto e último factor mencionado por Sun Tzu, a doutrina, enquadra-se perfeitamente no teatro de operações da Guiné. Competia ao Poder português conduzir uma contra-subversão face aos movimentos independentistas no território, mas nunca esquecendo que "(…) a acção do PAIGC é decalcada das teorias do chinês Mao Tsé-Tung (…)" (19). Portugal publicou o primeiro regulamento intitulado "O Exército na Guerra Subversiva", repartido por cinco volumes, em 1963, contudo já nos finais dos anos 50 começavam as preocupações dos altos responsáveis portugueses acerca do Ultramar, alterando-se o dispositivo e exercendo-se o esforço militar em África, e foram encarados alguns preparativos ao nível das Forças Armadas para a contra guerrilha, de forma que quando "(…) em 1961 deflagrou a violência subversiva em Angola, já existia no Exército, ainda que incipiente, uma doutrina táctica da subversão, baseada no estudo e adaptação das doutrinas francesa e britânica (…)" (20).

Destacamos do factor doutrina alguns princípios base para a subversão:

  • a previsão de qual das partes será a vitoriosa e qual a derrotada;
  • a decepção, pois "(…) toda a guerra é baseada na decepção (…)" (21);
  • da simulação, "(…) quando capaz, fingir incapacidade; quando activo, inactividade (…)" (22);
  • da guerra psicológica,"(…) enfureça-se o seu general e confunde-o (…)" (23);
  • da surpresa, “(…) ataca quando ele não estiver preparado; investe quando ele não te espera (…)" (24);
  • da lassidão, "(…) mantêm-no sob tensão e desgasta-o (…)" (25), esta, como vimos de uma actualidade irrecusável na técnica subversiva.

Os princípios esquematizados por Sun Tzu, só no Séc. XX, com a moderna guerra subversiva, adquiriram nova importância, uma vez que durante séculos foram "(…) preteridos em favor de uma guerra frontal, aberta, guiada por códigos de honra e princípios de ética (…)" (26).

Neste capítulo parece interessante salientar uma passagem da obra que refere "(…) A terra é o alicerce do Estado. Como é que podemos aliená-la (…)" (27), princípio este enraízado no Poder Português, e nos movimentos independentistas, com pretensões a alcançarem um Estado, serviria de justificativo suficiente para conquista das populações e do respectivo território. Na Guiné, o PAIGC acabou não só por proclamar unilateralmente a independência, mas também por ser reconhecido como o único representante do Povo daquele território; era um conflito pela terra a não perder ou a ganhar, dependendo da perspectiva em que a problemática era observada.

O segundo capítulo, intitulado " Fazer a Guerra ", é esclarecedor quanto à morosidade de uma campanha; o autor condena as operações prolongadas uma vez que "(…) A vitória é o principal objectivo na guerra (…)" (28); por outro lado, a demora em alcançá-la provoca : "(…) as armas ficam rombas e o moral abatido (…)" (29) e "(…) quando o exército se empenha numa campanha demorada não bastarão os recursos do estado (…)" (30); além disso "(…) não há nenhuma guerra prolongada da qual algum país tenha beneficiado (…)" (31), contrapondo assim com a velocidade de resolução das campanhas que nos é elucidada com a máxima "(…) Um ataque pode não ser engenhoso, mas deve ser lançado com velocidade sobrenatural (…)" (32).

Depreendemos, após conjugarmos o que Sun Tzu disse que, a sua opção se baseava em dois argumentos, o desgaste do material e, um outro desgaste, o psicológico originado quer nas forças armadas quer na população.

Quanto à guerra na Guiné e nas outras províncias ultramarinas portuguesas, veja-se como Portugal, país penetrado pelo Quinta Colunismo, a sustentar a guerra revolucionária durante treze anos e em três teatros de operações distintos e distanciados entre si , suportando constantes pressões internacionais no tocante à autodeterminação, situação que pelo prolongar das operações só favoreceu os movimentos independentistas, até que o poder desgastado se esboroou em Portugal com o 25 de Abril de 1974, alcançando pouco depois os territórios em luta a pretensa/completa independência, pretensa uma vez que a ideia força do regime se baseava em que, sendo as províncias Ultramarinas partes integrantes de um todo independente, elas já o eram, «ipso facto», independentes nessa realidade intrínseca 33, e note-se que militarmente em Angola a guerra encaminhava-se para o fim, "por exaustão militar e política"34, dos movimentos independentistas, em Moçambique uma vez alcançada a vitória em Angola, "(…) a subversão teria os dias contados (…)" (35); na Guiné o panorama militar era contudo mais complicado, "(…) o reforço possível dos meios, não era pois fácil. Porém, com o problema de Angola resolvido, não seria certamente difícil chegar a esquemas que conduzissem a um resultado aceitável em face das circunstâncias políticas que se esboçavam (…)" (36), portanto de solução para o poder português.

Ainda no capítulo II da obra de Sun Tzu, é de referir a alusão ao tratamento dos prisioneiros de guerra, "(…) trata os prisioneiros de guerra bem e trata deles (…)" (37), situação que no mundo ocidental só foi regulada pela convenção de Genebra em 12 de Agosto de 1949, e, para as vítimas de conflitos nacionais/internacionais, só em 8 de junho de 1977 com os Protocolos adicionais à convenção de Genebra de 1949, respectivamente I e II protocolos, voltaremos a este assunto ainda neste capítulo.

No Cap.III, "Estratégia Ofensiva", encontramos alguns pontos que merecem referência para o estudo da subversão.

Para Sun Tzu, o cúmulo da perícia é "(…) subjugar o inimigo sem o combater (…)" (38); neste âmbito aproveita à subversão a derrota do adversário pela conquista das populações, pois o combate de elementos armados pode ser desvantajoso numérica e materialmente; os movimentos independentistas no ex-Ultramar Português atacavam a estratégia do Poder Português (39), procuravam dissociá-lo da opinião pública e denunciavam actividades deste e dos seus aliados como manobras de propaganda (40). Em seguida procuraram sempre "romper-lhe as suas alianças" (41), procurando enfraquecer Portugal a nível internacional, logo depois o quinta colunismo penetrou nas Forças Armadas (42), desencadeando o 25 de Abril.

Neste capítulo o autor renova a sua condenação às operações prolongadas e define o ataque como rigorosamente restrito aos casos em que o atacante garante a superioridade (43) e refere um conceito que, tal como o anterior, conforme se verá, foi absorvido pela doutrina maoista, "(…) se ignorante de ambos, do inimigo e de ti próprio, estarás de certeza em perigo em todas as batalhas (…)" (44), situação em que, no Ultramar português, apesar do conhecimento dos movimentos independentistas e da sua doutrina, a reacção portuguesa foi lenta; no entanto procurou sempre nesta disputa pela população preservar a que tinha sob seu controlo, dissociar o binómio população inimigo e captar população sob duplo controlo, através de uma intensa manobra psicológica (45).

No capítulo V, "Energia", continua o autor, que o facto de um exército aguentar um ataque inimigo "(…) sem sofrer derrota, é porque actua com forças extraordinárias e normais (…)" (46), pressupondo assim a existência de dois tipos de força, as forças chi e as forças cheng, sendo a primeira extraordinária e indirecta, na qual cabem toda a psicologia e toda a arte de ludíbrio, e a segunda normal e directa, utilizando-se a primeira extensivamente por forma a enfraquecer o inimigo até que este atinja um ponto em que a mínima força cheng seja necessária para o derrubar; no fundo, subjugar o inimigo sem luta.

Sun Tzu refere o momento do ataque e a necessidade de saber esperar para discernir um ataque regulado, assim como a manobra subversiva espera o momento ideal, a oportunidade para florescer e, quanto ao emprego das tropas "(…) deve tirar-se vantagem da situação exactamente como se estivesse por uma bola em movimento num plano inclinado (…)" (47).

"Fraquezas e Forças" é o nome do sexto capítulo; dele consideramos apenas de destaque para a guerra subversiva/revolucionária no seu todo ou só na vertente de luta armada, a guerrilha, o facto de ser aconselhada a não repetição da mesma táctica após a conquista de uma vitória, mas actuar "(…) perante os acontecimentos com uma variedade infinita de acções (…)" (48).

Para Samuel Griffith (49) Sun Tzu foi o primeiro proponente da guerra psicológica; é de facto no Cap.VII, "Manobra", que ressalta Sun Tzu de forma constante a importância da superioridade moral/psicológica de quem ataca sobre quem defende, factor este tido como condicionante de vitória.

"(…) Marcha para uma estrada directa e diverte o inimigo (…)" (50), uma vez que "(…) a guerra é baseada na decepção (…)" (51) mas devem empregar -se "(…) archotes e tambores (...) distintivos e bandeiras, em ordem a influenciar as vistas e os ouvidos das nossas tropas (…)" (52) e acrescenta "(…) os hábeis na guerra evitam o inimigo quando o seu espírito está perspicaz e atacam-no quando está frouxo e os seus soldados saudosos (…)" (53) e alerta para o "controlo dos factores mentais" (54) através da paciência e da calma. Considerando assim Sun Tzu a moral um objectivo primordial, uma vez que reduzindo este atingir-se-á o colapso militar.

De igual modo a subversão/contra-subversão procuram sempre a diminuição do nível moral e o descrédito do adversário pelo desencadear de uma intensa Apsic.

O Cap. VII, "As Nove Variáveis", apesar de não conter elementos inovadores de destaque para a guerra subversiva, parece-nos oportuno referir que "(…) Isto não é uma doutrina baseada no pressuposto de que o inimigo virá, mas sim contando com a prontidão para o encontrar; não supor que ele não atacará, mas antes tornar-se a si próprio invencível (…)" (55).

O estar à espera de um adversário implica um serviço de informações montado para prestar um apoio isento e esclarecido aos órgãos de soberania; aqueles que têm por obrigação manter a integridade do território e das suas fronteiras, sempre carentes de um conhecimento oportuno e o mais completo possível das ameaças ou actividades hostis, para poder orientar o dispositivo e a prontidão dos meios de defesa.

Assim, em 1950 foi organizada e estabelecida a SGDN (56) (Secretaria Geral de Defesa Nacional), comportando uma 2ª repartição com a incumbência entre outras de estabelecer e accionar os Serviços de Informação Estratégicos. Em 1954 reorganizou-se a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado (57). Entretanto em agosto de 1956 foi publicada a "Lei da Organização da Nação para a Guerra” (58), que criou o Conselho Superior Militar; na base XXI atribuía ao governo a competência para orientar tudo o que respeitasse à segurança interna e às actividades de carácter informativo que interessassem à defesa nacional, designadamente no que se refere à prevenção de actos de subversão, à repressão da espionagem e dos actos de entendimento com o inimigo, à manutenção da ordem pública, aos refugiados e à guarda dos elementos e serviços vitais da ecónomia nacional.

Quando do despoletar dos acontecimentos em Angola, já existia uma doutrina contra-subversiva, ainda que incipiente; mas as estruturas consentidas no campo das informações já estavam criadas, mesmo que aquém das necessidades, por isso "(…) não podemos dizer que tivéssemos sido surpreendidos com os acontecimentos em Angola; na SGDN, na altura já chamado Gabinete dos Negócios Políticos de Ministério do Ultramar e na Direcção Geral dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ninguém foi surpreendido (…)” (59).

Para não perder a sequência lógica entendemos abordar já o último capítulo, "Emprego de Agentes Subversivos", com especial interesse para a subversão e para as actividades de informação.

"(…) A chamada «presciência» ou «previsão» não pode ser deduzida dos espíritos, nem dos deuses, nem por analogia com os actividades passadas, nem por cálculos. Elas devem ser obtidas dos homens que conhecem a situação do inimigo (…)" (60); este parágrafo encerra uma verdade flagrante e actual, e só vem consolidar o exposto nos parágrafos anteriores quanto à necessidade de informações. Estas para Sun Tzu podem ser obtidas por cinco espécies de agentes secretos: o nativo, o interior, o duplo, o queimável e o vivente.

Estes agentes, que no fenómeno subversivo são designados por agentes subversivos, podem ser empregues em simultâneo, mas não podem "(…) être suspect (...) on ne peut pas facilement le démasquer (…)" (61).

Os agentes secretos/subversivos conduzem um conjunto de actividades subversivas, devem prestar o serviço mesmo que seja necessário "(…) suborná-los para nos servirem (…)" (62) ou seja, o suborno é previsto sempre que necessário para a obtenção de um determinado serviço, que pode ser o de alterar informações, corromper ou subverter oficiais ou "(…) exacerbar a discórdia interna e fomentar o Quinta Colunismo (…)" (63).

O capítulo que encerra o livro termina com um parágrafo onde Sun Tzu demonstra que o emprego de agentes secretos é imprescindível em qualquer conflito, "(…) e portanto, somente um soberano iluminado e um general valoroso é que são capazes de empregar as pessoas mais inteligentes como agentes e estarem certos de alcançar grandes resultados (…)" (64).

2.2 Maquiavel

Maquiavel nasceu e morreu no período do Renascimento, caído em desgraça é preso e escreve a sua obra fundamenta "O Príncipe", que dedica a Lourenço de Médecis, detentor do Poder em Florença.

Inicialmente procurou nesta obra, limitando-se à circunstância italiana, encontrar "(…) um processo que permita fazer reinar a ordem e instituir um Estado duradouro (…)" (65), mas a sua reflexão vai ultrapassar esta ideia inicial e tornar-se numa meditação profunda sobre a forma como se relacionam os vários principados bem como "(…) sobre as regras de acção que um Estado deve impor nas suas relações com o exterior (…)" (66).

Pela breve análise que se segue, perceberemos que a sua teoria é aplicável a todas as épocas. Contrariamente ao feito com o estudo de Sun Tzu, a análise desta obra não segue um método ordenado capítulo a capítulo; sempre que entendemos necessário executámos saltos lógicos entre capítulos, relacionando-os.

De relevo para o fenómemo subversivo destacamos desde já uma passagem que é a expressão da actualidade do pensamento de Maquiavel; "(…) por muito forte que seja o exército que se disponha, é sempre necessário para entrar numa província, o favor dos habitantes (…)" (67), a conquista tem de ser não só territorial mas acima de tudo a conquista das populações, elemento fundamental para a subversão se desenvolver, esta hoje será feita pelos processos já referidos, no entanto, "(…) tendo reconquistado pela segunda vez as províncias revoltadas, é mais difícil perdê-las, pois o senhor, aproveitando-se da rebelião, sente menos escrúpulos em obter a sua segurança por meio de castigo dos culpados (…)" (68); ou seja, a repressão é aqui considerada como inibidora da subversão, o que nos conduz a que o fenómeno subversivo pode ter solução pela via repressiva, pela força, ou a subversão pode ser imposta pelo terror, mudo ou não.

Referimos já a disputa do controlo das populações no teatro de operações da Guiné, disputa desencadeada por uma intensa APsic; Maquiavel reforça a ideia e, transpondo-nos para a situação na Guiné, onde os movimentos independentistas não hesitavam em exercer represálias nas povoações que deixavam de controlar, bem como quando da conquista/reconquista de uma povoação, a repressão também era exercida (69).

No que concerne ainda à conquista das populações, Maquiavel faz alusão ao papel representado por Moisés para o povo oprimido de Israel, assim "os povos oprimidos" de todo o mundo esperam que surja um líder que os conduza para a libertação; no caso dos movimentos independentistas, estes carecem também de um líder que crie, organize, dirija e controle o movimento; na Guiné, este procedia de uma élite ocidentalizada e era engenheiro agrónomo, mas detalharemos mais sobre Amilcar Cabral ainda neste capítulo quando referirmos a constituição do PAIGC:

Maquiavel afirma que "(…) a natureza dos povos é mutável, e se é difícil persuadi-los a uma coisa, torna-se difícil mantê-los nessa persuasão (…)" (70); assim há que aproveitar o momento oportuno para desencadear o ataque ao poder formal, após persuadir um povo, antes que este mude de opinião, deve ser desferrado o golpe de tomada/manipulação do poder, fase última dessa técnica de corrosão dos poderes formais que é a subversão.

Na Guiné Angola e Moçambique, o 25 de Abril de 1974, criou a situação que os movimentos independentistas aproveitaram, o Poder socumbiu em Portugal por várias razões, aproveitando os referidos movimentos o momento para a tomada do poder, as independências desencadearam-se num curto espaço de tempo e só na Guiné não conduziu a uma guerra civil para a disputa do poder.

Esta situação faz lembrar novamente Maquiavel: "(…) os homens mudam de bom grado de senhor, convencidos que vão encontrar melhor. Esta opinião leva-os a pegar em armas contra o seu príncipe, no que se iludem, pois a experiência ensina-lhes, no fim, que tornaram a situação ainda pior (…)" (71); passagem que nos parece perfeitamente esclarecedora e a não carecer de comentários.

O autor desenvolve no Cap. XIII, "Dos soldados auxiliares mistos e próprios", uma teoria que também se aplica à prática da guerra revolucionária nas ex-Províncias Ultramarinas Portuguesas. Os movimentos independentistas destes novos países eram apoiados do exterior, independentemente do sinal da sua concreta precedência idiológica que só muitas vezes foi perceptível após perguntar a quem aproveitou ele no jogo dos grandes blocos; mas como ficou verificado após a independência destes países, o facto de recorrerem a apoios de variadas formas no exterior teve as consequências já referidas por Maquiavel, senão vejamos:

"(…) Júlio, (...) contra Ferrara, recorreu às armas auxiliares (...) este género de armas pode muito bem ser bom e proveitoso em si mesmo, mas é quase sempre prejudicial àqueles que a ela recorrem; se se perde fica-se vencido, se se ganha fica-se prisioneiro delas (…)" (72), depois o autor dá o exemplo grego, onde após o auxílio prestado pelos turcos, muitos acabaram por ficar sendo este o primeiro passo para "subjugarem a Grécia" (73); considera estas tropas mais perigosas que as mercenárias conclui "(…) se um principado não for bem guarnecido pelos seus próprios homens de armas, jamais estará em segurança (…)" (74). Na Guiné o apoio soviético e cubano ao PAIGC foi, como veremos, exepcional, aparecendo inclusivamente em algumas operações elementos cubanos, situação que se acentuou após os acordos de Argel.

Este apoio que, pela importância geoestratégica dos territórios em causa não podia ser um apoio sem interresses, pois lembramos que a Guiné e Cabo Verde detêm uma posição de todo o interesse no Atlântico. O continente insere-se na área do corredor francófono que liga Marrocos ao Golfo da Guiné; o arquipélago está em situação susceptível de influenciar as rotas N/S; um e outro dos territórios encontram-se relativamente próximos da costa NE brasileira, permitindo, a esta, papel eventualmente determinante entre duas áreas do Atlântico, pois não esqueçamos que a NATO considerou o Sul como a sua periferia natural; era mais uma periferia de desempate entre as duas superpotências.

Se um príncipe não pretende ficar sem Estado "(…) não deve ter outro objectivo nem outro pensamento, nem tomar a peito outra matéria, que não seja a arte da guerra (…)" (75), caso contrário ficará sem ele, ao passo que este pensamento é a "(…) causa que permite ganhar outros, e fazer dela ofício (…)" (76), não pretendemos dizer com isto que se um Estado pretende continuar soberano deva viver em função da guerra e militarizado, não, mas deve sim ter alguma capacidade militar para em tempo oportuno responder às necessidades apresentadas; para ser capaz de tão complexa tarefa deve o Estado, dispor de um eficiente serviço de informações e de uma notável capacidade de mobilização.

Na mesma linha de pensamento de Sun Tzu, Maquiavel refere a necessidade de o príncipe estar sempre informado, "(…) os príncipes sensatos devem fazer, isto é, pensar nas desordens futuras, e não só nas presentes, e, servir-se de toda a habilidade para as evitar, pois certo é que prevendo-as à distância mais facilmente as remedeiam (…)" (77), e acrescenta, "(…) o mal é fácil de curar e difícil de diagnosticar, mas não sendo diagnosticado nem curado, torna-se com o tempo, fácil de diagnosticar e difícil de curar (…)" (78); atente-se para a verdade destas palavras agora no México com os indios guerrilheiros do sub-comandante Marcos.

Lembramos que em qualquer tipo de guerra as informações são um elemento indispensável, de vital importância. Já antes da subversão armada, em Portugal, tanto no Ultramar como na Metrópole, várias instituições dispunham de um serviço de informações próprio, mas apesar de colaborarem mais ou menos estreitamente, era necessário criar um serviço que centralizasse e uniformizasse as informações. Quando o General Venâncio Deslandes foi nomeado para o cargo de Governador Geral e Comandante Chefe das Forças Armadas em Angola, foi decidido criar um verdadeiro SCCI (Serviço de Coordenação e Centralização de Informações) (79), sendo interessante verificar que os SCCIG (Guiné) só vieram a organizar-se em 1969.

A propósito dos incidentes no Norte de Angola, a actuação da administração Portuguesa não se enquadra no espírito de Maquiavel, "(…) não se deve deixar eclodir uma grave rebelião para fugir a uma guerra, pois isso equivale apenas a adiá-la, com desvantagens (…)" (80), uma vez que em 1960 a 2ª repartição do Quartel General da Região Militar de Angola era conhecedora da ameaça através da captura de um plano do MPLA, para desencadear acções violentas para o dia 30 de Março de 1961, e também a 3 de Março de 1961, informações veiculadas através dos serviços de informações norte-americanos, classificadas de muito seguras, relativas à actuação da UPA em 15 do mesmo Mês, são arquivadas no Quartel General (81).

É um facto que as datas dos incidentes em Angola e da reprovação da moção da Libéria no Conselho de Segurança das Nações Unidas são coincidentes, que Portugal enfrentava movimentos independentistas com apoio/fomento internacional, com suporte idiológico, com estruturas de apoio no exterior e com uma grande utilização dos meios de comunicação social, contudo, mesmo não tendo sido apanhados de surpresa, e com um contexto internacional tão desfavorável, a acção sócio-económica poderia ou ter sido antecipada, ou a rebelião reprimida antes de se revelar, pois assim, de acordo com Maquiavel, para fugir à guerra, Portugal terá adiado o problema, ficando em desvantagem; pois é falsa a premissa que a guerra subversiva só tem solução política, como procuraremos demonstrar ainda neste capítulo.

Cremos serem relevantes quanto aos fenómenos colonização/subversão/descolonização, as seguintes passagens: "(…) o desejo de conquistar é uma coisa muito comum e de acordo com a natureza (…)" (82); por outro lado "(…) quando se conquistam estados a uma Nação diferente em linguagem, costumes e governo, então o caso é difícil e torna-se necessário estar nas boas graças da fortuna e demonstrar grande habilidade (…)" (83), mas é fundamental nestes países conquistados que "(…) estão habituados a viver segundo as suas leis e em liberdade (…)" (84), ter presente que são três as maneiras de conservar a sua posse: ou a destruição, ou viver neles pessoalmente ou "(…) deixá-los viver segundo as suas leis e cobrar um tributo, depois de formar um governo de poucas pessoas que conservem a sua amizade (…)".

Na Guiné a instituição dos règulados é anterior à chegada dos portugueses. De início era reconhecida pelas autoridades, como uma organização tradicional africana, mas cedo passou a ser um meio de que a administração portuguesa dispunha para orientar todas as relações com as populações autóctones, processadas através dos respectivos chefes. Nem sempre este sistema se revelou eficaz, dois interesses políticos com interesses diferenciados radicados na diferenciação cultural eram postos em confronto. Em Portugal surgiu a teoria "dividir para reinar", e assim umas vezes mostrava-se impassível nas lutas entre os régulos ou o apoio a um em desfavor dos outros, sempre que se pretendia um equilíbrio das forças em presença (85).

Só no Século XX, com as campanhas de pacificação de Teixeira Pinto, é que a soberania portuguesa foi reconhecida com a sequente perda de prestígio e mesmo o desmembrar e extinção dos règulados. Portugal por um lado pretendia com o Estatuto do Indigenato e mesmo após este, a influência dos régulos como autoridade tradicional, mas sem de tal se aperceber actuava em favor da subversão ao criar novos règulados com chefias autóctones fiéis à autoridade mas sem prestígio entre as populações, como o caso de colocar "elementos Fulas em règulados Mandingas ou em regiões habitadas por sociedades acéfalas" (86) como os Balantas; estas rivalidades eram logicamente aproveitadas pelo PAIGC, que lançava ataques sobre as povoações que apoiavam a situação, integrando nas suas fileiras os descontentes e os vencidos .

Maquiavel referia que "(…) vivendo nos Estados conquistados, vê-se nascer as desordens e pode-se imediatamente sufocá-las (…)" (87); um outro remédio é “(…) enviar colónias (...) ou meter lá uma força de Homens de armas (…)" (88) sendo a primeira menos dispendiosa.

No Cap. VIII, "Da Crueldade e da Clemência e de qual é melhor: Ser Amado ou Temido", Maquiavel faz referência à preferência de ser temido a ser amado, pois é muito mais seguro, mas é o principe novo que "(…) tem mais dificuldades em evitar a fama de cruel (…)" (89); na Guiné a subversão e as Nações Unidas, além de considerarem Portugal como ocupante ilegal e opressor, entre outras, ou inclusive, consideravam alguns dos elementos da administração/forças armadas como criminosos pelos actos cometidos e exploravam a situação ao nível da Apsic, através da comunicação social.

"(…) Há uma coisa que se pode dizer de uma maneira geral, de todos os Homens: que são ingratos, mutáveis, dissimulados, inimigos do perigo, ávidos de ganhar. Enquanto lhes fazes bem, são teus , oferecem-te o seu sangue, os seus bens a sua vida eos seus filhos (...) porque a necessidade é futura; mas quando ela se aproxima, furtam-se e o principe está perdido (…)" (90). Este parágrafo tem uma aplicação plena no caso da guerra da Guiné, pois os elementos do PAIGC, nas povoações sob duplo controlo ou sob controlo da administração portuguesa, durante o dia circulavam e viviam pacificamente, utilizavam os serviços administrativos como o hospital e o médico e, durante a noite, pegavam nas armas e actuavam na guerrilha.

Para situações destas, Maquiavel aconselha, uma vez que os Homens "(…) Hesitam menos em prejudicar um homem que se torna amado do que outro que se torna temido (…)" (91), razão pela qual o Príncipe se deve tornar temido para "(…)se não conseguir a amizade, possa pelo menos fugir à inimizade (…)" (92), pois pode-se ser temido sem se ser odiado.

Finalizamos esta pequena análise de Maquiavel com proveito para a subversão com o parágrafo:

"(…) Existem duas maneiras de combater: pelas leis e pela força: A primeira é própria dos homens; a segunda é própria dos animais . Mas como muitas vezes aquela não chega, há que recorrer a esta (…)" (93).

No fundo é o que a subversão faz, considerando o sistema vigente inoperante/incapaz/corrupto, procurando principalmente derrubar ou pelo menos manipular esse sistema, não podendo a contra-subversão, pela sua ética baseada em "(…) princípios de autoridade, coesão moral da nação e no potêncial militar existente e não existente (…)" (94), actuar fora das leis em vigor, sendo assim uma luta desleal com diferentes regras para os jogadores.

2.3 Clausewitz

O General Karl von Clausewitz (1780/1831), oficial Prussiano e talvez o filósofo militar ainda hoje mais conhecido no mundo ocidental, escreveu a sua obra principal "Von Kriege" (Da Guerra), à qual, segundo Raymond Aron, consagrou "(…) ses forces et ses loisirs (…)" (95). Esta obra destinava-se às gerações futuras, razão pela qual só foi editada postumamente em 1832 pela sua esposa.

Nesta referência a Clausewitz pretendemos somente evidenciar os factos da obra referida que directa ou indirectamente se podem relacionar com a guerra subversiva/revolucionária.

Desactualizado ou não pela evolução histórica, ele foi influenciar quer os autores da teoria da guerra pertencentes às escolas liberais, quer os de filiação marxista /leninista.

São diversas as opiniões sobre a influência de Clausewitz na guerra de guerrilha (96), contudo, na nossa leitura, parece ser possível apoiar a teoria da guerra subversiva/revolucionária na teoria da guerra de Clausewitz, apesar de estar inteiramente fora da perspectiva do sistema militar internacional (97); por um lado porque a guerra possui um conceito imaginado por Clausewitz mais abrangente, por outro, a subversão tal como a guerra entendida por Clausewitz, destina-se a "forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade" (98), no entanto, quanto aos processos utilizados, para a subversão podem ser ou não violentos, enquanto que para o General eles seriam sempre violentos.

Para Clausewítz a guerra "(…) não é somente um acto político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios (…) " (99), e acrescenta, "(…) é apenas uma parte das relações políticas, e por conseguinte de modo algum qualquer coisa de independente (…)" (100); porém, a guerra em si não faz cessar essas relações políticas (101). Sem dúvida que a guerra subversiva/revolucionária continua a política por outros meios, uma vez que, como vimos, a guerra revolucionária, através de uma estratégia maximalísta, pretende em última análise a implantação do sistema marxista/leninista, pela prática de um desenvolvimento lento, de guerra prolongada e, de esgotamento da ordem constituída, ou seja, recorre a outros meios para além dos políticos para alcançar o objectivo político pretendido.

São bom exemplo de entre as múltiplas e encadeados situações de afrontamento ocorridas após o final da segunda guerra mundial. Os conflitos em África, como os de Angola, Moçambique e da Guiné; manifestações alotrópicas da mesma realidade, que apelidamos de regionais ou "(…) por procuração, apenas porque relativamente circunscritas em termos. geográficos. Estes conflitos têm oferecido aos analistas fabulosas sobreposições de objectividade e subjectividade. No caso de Angola movimentos independentistas "versus" Administração Portuguesa seguida de MPLA "versus" UNITA; em Moçambique FRELIMO/Administração Portuguesa e posteriormente FRELIMO/RENAMO, e, só na Guiné, o PAIGC não defrontou adversários, mas mesmo assim continuaram as lutas internas para disputa do poder, conducentes ao golpe de Estado que destituiu Luis Cabral em 14 de Novembro de 1980 (102).

Estas situações levam-nos a reafirmar a convicção da actualidade de Clausewitz: "(…) A guerra não pertence ao domínio das artes e das ciências, mas sim ao da existência social; ela constitui um conflito de grandes interesses, solucionado através do sangue (…)" e por isso seria melhor compará-la, "(…) mais do que a qualquer arte, ao comércio, que também é um conflito de interesses e de actividades humanas (…)" (103), uma vez que no continente africano o que estava/está em disputa eram/são as "periferias de desempate", ou seja, para o caso particular da Guiné, o conflito de interesses estava patente na sua localização estratégica, nomeadamente a de Cabo Verde.

Quando o General prussiano escreveu "(…) sendo a guerra um acto dominado por um desígnio político (…)", e por vezes quando "os dispêndios de força se tomam tão grandes que não correspondem ao valor do objectivo político, é necessário abandonar esse objectivo e assinar a paz" (104), não podia imaginar quão fácil seria enquadrar tal afirmação nas características do conflito da Guiné. A resposta portuguesa exigia "uma acção coordenada e muito íntima entre as Forças Armadas, as Autoridades Administrativas e as populações uma atenta vigilância na retaguarda e uma integrarão perfeita das acções militares, diplomáticas, políticas, económicas e psicológicas" sendo nelas envolvidos numerosos efectivos metropolitanos; além do mais pelas suas características a "(...) subversão visava a população como um todo, e não apenas uma ou outra região ou etnia, e podia arrastar assim até legiões insuspeitadas" (105), situação que foi desgastando o Poder Português até socumbir com a revolução de Abril de 1974.

Clausewitz refere também a importância das informações ao considerar o termo informações como o "(…) conjunto de conhecimentos relativos ao inimigo e ao seu país e, por consequência, a base sobre o qual se fundamentam as nossas próprias ideias e os nossos actos (…)" (106). 0s serviços de informações eram e são um órgão indispensável para a elaboração em tempo oportuno de relatórios, estudos prospectivos e análise sobre os mais diversos assuntos; sendo assim na primeira fase do ciclo de produção de informações, ou seja, a orientação do esforço de pesquisa, exigia para o caso português no período em análise, ou outro, que as estruturas estivessem sensibilizadas e instruídos para ele; "(…)ora a eficiência haveria de começar (...) por quem concebendo os planos de pesquisa e/ou orientando o respectivo esforço, compreendesse a globalidade do conflito e apercebesse com sensibilidade as suas especificidades no teatro (…)" (107). Numa fase posterior carecem os executores de uma preparação mínima quanto ao terreno humano.

Clausewitz acrescenta a respeito da necessidade de se conhecer antecipadamente o inimigo através das informações que, "(…) a guerra não deve ser para o soldado, e é um ponto extremamente importante a primeira vez que entra em contacto com a realidade que à primeira vista, tanta surpresa e embaraço lhe causam. Bastava que as tivesse visto anteriormente uma única vez que fosse e já se sentiria semi-familiarizado com elas (…)” (108). Em Portugal, a difusão de informações era feita por diversos tipos de relatório, sendo que os Supintrep (Relatório Suplementar de Informação) cobriam um vasto leque de assuntos com interesse para as operações e para as acções em proveito da população (109).

Pelo tipo de guerra que se travava, procurou dar-se aos quadros um mínimo de preparação, sendo criado o CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), por despacho ministerial de 6 de Novembro de 1959, com a finalidade de preparar tropas na luta contra guerrilha, acção psicológica e operações especiais, pelo ministrar de uma formação similar à do "curso de guerra subversiva" e do "estágio de contra insurreição" (110).

A preparação e informação dos quadros acerca das estruturas clânicas, tribais e sócio-religiosas das sociedades negras, foi necessária por ser forçoso um conhecimento do terreno, o humano, claro está e no detalhe (situação que a subversão definiu e utilizou), sem o qual não seria possível accionar outros mecanismos de comunicação transnacionais, paralelos ou convergentes, como na Guiné Bissau as linhagens Cherifinas e as Confrarias Tidjanya e Qadiiya. No Cap. VI, "Extensão dos Meios de Defesa" ,do livro VI "A Defesa", ao tratar do Landwehr (reservas), Clausewitz fornece-nos novo suporte teórico para a guerra subversiva/revolucionária. Para ele a Landwehr possui sempre "(…) a noção de uma cooperação muito extensa e mais ou menos voluntária da massa inteira do povo no apoio da guerra" (111), o tão necessário apoio popular para a subversão se desenvolver, já referido anteriormente por nós; além do mais considera este como um reservatório de forças muito vasto, longe de ser insignificante se encarado com o número total de habitantes, e estreitamente relacionado com a defesa.

Segundo este autor, os aliados, aqueles "(…) que estão por essência interessados na integridade de um país (…)" (112), são o último apoio de quem defende. Para o caso português, estes assumiram o desgaste internacional provocado pelo apoio prestado; mas não esqueçamos que dentro do contexto do governo da época, a situação que se vivia era a do equilíbrio pelo terror mútuo assegurado, e que a disputa das zonas de confluência dos poderes políticos pelas superpotências, não continha em si a manutenção da integridade territorial de Portugal pluricontinental, aquelas vieram assim a apoiar os movimentos independentistas que se mostraram na disposição, de se incluírem na zona de influência da super potência apoiante, mal a vitória fosse alcançada.

Os movimentos independentistas recebiam variadas formas de apoio dos seus aliados, quer do Ocidente como a Suécia, quer de países pró marxistas/leninistas como a Checoslováquia.

No mesmo livro VI Cap. XXVI, Clausewítz desenvolve considerações sobre o povo na guerra, neste caso o povo armado; "(…) a nação que faz a utilização judiciosa destes meios alcançará uma superioridade sobre aqueles que não curam de se utilizar deles (…)" (113) ; atente-se para a actualidade desta afirmação quanto ao conflito na Chéchénía.

Mas armar o povo carece de algumas condições (114):

  1. a guerra deve ser drenada para o interior do país;
  2. que uma única catástrofe não baste para resolver o seu destino;
  3. o teatro de guerra deve abranger uma vasta extensão do território;
  4. o país deve ser do género cortado ou inacessível, quer seja montanhoso, arborizado, pantanoso, ou em função do modo particular da cultura.

A Administração Portuguesa, nos conflitos do antigo Ultramar Português, recorreu nos três teatros de operações, quando julgado pertinente, ao reordenamento rural e à prática de aldeamento, e na Guiné, a partir de 30 de Setembro de 1968 (115) foi determinada a organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento da população. Saliente-se que a Guiné era um território de difícil acesso pelas suas próprias características, situação que favoreceu os movimentos indedendentistas; no entanto o armar do povo, segundo a Administração Portuguesa (116) era por vezes pedido pelo mesmo, mas, para o PAIGC este era tido como uma atitude discriminatória e rácica.

Esta situação carece do estrito controlo da população, caso contrário poder-se-á estar a exercer uma acção antagónica; Clausewitz a este propósito salienta "(…) se os habitantes vivem reunidos em aldeias, pode-se pilhá-los como represália, incendiar as suas casas (…)" (117). A Administração Portuguesa na Guiné organizou Tabancas em Autodefesa e em Moçambique praticou uma política de aldeamentos com milícias armadas , pois já o general prusiano referia: "(…) sem o apoio de algumas tropas regulares que os encoragem, os habitantes carecerão geralmente de impulso e de confiança necessária para pegar em armas (…) (118).

Quanto às regras do povo armado explícita que, "(…) a guerra popular, como qualquer coisa de vaporoso e fluido, não deve condensar-se em parte alguma num corpo sólido; senão o inimigo envia uma força adequada contra este núcleo, destrói-o e faz numerosos prisioneiros (…)" (119), considerando assim que na guerra popular deve haver dispersão dos combatentes e uma expansão progressiva da luta, pois "(…) uma resistência tão largamente dispersa não está evidentemente apta a vibrar grandes golpes que exigem uma acção concertada no espaço e no tempo (…)" (120) o landsturm (armamento do povo) "(…) que deverá estar organizado em unidades mais importantes e melhor ordenadas (…)"121 conduzirá à ruína as bases do exército inimigo tal como uma combustão lenta e gradual. Como ele exige tempo para produzir efeitos (…)" (122). Estes combatentes não podem chegar ao combate decisivo, mesmo que em circunstâncias favoráveis, uma vez que assim "(…) o levantamento popular será derrotado (…)" (123), devendo por isso atacar as áreas de retaguarda e linhas de comunicações.

A analogia da guerra popular com um incêndio encerra em si um perfeito enquadramento com a guerra subversiva/revolucionária, que tal como um incêndio se propaga lentamente, com um foco aqui, outro além, acabando por "carbonizar" o Poder instituído.

A reacção a levantamentos populares fracos "(…) serão em proporção pouco numerosos, pois ele receará dividir demasiado as suas forças; é em contacto com estes pequenos destacamentos que o incêndio alastra cada vez mais, o inimigo é dominado pelo número em alguns pontos, a coragem e o ardor reforçam-se, e a intensidade da luta aumenta até a aproximação do ponto culminante que deve decidir acerca do resultado (…)" (124), evidenciando aqui também o aspecto psicológico e moral da luta, e a este propósito acrescenta, "(…) um elemento essencial a saber, o elemento moral (…)" (125).

Pensamos ser importante, não especificamente para a base da guerra subversiva/revolucionária, mas para toda a tese, apreendermos dois conceitos explicitados por este autor; são eles o de táctica e estratégia. O primeiro é "(…) a teoria relativa à utilização das forças armadas no recontro (…)" e o segundo "(…) a teoria relativa à utilização dos recontros ao serviço da guerra (…)" (126); quanto a esta, podem-se dividir em elementos de diferente natureza (127): os elementos morais, físicos, matemáticos, geográficos e estatísticos, sendo que as grandezas morais são o "espírito que impregna toda a guerra" (128).

Face ao que, de Clausewitz, atrás se cita, pode influir-se quanto à fenomenologia contemporânea (incluindo claro está, a guerra no antigo Ultramar Português):

  1. O conceito de estratégia atingiu alto nível de globalidade e maximalizaram-se as componentes que correlacionam política e guerra;
  2. o conceito de defesa foi transcendido;
  3. a adopção da "segurança alargada" nas sociedades, sejam elas revolucionárias ou "conservadoras" na sua feição, converteu-se numa necessidade óbvia.

Esta leitura dos factos, pensamos ser esclarecedora de como este e os outros autores clássicos são prenhes de actualidade, apesar do desfasamento histórico e e contextual, sendo certo que as suas doutrinas têm aplicabilidade na moderna guerra subversiva/revolucionária do nosso século