MAJOR MIGUEL GARCIA -

POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL
AS NOVAS MISSÕES DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS


 
CONFERÊNCIA apresentada na UNIVERSIDADE do MINHO em 03Mai2000, nos XVII Colóquios de Relações Internacionais Económicas e Políticas.


Em primeiro lugar gostaria de agradecer à UNIVERSIDADE do MINHO a amabilidade que teve em me convidar para este Seminário e para, perante uma mesa distinta como esta e uma audiência estimável, falar sobre o tema “Política de Defesa Nacional - As Novas Missões das Forças Armadas Portuguesas”.

Gostaria também de esclarecer que falo em meu nome pessoal, embora seja Oficial das Forças Armadas Portuguesas, a prestar serviço na Academia Militar.

Não pretendo repetir ideias referidas em intervenções anteriores, pelo que apenas vou apresentar alguns tópicos para posterior reflexão, sobre um tema pertinente e vasto.

A entrada no terceiro milénio continua cheia de incertezas. São evidentes as mudanças profundas da conjuntura internacional. Com a implosão a Leste, o Mundo deixou de ser bipolar, apresentando tendências multipolares diversificadas; a ameaça que estava bem definida desapareceu, dando lugar a riscos e perigos, uns novos, outros antigos, que apenas subiram na hierarquia das preocupações dos Estados. Nesta ordem de ideias, apercebemo-nos de que desconhecemos quais as variáveis que devem ser controladas para o desenvolvimento e materialização de um quadro institucional que corporize uma “nova ordem”.

Com a Sociedade de Informação surgiu, na percepção do Prof. Adriano Moreira, uma cultura transnacional, tendencialmente uniformizadora dos padrões de comportamento e de escalas de valores, com efeitos não queridos nas estruturas institucionais de cada país.

O conceito de Segurança também sofreu alterações. Estas resultam essencialmente da turbulência e da instabilidade originadas pela simultaneidade dos movimentos globalizante e individualizante. Hoje a Segurança vê o seu conceito alargado a domínios como a política, a economia, a diplomacia, os transportes e comunicações, a educação e a cultura, a saúde, o ambiente, a ciência e a técnica, procurando fazer face a riscos e ameaças, em que a vontade e os interesses particulares dos diferentes actores se manifestam neste ambiente.

A Segurança também modificou o seu valor, passando-se de uma segurança de protecção dos interesses vitais ameaçados por um inimigo comum, ou seja de uma segurança previsível, para uma segurança agora orientada para riscos diversos, mais difusos na forma, origem espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as condições para a eclosão de conflitos. A Segurança passou assim a ter interesses além dos vitais, por vezes materializados longe da base territorial dos Estados.

Devido ao processo de mundialização, a permeabilidade das fronteiras foi ampliada. O seu conceito hoje é flexivel, o que impõe aos Estados Soberanos um novo tipo de entendimento da sua inserção na Comunidade Internacional.

No nosso caso, para além da acelerada variação da fronteira geográfica, desde a década de sessenta até agora, à transferência de soberania de Macau para a China, passando pela adesão à Comunidade Europeia, hoje União, com as consequentes implicações no tradicional conceito de soberania, coloca-se em termos nacionais, o problema das novas dimensões do conceito de fronteira, que necessita de encontrar resposta, em termos de afirmação, nos vários espaços de inserção. Não esqueçamos que, de acordo com o Prof Adriano Moreira, temos uma fronteira de segurança que coincide basicamente com a definida pela OTAN, uma fronteira económica e tendencialmente política coincidente com a da UE, e uma fronteira cultural, assumida, que corresponde à Comunidade de Povos de Língua Portuguesa; às quais acrescentamos a fronteira da vulnerabilidade, na expressão do General Garcia Leandro.

A Defesa tem obrigatoriamente de procurar corresponder a este conceito alargado de Segurança, e de flexibilização de fronteiras através de uma articulação das várias componentes, onde a característica determinante será a inovação, a flexibilidade e a oportunidade de actuação. Hoje cada vez mais, a Segurança e a Defesa asseguram-se na fronteira dos interesses e num quadro colectivo.

A procura de resposta aos desafios de Segurança, Defesa e Desenvolvimento num mundo interdependente coloca aos Estados uma multiplicidade de desafios. A resposta a esses desafios passa pela conceptualização de uma nova legitimidade para intervenções, impondo forçosamente a definição dos mecanismos nacionais e internacionais com capacidade para garantir a Paz e a Estabilidade Internacional e de permitir aos actores com responsabilidade na sociedade internacional uma orientação da sua acção.

A preocupação com o estabelecimento desses mecanismos reguladores, ou para poder acorrer às situações de instabilidade, por forma a diminuir ou reduzir as suas consequências, conduziu a diversos projectos no domínio da procura da garantia da Segurança e Estabilidade Internacional, competindo às NU (na sequência lógica da Agenda para a Paz), o papel primordial, assim como às organizações regionais (em conformidade com a própria Carta das NU), das quais são referência na área Euro-Atlântica, para além da OTAN, a OSCE e a UEO.

Neste contexto, os pequenos Estados como Portugal, devem aproveitar as oportunidades que surgem para evitar que as interdependências se transformem em dependências que possam afectar a sua liberdade de decisão política.

A preocupação de Portugal com a Segurança Internacional está expressa na Constituição da República, onde no Art.º 7 da 4ª revisão constitucional (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro) é preconizado, entre outros aspectos, o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva com vista à criação de uma Ordem Internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

A Defesa Nacional (DN) nos termos da Lei (29/82 alterada pela 18/95), é entendida como uma actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos no sentido de garantir, no respeito das instituições democráticas, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão e ameaças externas, actuando Portugal pelos meios legítimos adequados para a defesa dos interesses nacionais.

Mas o interesse e a independência nacional não são só postos em causa quando está ameaçada a integridade do território, pelo que se deve ter em atenção os interesses dos países parceiros, alianças e organizações supranacionais e internacionais nas quais participamos. Assim, a Defesa Nacional, para além da tradicional salvaguarda da integridade territorial e da independência nacional, tem também de prosseguir a defesa dos interesses nacionais nos grandes espaços onde estamos inseridos. Lembramos, por exemplo, que o novo conceito estratégico da OTAN, documento exclusivamente político e não normativo, evidencia a noção de intervenção out of area, que possibilita o alargar da área operacional, podendo vir a realizar intervenções militares fora das suas fronteiras geográficas, desde que justificadas por alegadas razões humanitárias e/ou razões claras de violação dos Direitos Humanos, sem a necessária aprovação a priori do Conselho de Segurança das Nações Unidas e caso haja interesses da organização em jogo.

A Defesa Nacional deve ainda garantir a protecção dos nacionais dentro e fora do Território Nacional, contribuir para a Segurança e bem estar das populações, o que implica que a componente militar tenha a capacidade credível para esse exercício e para a salvaguarda dos Interesses Nacionais, quer em tempo de paz quer especialmente em períodos de crise ou conflito, satisfazendo os nossos compromissos internacionais.

Como Política transversal que é em relação às outras políticas sectoriais, a Defesa Nacional tem um carácter nacional e permanente, exercendo-se em todo o tempo e em qualquer lugar, tem uma natureza global, abrangendo componentes militares e não militares e de âmbito interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução. Assim a Política de Defesa Nacional consiste no conjunto coerente de princípios, objectivos, orientações e medidas adoptadas para assegurar a Defesa Nacional tal como definida.

Aquelas orientações e medidas constam do CEDN, do Programa de Governo e das Grandes Opções do Plano, incumbindo ao Conselho de Ministros a definição das linhas gerais da política Governamental no âmbito da defesa.

O Programa do XIV Governo refere que a política de DN implica a redefinição das orientações estratégicas que sejam susceptíveis de funcionar como elemento estruturante da identidade nacional e, simultaneamente, capazes de colaborar para a afirmação de Portugal no Mundo e que permita:

  • Criar as necessárias condições por forma a poder dar resposta aos novos riscos e ameaças à segurança, através das várias componentes da DN;
  • Adequar a estrutura da componente militar à missões que constitucionalmente lhes estão confiadas;
  • Redefinir uma base de sustentação da política de defesa por parte de um conjunto de instâncias do Estado e da própria população.

No fundo, trata-se, de acordo com o Ministro da Defesa Nacional, Dr. Castro Caldas, de criar a aceitabilidade da Defesa, garantir a exequibilidade das estratégias concebidas e impor a adequabilidade ao seu exercício.

Ao nível da sua Componente Militar, da qual o Ministro da Defesa Nacional é o especial responsável, Portugal deve preparar-se mediante o levantamento e sustentação de um Sistema de Forças Nacional capaz de satisfazer as missões específicas das Forças Armadas. O Sistema de Forças que deve ser desenhado e implementado, para além de permitir a defesa do Território Nacional, deve fazer face a 3 grandes tarefas: satisfazer os compromissos internacionais, colaborar em missões de apoio à política externa e em missões de interesse público.

Na 4ª revisão da Constituição da República, decretada pela Assembleia da República através da Lei-Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, no seu título X, dos Art.º 273º a 276º trata–se da Defesa Nacional. Aí define-se que às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República, e pelo 5. do Art.º 275º, que “(...) Incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte (...)”, acrescentando o 6., que “(...) as Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de protecção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, e em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação (...)”.

Assim, no plano interno, as forças Armadas participam no cumprimento de missões de interesse público, mais perto dos cidadãos, aproveitando racionalmente as suas disponibilidades, tirando partido e dando acrescido valor à sua presença ao longo do território nacional e promovendo, também por essa via, uma relação estreita e mutuamente enriquecedora com a sociedade, que passa por acções de protecção civil em situações de calamidade pública, pela salvaguarda do bem-estar das populações, até à preservação do ambiente e do equilíbrio ecológico.

Como missões de interesse público destacam-se:

  • Busca e Salvamento;
  • Vigilância da ZEE;
  • Protecção do Ambiente e conservação do património;
  • Em situações de catástrofe, colaboração com o SNPC;
  • Missões de apoio ao desenvolvimento (obras de engenharia/frentes de trabalho);
  • Colaboração com as Forças de Segurança no combate ao contrabando e à droga;
  • Prevenção e combate a fogos florestais;
  • Abastecimento de água às populações;
  • A participação em projectos de investigação e desenvolvimento e a colaboração com as Universidades.

As Forças Armadas, como instrumento da política que são, contribuem de forma significativa para o aumentar da visibilidade do país no plano internacional, reforçar o seu poder negocial e o peso político, constituindo assim mais um dos vectores da política externa do Estado, ajudando a desenhar, segundo o Prof. Freitas do Amaral, um novo Conceito Estratégico Nacional; o da tripla internacionalização: na Europa, na cooperação com os PALOP e nas missões de apoio à paz e de carácter humanitário.

Mas as Forças Armadas para poderem influir na política externa, devem conservar, em permanência, capacidade suficiente para constituir um factor de dissuasão credível face a eventuais agressões ou ameaças externas ao nosso espaço de soberania e às linhas de comunicação interterritoriais que para esse efeito são vitais, mantendo uma presença activa no nosso País; devem ver empregues os Serviços de Informações Militares em áreas de interesse estratégico nacional. Além disso, na actual conjuntura internacional, devem ter disponíveis meios que lhe assegurem o cabal cumprimento das suas missões, estes meios, estamos certos de que são um claro indicador da credibilidade dos Estados.

Nesta ordem de ideias, pensamos que as Forças Armadas serão cada vez mais solicitadas para intervenções efectivas no quadro das missões de apoio à política externa do Estado, incluindo a cooperação - em tempo de Paz e fazendo face a crises e conflitos - actuando portanto, e de forma concreta, na fronteira dos nossos interesses, quer com militares integrados em forças constituídas, ou isoladamente, de que se realça no âmbito bilateral as acções de Cooperação Técnico Militar com os PALOP e com alguns países democráticos do centro e leste europeu e do Norte de África, e no âmbito multilateral na IFOR / KFOR / MINURSO / UNAVEM / UNTAET, entre outras; quer ainda no âmbito UE e UEO, apoiando inequivocamente a criação de uma Identidade Europeia de Segurança e Defesa, compatível com os compromissos transatlânticos. Lembramos as missões de Petersberg, e que em Helsínquia se chegou à Headline goal que pode contar com um Corpo europeu de 60 mil homens, destacáveis em 60 dias, pretendendo-se assim dar à União Europeia uma capacidade de gestão de crises.

A Cooperação Técnico Militar (CTM) é definida pelo Ministério da Defesa Nacional e subordinada a linhas de orientação política do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e insere-se na política global da cooperação portuguesa para o desenvolvimento, contribuindo em simultâneo para as acções integradas da Ajuda Pública ao Desenvolvimento.

A CTM tem-se desenvolvido em três direcções:

  • Os PALOP - processada a partir de 1978 com Angola, aumentando significativamente a partir de 1985, por solicitação dos PALOP, Cabo Verde, STP e RM em 1988 e Guiné-Bissau em 1989.
  • o Centro e Leste Europeu e
  • a Bacia do Mediterrâneo.

Estas últimas, mais no campo das intenções, ainda em fase incipiente e apenas no âmbito bilateral, com acções avulso que fogem à sistemática da CTM.

Dos Projectos de cooperação, conduzidos nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, destacam-se a Formação de Pessoal e a Assessoria Técnica para organização e funcionamento dos departamentos das Forças Armadas/Ministérios da Defesa, aumentando as capacidades do Estado e fomentando o desenvolvimento.

Ao nível das Operações de Manutenção de Paz e Humanitárias, a participação portuguesa tem-se desenvolvido em territórios díspares como em Angola (UNAVEM/MONUA - e Integrado nos processos de Paz de Angola em 1991/92 ocorreu ainda a Missão Temporária de Portugal Junto das Estruturas do Processo de Paz em Angola MTPJEPPA), ex-Jugoslávia (UNPROFOR/IFOR/SFOR/KFOR), Saara Ocidental (MINURSO), Namíbia (UNTAG), África do Sul (UNOMA), Moçambique (ONUMOZ e em 1993/94 a Missão Militar Portuguesa em Moçambique (MMPM), Zaire (FORREZ), Guiné (FORREG) e agora mais recentemente em Timor Loro Sae (UNTAET), totalizando um efectivo próximo dos 5000 militares.

Em missão estão actualmente cerca de 1500 militares, sendo necessário pelo menos o triplo deste efectivo, que se encontram uns em fase de recrutamento, outros em treino operacional básico e outros em treino operacional avançado. Também não podemos esquecer os meios necessários à sustentação daquelas forças, ligados à formação e ensino, ao apoio administrativo-logístico e à obtenção/gestão de pessoal.

Em paralelo com este empenhamento, Portugal tem ainda e simultaneamente participado em várias estruturas internacionais e regionais.

A participação portuguesa em alianças de defesa colectiva manifesta-se:

  • pela atribuição de forças aéreas e navais para o Comando do Atlântico e forças terrestres para o Comando da Europa, nomeadamente para o Corpo de Reacção Rápida. Mantêm também forças atribuídas à UEO (EUROFOR e EUROMARFOR);
  • bem como pela contribuição com pessoal para o desempenho de funções nos diversos comandos e estados-maiores, e nas representações permanentes destas alianças, nos principais Comandos e Quartéis Generais da OTAN.

Aquelas que se convencionou chamar de Novas Missões das Forças Armadas, obrigaram a uma reflexão interna sobre as doutrinas, os sistemas de forças, os conceitos tácticos e operacionais por forma a serem revistos e adaptados para que:

  • As FA estejam preparadas para actuar rapidamente, com tempos de reacção reduzidos, para cumprir qualquer decisão política;
  • haja um esclarecimento ao país sobre o actual ambiente internacional, quanto à natureza dos conflitos, e quais as novas responsabilidades nacionais resultantes da interdependência mundial, ou seja, deve-se explicar às famílias dos militares/cidadãos, por que podem vir a sofrer e morrer numa guerra que não consideram a sua;
  • se inicie um processo mais acelerado de modernização dos armamentos, equipamentos e sistemas de armas;
  • seja adequada a instrução às novas tecnologias e novos sistemas, e se acentue a formação de base dos militares;
  • sendo normalmente as operações Conjuntas e Combinadas, se aprofunde a sua doutrina e modo de actuar;
  • se estude a legislação das diferentes Organizações Internacionais a que pertencemos e sob a responsabilidade das quais as forças poderão vir a actuar;
  • se aumente a componente operacional do Sistema de Forças Terrestre.

Salientamos que a experiência adquirida nos territórios africanos de 1961 a 1975, muito tem contribuído para o sucesso das acções de Cooperação em África e das Operações de Apoio à Paz, na Europa, em África e em Timor.

A preparação das Forças para Operações de Apoio à Paz têm ainda aspectos específicos que não podem ser ignorados:

  • A substituição de um objectivo vitória, por um objectivo político, obriga a repensar alguns dos princípios da guerra;
  • Motivação forte para entrar numa guerra sem inimigos, e para actuar contra forças que se guerreiam por objectivos que lhe são alheios;
  • Participar num conflito onde a sua posição deve ser neutra, pelo que devem estar preparados para resistir a eventuais “tentações”;
  • O papel do militar altera-se, pois é um estrangeiro que defende as vítimas das agressões dos próprios compatriotas. Todavia não podemos esquecer que em alguns Teatros de Operações, há forças que são consideradas de ocupação.

Lembramos ainda que a participação em missões de apoio à paz, só do Exército Português, entre 1995 e 1999, tiveram um custo de aproximadamente 31 milhões de contos.

Face à evolução política e social e à Revolução nos Assuntos Militares em curso, resultante de uma evolução tecnológica, Portugal não pode deixar de as acompanhar e, naturalmente, terá de adaptar a sua política de defesa e as suas Forças Armadas à modernização que o novo milénio determinará. À semelhança de todas as democracias ocidentais, também em Portugal começa já a haver um entendimento de que as suas Forças Armadas são uma instituição fundamental do Estado, garantia da sua segurança e instrumento imprescindível da sua afirmação externa, sempre na defesa dos interesses nacionais e sempre subordinadas ao Poder político, pelo que têm de estar adaptadas, reestruturadas e preparadas para os novos desafios resultantes das novas atitudes políticas e dos compromissos assumidos a nível internacional.

O esforço nacional no reforço do aparelho militar português mediante a integral aplicação dos programas de reequipamento, constantes na Lei de Programação Militar, poderá não bastar, pois os encargos assumidos já eram significativos, agora acresce Timor, e temos ainda que fazer face à necessidade de novos e outros equipamentos para estas e outras missões nacionais e internacionais, com intervenções credíveis.

Esta não é contudo a visão conjuntural da maioria da classe política, preocupada com as sondagens e ciclos eleitorais, numa visão essencialmente imediatista, o ciclo de uma legislatura, a que se opõe uma visão estratégica de longo prazo.

Reconhecemos que os nossos parlamentares e populações tem outros campos mais prioritários onde aplicar as verbas, convencidos, de que em períodos longos de paz, as Forças Armadas servirão apenas para intervenções do tipo Operações de Apoio à Paz, esquecendo-se, de que aquelas operações são muito caras e de que tem que haver pelo menos um pequeno núcleo que tem de estar preparado para combater.

Citando o Embaixador José Cutileiro: “Não há Forças Armadas para missões de Paz e Forças Armadas para a Guerra: há Forças Armadas para a guerra que podem também ocupar-se de missões de paz”.

Assim necessitamos de uma Elite Política mais determinada para poder esclarecer e convencer os eleitores, que a sua segurança não é aquela que julgam. Que de vez em quando teremos de ir, manu militari, defender valores ou interesses numa outra fronteira que vai para além da geográfica.

Estas missões necessitam de uma maior cobertura pelos opinion makers, que, frequentemente, apenas acompanham os acontecimentos quando estes são mediáticos, não contribuindo para o esclarecimento e conhecimento das missões das Forças Armadas pelos cidadãos, e a sua adesão.

Portugal só terá viabilidade e visibilidade internacional, se tiver uma soberania ao serviço dos interesses nacionais, mas inserida na comunidade internacional, com disponibilidade para contribuir para objectivos comuns, na boa compreensão de que a única legitimidade é a do exercício e que os únicos contributos efectivos e como tal reconhecidos, são os contributos activos.

Esta soberania não se cumpre apenas porque se pertence ou com discursos de retórica, é necessário ter meios, pelo que na sua contribuição para a prevenção de conflitos e gestão de crises, Portugal necessita de forças bem treinadas e bem equipadas com níveis de prontidão adequados e com meios suficientes para responder a toda a gama de contingências, assim como estruturas de apoio apropriadas.

Instrumentos de planeamento e capacidade de Comando, Controlo, Comunicações, Computadores e Informações (C4 I), são essenciais para permitir um contributo militar eficaz.

Em jeito de conclusão, parece-nos ser possível afirmar que nunca o Poder do Estado, na sua manobra externa, se baseou tanto no vector militar, e que há muito Portugal não tinha uma tão firme e prestigiada posição internacional, para tal tendo contribuído a flexibilidade que as Forças Armadas frequentemente têm proporcionado aos governos, na tomada de decisões políticas nos âmbitos da cooperação, OTAN, UEO, OSCE e da ONU.

Assim, as Forças Armadas não são um fim em si mesmo; são, e vão continuar a ser, um instrumento da política, um meio que o poder político pode e deve utilizar (e utiliza), para alcançar os seus objectivos e afirmar o prestígio e a credibilidade internacional que hoje alcançamos; mas para tal tem que as sustentar e modernizar, sob pena de as esgotar prematuramente se em tempo não forem executadas tarefas de revitalização.

Muito obrigado pelo vosso tempo

Estou à vossa disposição para qualquer esclarecimento sobre pontos que Vossas Excelências pretendam mais esclarecidos.

Bibliografia e Fontes

Documentos Legislativos e Oficiais:

Conceito Estratégico de Defesa Nacional, de 13 de Janeiro de 1994

Programa do XIV Governo Constitucional.

Grande Opções do Plano para 2000 e Principais Linhas de Acção Governativa.

Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, Constituição da República Portuguesa.

Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, Lei n.º 29/82, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 11/91, Lei n.º 113/91 e Lei nº. 18/95.

Discursos e Colóquios:

CALDAS, Júlio Castro – Discurso na Sessão Solene de Abertura do Ano Académico do Instituto da Defesa Nacional, Novembro de 1999

CUTILEIRO, José – “Portugal e a Identidade Europeia de Segurança e Defesa”, In Colóquio “Identidade Europeia de Segurança e Defesa”, Instituto de Altos Estudos Militares, 7 de Abril de 2000.

PINTO, Valença – “Internacionalização das políticas de Segurança e Defesa”. In Colóquio “O Interesse Nacional e a Globalização”, Instituto da Defesa Nacional, 29 e 30 de Outubro de 1998.

Artigos de Opinião

AMARAL, Freitas do – “Novas Missões das Forças Armadas”. In “Visão”, 25 de Novembro de 1999.

LEANDRO, Garcia – “A Teoria da Diversificação e Articulação das Fronteiras e os Sistemas de Forças”. In “Boletim do IAEM”, Novembro de 1992.

MEDEIROS FERREIRA; José - “Política Externa e Política de Defesa”. In “Diário de Notícias”, 9 de Novembro de 1999.

Monografias e Contribuições em Monografias:

MOREIRA, Adriano – “As Fronteiras Portuguesas”. In “Conjuntura Internacional 1996”. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1996.

SACCHETTI, Emílio – “Segurança Europeia (1989-1995)”. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1995.

- “Da Defesa à Segurança na Ordem Internacional”. In “Conjuntura Internacional 1996”. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1996.

SANTOS, Loureiro dos, “Reflexões sobre Estratégia – Temas de Segurança e Defesa”. Lisboa: Instituto de Altos Estudos Militares e Publicações Europa América, 2000.