MAJOR MIGUEL GARCIA

A GEOPOLÍTICA DA SIDA
Francisco Proença Garcia
Maria Francisca Saraiva

INDEX

Introdução
1. A evolução do fenómeno no mundo
2. A SIDA e o selénio
3. SIDA e Segurança
3.1. Os reflexos na população
3.2. A SIDA e as operações militares
3.3. A SIDA e o Estado
4. A resposta ao fenómeno
Conclusão
A Sida em números
Referências bibliográficas

3. SIDA e Segurança

Actualmente considera-se a SIDA uma “ameaça menor”, como ameaça não tradicional à segurança, embora se apresentem difíceis problemas quando procuramos precisar o que compreende este fenómeno.

É fácil observar que a SIDA não é uma ameaça na concepção clássica, estruturalmente identificável num produto duma capacidade por uma intenção. Por outro lado, também não parece possível entendê-la como um risco, que durante longas décadas se opôs ao conceito de ameaça, entendido como acção não directamente intencional e eventualmente sem carácter intrinsecamente hostil (1).

De facto, fomo-nos consciencializando de que estamos perante algumas manifestações com implicações tão sérias que podem ser classificadas como ameaças não militares à segurança. O assunto, que ganhou grande relevância na literatura especializada, desenvolve temas de que se destacam o terrorismo, o crime organizado, a proliferação de armas de destruição maciça e finalmente as epidemias como a SIDA.

Do ponto de vista político, a SIDA como ameaça não tradicional à segurança deve muito ao empenho da Administração Clinton. A viagem do embaixador americano nas Nações Unidas, Richard Holbrooke, à África do Sul em Dezembro de 1999 foi determinante para esta mudança. Pouco depois, o vice-presidente Al Gore apresenta ao Conselho de Segurança, a 10 de Janeiro de 2000 (2), os fundamentos do novo posicionamento norte-americano (3):

1. O Coração da Segurança é a protecção de vidas;

2.Quando uma simples doença ameaça tudo, desde a economia às operações de manutenção de paz, enfrentamos claramente uma ameaça à segurança a um nível global;

3. É uma crise de segurança porque ameaça não só e apenas o indivíduo, mas as instituições definidoras da sociedade.

O Conselho de Segurança acabou por aprovar em 17 Julho de 2000 a Resolução 1308 que estabelece a SIDA como um problema de segurança, reconhecendo que esta pandemia é exacerbada por condições de violência e de instabilidade e que, se não for acautelada, pode colocar em risco a estabilidade e a segurança internacional.

No ano seguinte, a Assembleia-Geral reuniu-se, entre 25 e 27 de Junho, em sessão especial para debater a questão da SIDA. 

Mais recentemente, o Secretário – Geral das Nações Unidas Kofi Annan encomenda a um eminente painel de peritos internacionais um estudo sobre o futuro da organização. Com efeito, o relatório A More Secure World: Our Shared Responsability,de 2004, admite uma concepção bastante ampla de ameaça encarada como “qualquer acontecimento ou processo que leva à perda de vida ou reduções de expectativas de vidas em larga escala e que ponha em causa a unidade do sistema internacional, ameaçando a segurança internacional (4).

Também o Banco Mundial, pela voz do seu Presidente James Wolfensohn, se afasta das análises mais tradicionais ao defender que esta pandemia é o maior desafio para a paz e estabilidade das sociedades alguma vez conhecido. Com a SIDA enfrentamos uma grave crise de desenvolvimento, mas sobretudo uma séria crise de segurança (5).

Por outro lado, o trabalho do International Crisis Group aprofundou, num relatório de 2001, as múltiplas dimensões geopolíticas deste problema:

  • A SIDA como um problema de segurança pessoal – Quando 5, 10 ou mesmo 20% dos adultos ficam infectados, a saúde pública é severamente afectada, a longevidade diminui, a mortalidade infantil cresce, a produção agrícola decresce, as famílias e comunidades são destroçadas e os jovens não vislumbram futuro viável. As divisões sociais e étnicas podem ser acentuadas e a migração económica e os deslocados/refugiados aumentam;
  • A SIDA como um problema de segurança económica – Ameaça o progresso social e económico, agravando as já de si favoráveis condições para a eclosão de conflitos violentos e de catástrofes humanitárias. Estima-se que uma prevalência de 20% de infecções na população adulta influencia o PNB em 1 % anualmente;
  • A SIDA como um problema de segurança comunitário – Afecta as polícias e consequentemente a estabilidade comunitária. Destroça instituições, vitimizando especialmente os sectores da população com maior mobilidade geográfica: as elites, os funcionários públicos, os professores, os profissionais de saúde, entre outros;
  • A SIDA como um problema de segurança nacional – A doença afecta sobretudo as Forças Armadas, nomeadamente as africanas. A debilidade provocada nestas instituições bem como nos pilares do crescimento económico pode tornar os países mais vulneráveis a conflitos, internos e externos;
  • A SIDA como um problema de segurança internacional – Constitui-se como uma ameaça quer por desafiar a segurança internacional, quer pela sua capacidade de minar a capacidade internacional para resolver conflitos (6).

Nestas cinco grandes áreas procuraremos salientar os factores que consideramos de maior impacte geopolítico.

Notas
(1) NOGUEIRA, Freire, (2005) - Pensar a Segurança e Defesa, Lisboa: IDN/ Edições Cosmos, pp. 73 – 75.

(2) Neste dia, o Conselho de Segurança debateu a SIDA em África, tendo sido a primeira vez que este órgão discutiu um assunto relacionado com a saúde como ameaça à paz e segurança. O encontro demorou mais de 7 horas e teve cerca de 40 intervenções. Não foi aprovada qualquer resolução.

(3) PRINS, Gym, ob. cit., p. 941.

(4) NAÇÕES UNIDAS (2004 e) – Report of the Secretary-General High Level Panel on Threats, Challenges and Change. A More Secure World: Our Shared Responsibility, p.15.

(5) SINGER, P. W., ob. cit., p.145.

(6) INTERNATIONAL CRISIS GROUP, ob. cit., p. 2.

 

Francisco Proença Garcia. Major de Infantaria, Professor do Instituto de Estudos Superiores Militares.

Maria Francisca Saraiva. Assistente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Mestre em Relações Internacionais.