INDEX.HTML
Maria Estela Guedes











Magno Urbano
PRODUÇÃO PARA INTERNET E VÍDEO

Edições Centro Atlântico
Vila Nova de Famalicão, 2002, 408 pp. il.
www.centroatlantico.pt

Magno Urbano é um defensor da eficácia e do despojamento. A página de abertura do TriploV, ou index.html, bem como muitas outras do site, receberia dele uma reprovação total, se acedesse a pronunciar-se sobre a matéria. Acontece que este competente webmaster, ligado ao TriploV por razões profissionais, nos presta o serviço de não desbaratar connosco maternais incentivos. A quem pertencerá a sábia advertência "Se queres liquidar o teu adversário, faz-lhe elogios"?

Ele, que é um mestre em efeitos visuais - na Internet, em vídeo e televisão - desaprova letras que mexem e que piscam, cores fortes e contrastadas, imagens que não servem para nada, excepto para acumular peso, impedindo desse modo que a maioria dos cibernautas consiga entrar na página. Não é difícil adivinhar assim que, sendo o TriploV um site essencialmente dedicado ao texto, ele o conceberia em cores discretas, sem imagens excepto algum logotipo -- logotipos são imagens de marca, caracterizadas por se manterem imutáveis para a eternidade --- e sem uma única gif animada. De momento o TriploV está com fundo amarelo e logotipo diferente dos anteriores, mas teremos muitas oportunidades de fazer novas experiências.

A obra não se ocupa da ciberarte, por ela entendendo uma presença dos artistas nesta qualidade no ciberespaço. Destina-se, sim, neste âmbito, a artistas gráficos. Convém por isso dizer : a maior parte dos sites criados por profissionais são tecnicamente perfeitas, matam de inveja por demonstrarem incrível perícia no domínio das tabelas e outros artifícios, mas revelam total falta de sensibilidade artística, tornando inevitável a distinção entre criador e criativo. Quantos sites de webmasters para webmasters, esses que são especialistas em programas de linguagem ingrata como o Flash, não são um pavor visual? À competência e performance técnicas correspondem exactamente a mesma incompetência e falta de performance em arte pura. De outra parte, vejamos os artistas: a sua eventual ignorância e incompetência técnicas são supridas por outros valores, e com um programa de animação barato e simples como o U-Lead COOL 3D -- recomendado por Magno Urbano, mas não no livro nem para profissionais --, conseguem surpreender de forma cativante.

Os efeitos espectaculares que contempla neste instante -- clique na gif animada -- não seriam aceites nos "Efeitos Visuais", site de Magno Urbano. Têm porém um mérito : são irónicos. O que eu pretendia era executar o PopMenu cujo script vem na página 26 do livro, ou então um LaunchRemote, mas não fui capaz.

O assombroso resultado da animação deve-se em parte a dois recursos de amador : um deles é o programa Gif Construction, da Alchemy MindWorks, extremamente fácil de usar, outro a capacidade de tirar algum proveito da minha própria incapacidade, não paralisando de medo por Magno Urbano estar a ver. São muito diferentes os contextos mentais em que se movem criadores e criativos. Quando a falta de gosto se verifica em sites de escolas de design e construção de homepages, quando por e-mail recebemos os seus programas visualmente contra-indicados, ou quando a falta passa por sites universitários que acolhem trabalhos de artista, então há motivo para chorar.

Fachadas de grandes portais como os que habitualmente frequentamos, por tão sobrecarregadas de elementos, na maior parte fúteis, criam mecanismos de defesa ao utente que lhe permitem localizar depressa o único de que precisa -- seja o "webmail" ou as "páginas pessoais" -- e correr uma cortina de negrume sobre o resto. Que esses formatos standard são desmotivadores, prova-o o desespero com que buscamos a palavrinha "webmail" sempre que há renovações, pois mudou de lugar, perdendo-se num arraial de anúncios de niquices e de niquices anunciadoras de coisa nenhuma.

Magno Urbano dá como exemplo de excelente página de abertura a do Google, com apenas 4,1 Kbs, e ensina como retirar peso parasitário -- no oposto, o peso da do TriploV varia, mas menos de 400 não terá. A do Google abre por isso instantaneamente, e agora podemos fazer o download do seu toolbar para o nosso browser, o que ainda poupa mais tempo. Além disto, é tão bela como leve e eficaz. Não é mais do que um lençol lavado com uma renda em cima, constituída pelo logotipo e a informação indispensável. Enfim, um modo de estar que a distingue do Yahoo!, do Sapo, etc.. No Google, a forma é o conteúdo, o que aliás é próprio da arte -- apresenta-se quase só como caixa de pesquisa. Por baixo, poucas frases alinhadas na horizontal, centradas como o cabeçalho de um livro. Rejeita assim, ao contrário da maior parte dos portais, o estilo de jornal, com colunas e caixas dentro das colunas e letras minúsculas, num convite à leitura na vertical, quando as características e dimensões do écran mais naturalmente apelam para a leitura segundo as linhas de um livro.

A obra estrutura-se de tal modo que vai das generalidades que todo o cibernauta deve conhecer, até às técnicas só acessíveis a profissionais -- 1. Funcionalidades básicas dos websites, 2. Forma, cor e sedução (optimização, páginas & imagens); 3. Optimizar, cortar e animar; 4. Páginas em movimento -- Flash!; 5. WAP; 6. Servidores Internet; 7. Motores de pesquisa; 8. A promoção dos websites; 9. Efeitos visuais sem movimento; 10. Produção áudio-visual de televisão e vídeo; 11. Edição em vídeo com Adobe Première; 12. Conceitos básicos de After Effects; 13. Efeitos visuais avançados com After Effects; e ainda há anexos.

Magno Urbano ensina a conseguir certos efeitos com programas da sua eleição, afirmando que quem dominar um saberá usá-los todos, mas isso só é válido para webmasters com muita rodagem, de um lado; de outro, webmasters sem rodagem nenhuma, como é o caso de quem escreve, conseguem os mesmos efeitos, p. ex. do rollover e do popmenu, com o GoLive, o único programa de que dispomos usado também pelo autor. Há ainda um pequeno pormenor que a obra não contempla nem deve, mas a mim é permitido revelar : certos dispositivos cuja criação e aplicação se descrevem, dificílimos de construir pela perícia que envolvem, e realmente milagrosos, como o spacer.gif (imagem transparente de 1x1 pixel, por isso invisível) e as caixinhas de Pandora (forms), não requerem dispêndio de energias nem a sua execução cria estados de desespero, quando algum webmaster no-los oferece já prontos a usar, o que agradeço no que me tem tocado.

Entre as generalidades tratadas pelo livro, mencionemos algumas que nos afectam directamente, situadas na esfera da netiqueta : saibamos, por exemplo, que devemos responder sempre aos e-mails que nos enviam e que devemos assegurar-nos do bom funcionamento do canal, porque uma percentagem significativa de e-mails não chega aos destinatários e nem sequer voltam ao remetente. Saibamos ainda que não se deve irritar o cibernauta com excesso de links, que ele não seguirá. O número de cliques deve então reduzir-se ao mínimo, o que contraria as expectativas teóricas dos cultores da ciberarte, ao fazerem girar a arte na net em torno do link, a ponto de explorarem estruturas labirínticas mesmo na ausência de qualquer Minotauro. O labirinto não precisa de ser explorado por artistas porque ele já é uma especificidade da navegação; além disso, o labirinto é ilusório, trata-se apenas de uma sensação : se nos perdemos quando saltamos de link em link, não é por falta de fio de Ariadne, a rede é uma teia ordenada como a de Aracnê; vamos sempre de link em link, não há outra alternativa, significando isto que o link é um ponto de referência que nos leva a outro ponto de referência, donde nem as estradas potuguesas estariam tão bem sinalizadas. A sequência de links é uma sequência de marcas, em todos os sentidos, mesmo as de produtos que aparecem só para nos irritarem.

O que na Internet existe de mais atractivo -- essa rede intratextual globalizadora que permitiria ligar todos os textos nela publicados numa só polifonia planetária, o que em potência nos garante biliões de leitores -- é também o mais repulsivo. Se estamos interessados em ler dado texto, ou em que nos leiam, qualquer interferência de um texto estranho nesse é indesejável, e todo o mecanismo que desvie a atenção de um ponto para outro conduz â frivolidade. Só de um ponto de vista teórico, e de preferência para quem manuscreva num quarto sem electricidade, à luz de uma candeia, são intelectualmente fascinantes estruturas em rede, labirínticas, abissais, inter- ou intratextuais. Para quem está do lado da produção e da criação, tudo isso é escolho a minimizar, tudo isso faz parte dos obstáculos a vencer para conseguir que o cibernauta fique no nosso site ao menos cinco minutos, e não saia antes de completado o download do index.html.

Quem não ouviu já criticar a Internet pela falta de conteúdo das páginas e pela sua ligeireza? E quanto tempo demora o crítico num site para ao menos se aperceber do número de páginas que contém? A apetência pelos cliques não incide só na volubilidade de quem salta de página para página dentro de um site, sem ler nada, sim também de site para site, como quem sai ao domingo à tarde para ver montras. Satisfazer tais apetites visuais é trabalhar para a fachada, ou seja, pactuar com o risco maior da net, essa frivolidade que não decorre só da falta de conteúdos, mas sobretudo do seu contrário. Como Eça escreveria : "V. Exª sofre de fartura!". Quando nos enchem demasiado o prato, não apetece comer nada. E então saltarica-se sem nada ver de site para site e de página para página.

Eis um ponto que não costuma ser apanágio da arte, concentrada como uma serpente de cobalto, para citar ou parafrasear Herberto Helder, arte desejosa de atrair e não de repelir os destinatários. Não é possível concentrarmo-nos no meio de uma feira, tal como não é possível chamar a atenção de ninguém para um grão de arroz escondido entre mil outros. Qualquer hipnotizador sabe que a atenção se concentra em um só objecto que mexe ou que pisca, à roda do qual o mundo desaparece.

Esvaziemos um website, fica sempre, indeletável, a página index.html. Eis o foco em que todos nos concentramos, e Magno Urbano não constitui excepção, o que é compreensível : essa é a sua profissão. Já não é compreensível que o sector teórico e de criação pura também promovam o passeio público às lojas, na expectativa de na segunda-feira alguém comprar o que tanto atraíra nas montras. Mas a página de abertura será de facto o cerne de um site? O fundamental, em termos técnicos até de colocação no ar de uma webpage, é o index.html. Porém esta questão abre para muitas outras, a mais importante das quais é a de que a homepage é uma casa em que podemos entrar sem ser pela porta.

Alinhemos algumas reflexões sobre a monopolizadora atenção dispensada à página de abertura:

1. O visualmente atractivo é independente do tecnicamente perfeito e do que achamos belo -- há uma estética do feio, do monstro, do grotesco, há uma bad art, uma art poor, etc.., e nem tudo o que é belo é arte -- donde o index.html pode ser usado para a bibliografia de um artigo sem que isso afecte a audiência, e não custa nada experimentar.

2. Toda a atenção se dirige para o efeito causado na audiência pela página de abertura, quando a maior audiência em certos sites, como o TriploV, não passa pelo index.html; por isso não acorre ao que nunca viu -- a novidade --, acorre menos ao que espera ver -- certas imagens --, e mais ao que espera ler -- textos sobre as matérias de que forneceu palavras-chave a motores de pesquisa como o Google.

3. Chegando por encaminhamento de um motor de busca, todas as files de um site são páginas de abertura, esse cibernauta irá dar directamente à prateleira do armazém onde está o que procurava, sem ter passado pela montra.

4. A maioria dos visitantes do TriploV entra directamente para subsites como "biblos", "alquimias", "ernesto", para folders como "mario" ou "timor", e o mais natural é nunca ter visto o fabuloso ovo que mexia e nunca piscou da não menos fabulosa Alca impennis. Basta para o comprovar dizer que num ano houve 8.000 entradas pela página index.html (hitcounter), quando em seis meses os distintos pcs entrados por ela e pelas páginas interiores foram mais de 70.000.

5. Quando num site o número de pcs chineses que o tentam visitar é de 3200 e todos os dias aumenta, nenhum dos cibernautas tendo jamais conseguido ver página nenhuma (page views : zero), então é preciso saber o que está a acontecer, porque isso mostra que tanta preocupação com a fachada faz com que deixemos passar-nos ao lado o mais importante -- a audiência potencial. Porque é que nenhum dos 3200 pcs da China que o têm tentado, conseguiu ainda entrar no TriploV?

A esta pergunta o livro de Magno Urbano não responde, mas responde a muitas outras, por isso conserve-o por perto, se quer construir o seu próprio site ou saber como se cria, gere, mantém e divulga.