VICENTE FRANZ CECIM: KARTA A K
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06-09-2004

g_monge

Eu, K? Eu Confesso.

E faço nesta Karta a Confissão Pública:

- Temo pelos nossos amigos que se fascinam pelas nossas obras.

E a eles recomendo o mais severo Jejum: esse se abster impiedoso de qualquer leitura dos autores que amava, amo e amarei - que pratiquei, fazendo sozinho a minha: Travessia , longamente solitário, até atingir, no Coração da Minha Solidão, e somente aos 33 anos, a minha outra e própria realidade verbal.

 

O Eu-mesmo & seus vívidos Exemplos

ó K,

quando - deixa que eu te conte: quando meu filho Franz foi assassinado, em 1993, desfeito por uma bala soprada por um Outro que o desfez em Pó, eu quis manter o meu Filho vivo em mim, e nos Sonhos de Andara, e o acolhi dentro do meu Nome, que se tornou Vicente Franz Cecim desde então

e agora, K - que nenhum Krápula nos ouça - murmuremos: Até nos Sonhos de Andara estarão vindo ainda Outros para desfazer meu Filho Fenecido em Sombra de Sonhos de Pó?

K ,

tenho vivido tantas Situações Limites, perigosamente no Limiar do Quase ou Semi ou Evidente Plágio assim, tantas vezes

ah, tantas vezes

Deixa que te conte:

desde que publiquei o primeiro Livro Visível de Andara - ‘A asa e a serpente' (3) em 1979: meu amigo Rafael Costa escreveu logo em seguida uma novela infantil ambientada em Andara - esse território literário, Andara: essa Região Verbal que se quis falar através de mim. E não cessa, não se silencia, há já 25 longos tão longos anos

Sendo essencialmente um Puro Ser bondoso & Casto, Rafael veio pedir permissão, antes, e depois me agradeceu no livro - entendi seu gesto como carinho de Amigo. Ele só queria o território mítico de Andara, não o seu território verbal. E escreveu a novela em seu estilo, bem singelo, como singelo era ele como homem.

Depois - já tendo publicado em 1980 o segundo, ‘Os animais da terra' (4) , e em 1981 o terceiro livro visível de ‘Viagem a Andara, o livro invisível' - ‘Os jardins e a noite' (5) - tudo começou a se precipitar para o Fundo de um Espelho Sem Fundo: outro amigo desses anos, Jorge Mun, se deixou fascinar de um modo quase enfermiço, senão já enfermiço, por esses 3 livros iniciais de Andara - o que - te murmuro, K: muito me preocupava, pois chegava ao extremo de dormir com os 3 livros debaixo da cama, junto com suas chinelas. Ora, vê só.

E também Jorge escreveu seu próprio pseudolivro de Andara - ‘Onde' (6), que delicadamente me dedicou.

Ele, Jorge, já avançando para o Abismo mais ébrio, diferentemente de Rafael, não queria apenas o território mítico - queria mais, queria também a Região Verbal de Andara.

E Jorge - como nas transmigrações do ‘Retrato Oval' de Poe - por bem pouco não deixou de ser o Jorge Raimundo que era, depois de já ter se transformado uma primeira vez em Mun, e se tornou o que definitivamente não era : um Ser morto entre molduras: um Outro sem em-si: aquele Outro então ainda chamado Vicente Cecim. Pois meu filho Franz ainda florescia fora de mim

ah K, quanta aflição por ver um amigo se lançando para o Nada, fora de si

e que alívio ao perceber, pronto o seu livro, que mesmo inspirado em mim, felizmente ele não aspirou Andara a ponto de, se envenenando, se negar inteiramente a si mesmo

- e o livro saiu com uma forte singularidade, como fruto de seu próprio Arbusto

de Palavras. Embora esse arbusto florescente estivesse estreitamente entrelaçado a minha ainda Árvore de Palavras, não ainda a minha própria Floresta de Palavras que só com o tempo & os anos & as décadas em mim floresceria - coisa comum por aqui, nesta Amazônia, nesta geografia onde me inspiro & aspiro que eu chamo de minha Floresta Sagrada : isso de vegetais flutuantes nômades parasitários se alimentarem de outros Vegetais nutridos por suas próprias Raízes, procurando, através deles, a Luz, também subir para o Alto: o Altíssimo.

Onde' foi um inventivo e estranho livro - que precisa ser reeditado e não pode permanecer inerte, entregue ao esquecimento em que está - dedicado Ao Cecim.

Nele, meu amigo Jorge Mun conseguiu conviver com o Fascínio e se nutrir apenas o suficiente das Seivas de Andara para buscar suas próprias raízes.

Mas a Serpente avançando, ó K, sempre avançando, depois do grande Passo de Rafael a Jorge que, sem pernas, não entendo com clareza como deu

A Serpente sempre avançando sobre Andara

Outros acontecimentos semelhantes passaram a se dar, com cada vez mais triste e ameaçadora freqüência & intensidade

E nem te contei, ó K - nos poupemos - o caso de um outro amigo que se devotou obstinadamente à tentativa de reescrever a sua maneira ‘A asa e a serpente'

logo que o livro saiu, mas, felizmente para ele, para tanto seu fôlego era curto - e sua paródia ou pastiche nunca se concluiu. Omitamos esse livro natimorto.

e passei a temer, desde então, que houvesse criado com Andara um Livro Monstruoso, sorvedouro insaciável das singularidades alheias. E disso me vindo uma estranha forma de Remorso & rumores de culpabilidades sem-Culpa & melancolias, em ondas - por ter sonhado gerar um livro Alado,