REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências

 

 

 

 



 



Paulo Azevedo Chaves
Paixão e tragédia sob o céu de Paris
Sob o céu de Paris
Alça vôo uma canção
Ela hoje nasceu

De “Sous le ciel de Paris”, música de Edith Piaf
 

     Não foi simplesmente amor, mas  sim uma paixão avassaladora, incontrolável entre dois seres excepcionais, dois gigantes da poesia francesa.  Paul Verlaine (Metz, 1844-Paris 1896) levava uma vida de alcoolismo e desordem moral – patentes sobretudo em seu livro Poemas Saturnianos-- quando se casou com a adolescente Mathilde Mauté, em 1870. Tudo seguia mais tranquilo em sua vida até que convidou um poeta provinciano, de 16 anos, chamado Arthur Rimbaud para passar uma temporada em sua casa, em 1871. Feio, careca, baixinho, o simbolista Verlaine apaixonou-se de imediato pelo belo  Rimbaud e sua poesia. “Oh estações, oh castelos/que alma é sem defeitos?” . Os versos iluminados e plenos de frescor do jovem iniciante encantavam os mestres poetas da boêmia literária da época, regada a haxixe e absinto nos cafés da Rive Gauche parisiense. Entre os dois, “O sexo acendeu como um fósforo” – como no verso do poeta brasiliense Cassiano Nunes. E isso para desespero da jovem Mathilde, que ultrajada se separou do marido levando consigo o filho. Os dois amantes,  libertos enfim da tutela ciumenta  da mulher de Verlaine, passaram a frequentar mais livremente as rodas boêmias parisienses  até que, em 1872, viajaram para Londres. Na capital inglesa viveram em extrema miséria e também brigavam muito, sobretudo quando  bêbados e intoxicados de haxixe.

     Em 1873, não aguentando a dureza da vida em Londres e também os acessos de fúria do companheiro, Verlaine resolveu voltar  sozinho para Paris. Porém, com saudades de Rimbaud,  escreveu-lhe uma carta, marcando  encontro no Hôtel Liège, de Bruxelas.  O reencontro de ambos foi tempestuoso, com recriminações de parte a parte. O dilema para Verlaine é que ele não podia viver longe de Rimbaud, mas perto dele a vida era intolerável. Foi então que comprou um revólver e numa tarde de bebedeira atirou no amigo, ferindo-o na mão. Rimbaud estava então com 18 anos. Em virtude dessa tentativa de assassinato do”arquetípico enfant terrible”, como foi chamado o jovem autor de As Iluminações, Verlaine foi preso, denunciado pela própria vítima.  Condenado a dois anos de reclusão na prisão de Mons, na Bélgica,  ele ali fortaleceu sua fé católica  e escreveu um de seus mais belos poemas, De Uma Prisão,  cuja última estrofe, na tradução de mestre Manuel Bandeira, é a seguinte:

“O’ tu que aí estás, pobre coitado,
Nessa ansiedade,
Que fizeste, o’ pobre
Da mocidade?"

      Depois da prisão de Verlaine,  Rimbaud se refugiou em sua terra natal, onde terminou de escrever,no mesmo ano, Uma Temporada no Inferno.  Nesse pequeno grande livro, Rimbaud evoca em muitos  trechos , de modo transfigurado, passagens do relacionamento tempestuoso com Verlaine,a “Virgem Louca”, enquanto para si próprio usa o cognome ”Esposo Infernal”.

        O último encontro entre os dois ex-amantes ocorreu  em 1875, quando Verlaine saiu da prisão.  Foi um encontro frio, em Stuttgart, Alemanha, pois a distância entre eles se aprofundara: o catolicismo fervoroso de Verlaine  fizera dele um pecador arrependido e algo piegas nas atitudes e versos, como lemos em Sagesse. O anti-Rimbaud, portanto. Aliás, este decidira abandonar a literatura,  logo depois da conclusão de  Uma Temporada no Inferno. Eles estavam afetiva e intelectualmente irreparavelmente separados e naquele ano se despediram para sempre.

     Rimbaud se tornou andarilho na França, depois foi para Chipre e finalmente para a África, onde se tornou mercador e traficante de armas na Abissinia. Com um tumor no joelho, voltou à França em 1891. Operou-se num hospital de Marselha sendo assistido por sua irmã Isabelle. Descobriu que estava com câncer e posteriormente voltou ao hospital, onde morreu naquele mesmo ano. Tinha apenas 37 anos.

      Escrevendo sobre Rimbaud, Georges Duhamel não lhe poupa elogios: “O que Mallarmé não parece ter adivinhado é que o ‘viajante notável’ voltaria, que iria ficar, que não pararia de crescer, que sua influência se estenderia sobre todas as gerações e que aquele garoto seria, no século novo, não o mestre, mas melhor ainda, o mensageiro, o profeta de toda uma juventude febril, entusiasta, rebelde”. 

    Quanto a Verlaine, ao sair da prisão ele foi para a Inglaterra, onde deu aulas durante dois anos.  Em 1880, fixou-se numa fazenda, perto de Rethel, na França,com seu novo amante, Lucien Létinois, que fora seu aluno numa instituição,da qual eles tinham sido expulsos por causa da “amizade particular” entre ambos. Mais uma vez, o amor se rompeu e o poeta naufragou no alcoolismo, com sucessivas internações em hospitais, até que voltou a viver com a mãe, em Paris. Foi nos braços dela que ele morreu, em 1896, aos 52 anos.

    A trágica história de amor entre Verlaine e Rimbaud foi abordada em livros, filmes e peças de teatro. No cinema, Rimbaud foi inclusive personificado pelo insosso Leonardo  di Caprio. Uma peça  sobre eles foi montada, em 2010, no nordeste brasileiro:Pólvora e Poesia é de autoria do novelista – Prêmio Shell,2001 – Caio Nogueira e a montagem foi da companhia baiana Hiperativa Comunicação e Cultura. Rimbaud foi interpretado por Talis Castro, enquanto Verlaine foi vivido por Caio Rodrigo. Em São Paulo a peça foi montada com outro elenco, Rimbaud tendo sido interpretado por João Vitti e Verlaine por Leopoldo Pacheco. Esta última montagem foi, aliás, muito elogiada pela crítica e excursionou por diversas capitais brasileiras.

     Assim como a poesia de cada um deles, a história de amor, plena de dramaticidade, que ambos viveram em Paris, Londres Bruxelas, na segunda metade do século XIX, jamais será  esquecida. As belas histórias de amor permanecem para sempre na memória dos homens e o mesmo vale para a boa poesia.   Os versos  que se seguem de Rimbaud, que integram  Uma Temporada no Inferno,  indicam mesmo   que ele tinha convicção  sobre sua importância e permanência nas letras francesas, apesar de ter deixado uma obra quantitativamente tão reduzida :

“Ela foi reencontrada!
Que? A eternidade.
É o sol desfeito
Nos longes  do mar.”

 

Pintura de Fantin Latour representando uma roda boêmia em Paris, na segunda metade do século XIX  (da esq.´/dir. , Verlaine e Rimbaud, sentados)
 
 
PAULO AZEVEDO CHAVES (BRASIL)
Advogado, jornalista e poeta, assinou no Diário de Pernambuco, nos anos 70/80, a coluna cultural Poliedro, e de meados dos anos 80 até 1993, a coluna Artes e Artistas, especializada em artes plásticas. Livros publicados: Versos Escolhidos,Ed. Pirata,1982, traduções);Trinta Poemas e Dez Desenhos de Amor Viril (Pool Editorial Ltda,1984, traduções); Nu Cotidiano (Grupo X,1988, poesias); Os Ritos da  Perversão (Ed. Comunicarte, poesias, 1991); Nus (Ed. Comunicarte, 1991, poesias). Em 2003, participou de uma coletânea de artigos publicados na seção Opinião do Jornal do Commercio, com o título de Escritas Atemporais (Ed. Bagaço). Em 2011, lançou um livro de prosa, poesias e traduções de poemas com o título de Réquiem para Rodrigo N (Ed.do Autor). Poemas Homoeróticos Escolhidos (em parceria com Raimundo de Moraes) e Os Ritos da Perversão e Outros Poemas foram lançados, em 2012, em edição digital, no site ISSUU.Todos os livros de Paulo Azevedo Chaves tiveram seus projetos gráficos assinados pelo designer pernambucano Roberto Portella.
http://issuu.com/paulo_azevedo_chaves/docs/a_sombra_da_casa_azul