NICOLAU SAIÃO
OS VERBOS IRREGULARES (7)
O REGRESSO DO JAGODES (Jagodes’ Back)

Passou cerca de meio ano sobre a última aparição, nestas humildes páginas (humildes porque modestas, modestas porque bem formadas espiritualmente falando) do Autor de “Pinto Peixoto, Homem de Estado Singular” no qual é traçada a biobibliografia do ex-líder do partido progressista cujo súbito – e surpreendente para alguns – abandono das lides directivas, seguidas de entrada repentina num dos mais conhecidos e bem apetrechados estabelecimentos prisionais da nação criou ondas de choque de que muitos ainda não se refizeram e que outros saudaram efusivamente.

  O caso conta-se em poucas linhas: o Doutor José Jagodes, aproveitando as férias sabáticas em que está mergulhado há cerca de 2 anos após o pequeno incidente havido com um dos seus colegas universitários ido de Lisboa a Paris proferir uma conferência sobre “As raízes da incontinência verbal entre os lusitanos de topo” (embora não correspondesse à verdade que lhe teria dado com uma cadeira a meio da palestra, como alguns repórteres se forçaram a noticiar) aproveitou este lapso de tempo para visitar uma parte de África, da América do Sul e até do norte de Portugal.

  Desses lugares distantes trouxe várias notas de viagem que reputamos de vivíssimo interesse e, muito principalmente, uma acrescida vontade de se debruçar, falando em entrevistas, sobre a circunstância nacional – agora que a nação entrou em fase decisiva de mudança de hábitos dado que… Mas os leitores já entenderam, não vou pois alongar-me.

   Resta dizer que o instantâneo do grande pensador, efectuado quando passeava nas avenidas do Calulo, foi tirado pelo nosso retratista privativo J.G., a quem endossamos robustos e cordiais agradecimentos.

  The least, but not the last (como costuma dizer com chiste o critico cinematográfico Edmundo Pitta) aduz-se que a entrevista foi realizada pelo nosso confrade Almeida y Souza aquando duma surtida a Cascais do insigne ensaísta albicastrense.                   









Almeida y Souza (AS) – Confesso que já me surpreendera que Vossa Excelência… 

Doutor José Jagodes (JJ), atalhando de imediato – Olha, pequeno: se te pões com excelências temos o caldo entornado. Pensas que estás a falar com algum ministro, um desses sacripantas pedantes que estás habituado a ver na santa TV? Tira o cavalinho da chuva e fala como deve ser, como um português de lei, sem fosquinhas blandiciosas que aliás nem me parecem fazer o teu estilo, pois até tens um saudável ar de pirata. Mas ias tu dizendo?... 

AS - Ia eu dizendo que já me estranhara que o Doutor…andando ultimamente o país tão cheio de factos palpitantes…estivesse singularmente calado! 

JJ – Isso é o que tu pensas, meu passarinho. O que tu não sabes é que eu, seguindo aliás os salutares ensinamentos de alguns políticos muito competentes e de uns outros intelectuais idem, tenho escrito com vários pseudónimos aqui e acolá, além de que por vezes mando dizer por amigos e companheiros esta ou aquela coisa que me interessa ver reproduzida sem que…nos blogs mais destacados…e tal… 

AS – Entendo. Não deixa de ser bem pensado…É um belo truque! 

JJ – No meu caso é mais por instinto de sobrevivência. Confesso-to lealmente. É que eu não tenho, como certa gente que por aí anda, magist…até me custa dizer o nome…guardados na carteira para quando faz falta, para me safarem o couro (passe o vernáculo) se me meto em trapalhadas daquelas que trazem o país a salivar. Ainda não me esqueci do que me ia sucedendo só porque disse, numa roda de amigos, numa tasca muito gira, que um mano que eu conheço e que tem andado nisso dos bancos era um perito em aumentar os seus réditos de maneira um pouco… 

AS, interrompendo de chofre – Pois…Mas no que respeita à actividade intelectual propriamente dita, às coisas da res pública, do quotidiano mais importante… 

JJ – Tenho marcado a minha posição, até me estranha que não tenhas reparado…Olha, por exemplo fui eu que num conhecido programa radiofónico felicitei vivamente a actual senhora ministra educacional, aquela simpática cidadã de rostinho juvenil, risonho e com olhos de porcelana azulínea, por irem finalmente arranjar forma de os professores e os alunos evitarem escaqueirar-se por já não poderem aguentar as filmagens… 

AS – As filmagens ???!!! 

JJ – Eu chamo-lhe as filmagens…não faças caso…Aquelas coisas de um prof ser xingado até à exaustão final, ou um puto levar umas coças para espevitar…o que o suscita a ir tomar banho em qualquer rio das redondezas. Eu acho esse ambiente académico muito no enfiamento dos programas do Fox Life – daí a minha expressão simbólica…tás a ver? 

AS – Hum, hum…Mas não lhe parece que o meio escolar tem melhorado imenso com as medidas gerais postas em vigor por este e principalmente o outro governo que a providência nos ofertou? 

JJ – Claro! E estou mesmo em crer que se continuarem a eleger o homem, como muitos esperam com ansiedade, virá o dia em que já nem será necessário frequentar os estabelecimentos de ensino…Bastará preencher uma ficha nos centros de (des)emprego, aliás muito multiplicados, e tudo será resolvido automaticamente, com tecnologia adequada, arriscando mesmo dizer que nessa altura as crianças nascerão já ensinadas – o que irá poupar uns milhões em escolas à nação, permitindo dess’arte que se propaguem estabelecimentos bancários, assessorias, etc… Tudo, em suma, o que poderá fazer deste país um lugar progressivo, moderno, sem corantes nem conservantes,  com os papéis todos em regra! 

AS – Yá… E no que diz respeito às próximas eleições presidenciais… 

JJ – O mais giro está já a ser os maravilhosos contorcionismos verbais daquele moço com uma fala de epopeia…o poeta de gabarito…O que está sem estar e o que sem estar está…O que é contra os que enchem a saca e simultaneamente é a favor dos que lho possibilitam…sem possibilitarem, claro…Falo por ouvir dizer, por ler nas folhas-de-couve, que eu cá por mim…E o nosso estimado mais alto magistrado da Nação? Desmeco com ele – aquelas chamadas de atenção, verdadeiras orações de sapiência quando pede calma ao povo, como se este andasse mergulhado em zaragatas e escaramuças como as claques desportivas dos finalistas da Taça…E quando ele nos diz, bondosa e melifluamente, que tenhamos confiança, que acreditemos em nós próprios? Que não nos deixemos abater pelo desânimo? Eu fico logo empolgado, Começam a passar-me logo em frente dos olhos figuras como as do Gama (não é o Jaime), do Albuquerque, do Zarco e outros heróis…Olvido logo o défice e as cangalhadas do Fraiport, os praticamente 11 por cento de gente em férias não programadas… Deliro com o grande homem! 

AS, sem conter um riso sibilino – O Nobre vai ter que dar corda aos sapatos… 

JJ – Aos sapatos e às meias…E se ele não fosse muito conhecido no estrangeiro e não tivesse uma vida impoluta…Havias de ver, moço…Haveriam de “descobrir” coisas horríveis sobre ele…e tal… 

AS, com um ar muito esquisito no rosto barbado – Mesmo assim…espere-lhe pela pancada. É só chegar a altura das grandes decisões e vai ver se ele se safa de um par de campanhazitas de difamação…à boa maneira democrática de cá… 

JJ – Com o fizeram em tempos ao Sá Carneiro, aquele que depois teve um problemazito aerotransportável? Talvez…Porque aqui entre nós o Nobre está já a despertar anti-corpos…Aquelas declarações de que propõe uma cidadania sem golpes baixos…Uma democracia impoluta, para as pessoas…Onde é que já se viu este desaforo?  

AS – Este desaforo…Talvez seja esse o termo, Doutor. Mas numa democracia moderna… 

JJ, interrompendo logo – Ó filho, não me venhas com essas cantigas please. Democracia moderna? A que te referes? A uma democracia que permite que em certos hospitais um gajo que entrou com reumático saia de lá com uma perna a menos? Ou mesmo defunccionado? Ou onde um fulano pode dar uma topada não digo numa pedra mas numa empresa estatal e saia de lá debaixo um pacotinho com 27 mil euritos por mês de prémio de gestão? Ou onde um tipo, para se safar a uma dívida ou outra coisinha assim muda de residência para Espanha, na região transfronteririça, ficando os credores de rabo ao léu porque segundo se diz o sistema judicial não dá resposta apropriada?  Ou um brasileiro, apalpado em Portugal, vai para a mesma Espanha perdendo-se-lhe o rasto sem que as autoridades se interessem pelo caso? Sou capaz de apostar que o Anes não sabe disto…! 

AS, com uma voz bem marcada, de actor teatral – Uma democracia onde existe liberdade de expressão, seja nos jornais todos seja nas rádios, televisões, restaurantes, cafés-concertos, conselhos de min… 

JJ, atalhando – Cala a caixa, já percebi. Faltou-te dizer se calhar: onde há um partido de oposição que até tem 3 candidatos credíveis e se fosse necessário mais uns quantos folclóricos, onde a despeito de umas presuntivas leis da rolha o élan dos militantes vai dar cabo da tola ao engenh… 

Desatam os dois a rir irreprimivelmente durante um minuto. 

AS – Ai a nossa vida…Mas adiante. E diga-me Doutor: tem lido muito ultimamente? Tem seguido as artes e as letras, o teatro? 

JJ, franzindo alegremente o cenho – Não tanto quanto desejaria, às vezes por causa do meu vizinho de cima, que leva uma boa parte da noite em rezas e cantorias em voz muito alta, com duas ou três visitas (estão a treinar-se para as cerimónias da próxima vinda do Papa), outras devido às discussões (fazem parte dum colectivo católico-progressista e então desunham-se em rixas verbais, ou seja diálogos sobre a necessidade ou não do celibato, da ultimamente divisada após dezenas de anos de observação cuidada, pedofilia eclesial e tal). Um chinfrim, asseguro-te, que me tem posto em papas a serenidade da moleirinha e que só me tem permitido ler, vê lá tu, os poemas do…refresca-me lá a memória…Aquele que recebeu o prémio… 

AS – Ah, esse…O do cabelo estilo Marlon Brando… 

JJ – Quais Marlon Brando?... Não, o careca…Aquele que… 

AS – Careca? Tá a reinar, Doutor…? 

JJ, com uma carinhosa palmada no joelho do entrevistador – Olha, ó meu plantígrado, já me baralhaste…Já meti os pés pelas mãos. E, afinal, careca ou com uma linda popa…nesse campo vai tudo a dar no mesmo…É tudo coisas de primos inter pares, como diz a expressão grega… 

AS – Ó Doutor…Grega??!!  

JJ – Não é uma expressão grega???!! Iria jurar…É que juro-te me baralhaste mesmo, filhote! 

AS -  E o Doutor a mim, se vamos a isso. Quando ouço falar em gregos, Grécia…Fico logo perfeitamente assim assado, carago! 

JJ, rindo suavemente – Não estarás só, meu rebeubéu! Olha que outros ainda ficarão pior. A Grécia é que os lixa, rapaz! Vai por mim! 

(Riem os dois fervorosamente a princípio. Depois, pouco a pouco, o riso assume um tom de queixume muito engraçado de ver e ouvir). 

AS – Para finalizar, Doutor: vai ficar cá por muito tempo? 

JJ – Ná! Daqui vou para a Madeira, passar uns dias de ócio e, afinal, colaborar na reconstrução. E confesso-te que sempre tive um certo fraco pelo Al João. Gajo firme e que diz o que se impõe nos momentos próprios. E tem senso de humor – não te recordas do que ele disse a propor como reunificador do partidão o jovial Marcelo? 

AS – Óquei, então. Obrigado por estes minutos a Vossa Excelencia!...

JJ – Ah patife, tu tinhas de me jogar essa piada final! Mas está bem, até sempre a ti… e aos devotados leitores! 

(Trabalho vectorizado ns/as)