NICOLAU SAIÃO
CALABAZAS

Eu sou o que sou
vegetal e mineral, fruto e animal
no inverno no verão
em cima da cama e numa cozinha
sobre a mesa com copos e garrafas
Sou pintada sou disposta em arco-íris
como alguém que ri e alguém que chora
como uma artista submergida
como um retrato emergente
ando de roda
rastejo
voo sobre os rios e os ventos
os montes e as chamas nas lareiras
sinto a terra nas mãos
balbucio a dormir
assusto-me fico presa
a um objecto tão belo como a escuridão
antes da manhã
depois de anoitecer

Tenho muitos nomes
que de repente desaparecem
cabacinha pintada de azul amarelo
cabacinha pintada de preto vermelho
e sou outra vez eu
e faço o pino danço adormeço
e os sonhos saiem pela cabeça
e ficam a pairar perto das paredes.

Sou cabaça
sou pessoa
sou madeira e pedra
e lume e ardósia e papel
ramagens ensolaradas
casas que se abren e fecham
no dia inteiro
e na tarde
de todos os silencios e ruídos ao longe.

NS

CALABAZAS
Foto: Mayté Bayon
NICOLAU SAIÃO

Nascido em 1946 em Monforte do Alentejo (Portalegre). Poeta, pintor, publicista e actor/declamador. Tem colaboração diversa em revistas e publicações como "águas furtadas", "DiVersos", "Bíblia", "Bicicleta", "Elvas-Caia", "Abril em Maio", "Saudade", "365", "Os arquivos de Renato Suttana", "Imagoluce", "Judo e Poesia", “Colédoco”... Autor de "Os objectos inquietantes", "Flauta de Pan", "Os olhares perdidos" (poesia),"Passagem de nível" (teatro), "Os labirintos do real - relance sobre a literatura policial" . É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Até se aposentar recentemente, foi o responsável pelo "Centro de Estudos José Régio"(CMP). Vive em Portalegre.