Nova Série

 
 

 

 

 

 

 

NICOLAU SAIÃO

Um tiro na cabeça da poesia: Kofi Awoonor, último adeus no Quénia

 
Uma perda para o mundo das letras: O professor, poeta e diplomata
Kofi Awoonor, um dos mais famosos escritores do Gana,
foi morto dia 21 de Setembro no Quénia no ataque ao Centro
Comercial Westgate em Nairobi, no Quénia. O professor Awoonor ia
participar como orador no Storymoja Hay Festival do centro comercial,
que visava aumentar as taxas de literacia entre as crianças quenianas,
quando foi morto no ataque.
 

   Foi assim que no CULTURA, excelente jornal cultural angolano dirigido por José Luís Mendonça, se noticiou o assassinato - perpetrado por terroristas islâmicos - do grande poeta e romancista africano que por seu mal estava nesse dia num local condenado pelos bandidos. 

   Os islamitas abatem indiscriminadamente quem lhes caia nessa rede de acaso que o fascismo verde coloca aleatoriamente nos seus planos sanguinários.  

   Não passa pois duma falácia a narrativa brutalizadora de pseudo-esquerdistas que, de forma cruel e cobarde, justificam os actos dos fascistas verdes com o pretexto de que são dirigidos contra imperialistas brancos ou ocidentais em vista a “vingarem” o que estes teriam feito há séculos. 

  O terrorismo islamita é inimigo de todos os que não aceitam o fanatismo nem partilham a “justificação” ou “compreensão” dos seus actos pró-totalitários. 

  É, na expressão mais lídima, inimigo da Humanidade. Urge ser combatido sem temor ou intermitências.  

  Como homenagem a todos os que tombam assassinados pelos terroristas corânicos, aqui fica um poema de Kofi Awoonor também colhido no CULTURA, a quem agradecemos a notícia veiculada pois é em si uma legítima acção democrática. - ns  

 

Canção de Lamento
Kofi Awoonor
 

Dzogbese Lisa tratou-me assim

Conduziu-me por entre as asperezas da floresta

Voltar não é possível

E avança-se com grande dificuldade

Os negócios deste mundo são como as fezes do camaleão

Nas quais pisei

Não as consigo limpar

Estou no extremo do mundo,

Não estou sentado na fila com os eminentes

Mas os afortunados

Sentam-se no meio e esquecem

Estou no extremo do mundo

Só consigo ir mais além e esquecer

Meu povo, estive algures

Se me viro para cá, sou fustigado pela chuva

Se me viro para lá o sol queima-me

A lenha deste mundo

É só para os que têm coragem

É por isso que nem todos podem apanhá-la.

O mundo não é bom para ninguém

Mas estás tão feliz com a tua sorte;

Ai! os viajantes estão de regresso

Todos cobertos de dívidas.

Algo me aconteceu

Coisas tão grandes que não posso chorar;

Não tenho filhos que disparem a arma quando eu morrer

Nem filhas que chorem quando eu fechar os lábios

Vagueei por lugares ermos

Pelo lugar ermo a que os homens chamam vida

A chuva fustigou-me,

E os cepos afiados cortam como facas

Vou mais além descansar.

Não tenho parente nem irmão,

A morte declarou guerra à nossa casa;

E a grande casa de Kpeti já não existe,

Só resta a cerca quebrada;

E os que não ousavam olhá-lo no rosto

Surgiram como homens.

Como o orgulho está com eles.

Que os que já partiram tomem nota

Trataram mal a sua descendência.

Porque estão a chorar?

Alguém morreu. O próprio Agosu

Ai! Fui mordido por uma cobra

O meu braço direito está partido,

E a árvore à qual me apoio está caída.

Agosi se lhes fores dizer,

Diz a Nyidevu, a Kpeti, e a Kove

Que nos fizeram mal;

Diz-lhes que a casa deles está a cair

E que as árvores da cerca

Foram comidas pelas térmitas;

Que os martelos os amaldiçoem.

Pergunta-lhes por que estão lá parados

Enquanto nós sofremos, e comemos areia.

E o corvo e o abutre

Pairam sobre as nossas cercas quebradas

E os estranhos caminham sobre o que é nosso.

K.A.

    África – (tapeçaria executada por Marianne Halberstadt sobre cartão de ns

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.

Blog : Ablogando, em: http://ab-logando.blogspot.pt/