NICOLAU SAIÃO

O triunfo de Jagodes (Jagodes’ best of)

 “A sobriedade sempre foi uma das minhas características” -  declarou ao “Notícias Diárias” o Doutor José Jagodes antes de iniciarmos propriamente a entrevista que nos concedeu com foros de inquestionável quase exclusividade.

  (Um trabalho da jornalista freelancer Inês Bandarra, com a supervisão e apresentação de José Marcolino, esquire e director deste órgão de informação luso-universal).

   Ao entrarmos na aprazível vivenda de Linda-a-Velha, ladeados por dois espadaúdos apoiantes do Doutor (“apenas por causa das moscas”, para o citarmos correctamente) o que de imediato nos saltou aos olhos/ouvidos foi que da salinha onde costuma receber os mídias não se propagava como habitualmente nem o som do seu bem timbrado vozeirão, trocando frases com o seu braço-direito (ex-comandante assessor Tomás Figueira) nem o também sintomático riso cristalino da sua actual e cremos que totalmente futura companheira, a actriz-cantautora venezuelana Eládia Gonzalez que com o seu temperamento esfuziante abrilhanta as tardes, as manhãs e naturalmente as noites do grande pensador cada vez mais devotado à coisa pública desde que se iniciou o período central da Crise, que é como quem diz o provável espalhanço do actual premier Pedro Paulo Coelho.

  E quem poderá estranhar que a primeira pergunta que lhe dirigímos fosse precisamente para inquirir do porquê deste relativo silencio conceptual e, concomitantemente, gestual se assim nos podemos exprimir?

  E aduzimos também, outrossim, que a proverbial maneira-de-receber que ao Doutor exorna, já com o fornecimento de amêndoas torradas, caju, nozes sem casca e pastelinhos de nata, já com a competente pièce de resistance ou seja a garrafa ou garrafas se a conversa se prolonga, de uísque “Queen Margot 20 anos”, foi substituída por um sucinto “bagaço” de Vila Boím e um tímido pacotito de bolacha Araruta.  Ares dos tempos, diria eu com algum jornalístico senso de humor.

  E cedo então as operações a Inês Bandarra.

 

  INÊS BANDARRA (IB) – Doutor Jagodes, sinto pairar no seu lar, neste seu ninho, um silencio…uma contenção que não me parece habitual…

  DOUTOR JOSÉ JAGODES (JJ) – Tem toda a razão, moçoila. Mas tranquilizo-a já. Como decerto sabe, apesar do que certas lendas maldosas tentam estabelecer, a sobriedade sempre foi uma das minhas características. Pode dizer-se, até, que sou do tipo proverbialmente em sério…excepto naturalmente quando me rio. Mas isso é comum a muitos de nós, incluindo membros do governo como o sincopado dr.Vitorino Baltazar, que parece sempre o austero Buster Keaton quando nos anuncia novas catástrofes financeiras. Será o físico do papel, digamos, pois a austeridade com que nos fulmina deve necessitar daquele tipo de colocação de rosto…de estilo comunicacional…

   Mas no meu caso é assim: a minha sobriedade, nomeadamente a que aqui se verifica, reflecte uma vivencia, diria mesmo uma proposição de fraternidade psico-social, é uma forma integralmente patriótica de me solidarizar com os cidadãos identificando-me com o cada vez mais vincado ricto de tristeza que neles sinto, pois isso não se vê apenas no rosto que noto amargurado, ou eu muito me engano, do dr. Carlinhos Zorro ou mesmo no do nosso estimado presidente Prof. Silva que ostenta uma cada vez mais pronunciada aparência fúnebre mau grado os esforços cívicos que faz para parecer risonho.

  IB – Percebo. Mas entrando agora no cerne da questão eu pergunto sem estar com circunlóquios: é verdade ou não que o Doutor teria tido umas reuniões de trabalho, vulgo conversas de bastidores, com o dr.Paulino Pontes, com o profissional-sindicalista Harmónio Carloto e, até, com o pró-líder António José Segundo que o teriam sondando sobre a sua disposição de, se fizesse falta e em vista das exigências do dr.Xicão Louceiro e do dirigente.Gerânio de Souza, comandar uma equipa governamental de salvação, por assim dizer, nacional?

  JJ – A Inês está a ver o que são os boatos nesta terra? Eu, com o risco de estilhaçar um certo suspense que tem navegado pelos mentideros, desminto formalmente. Fui sondado sim mas para eventual próximo candidato à presidência da coisa pública…!

 

  IB – À…à presidência? Mas…mas isso é ainda mais mediaticamente sensacional! Mas como é que houve uma tal unanimidade…do Pontes, do Gerânio, do Harmónio e…e dos outros? Como é que…

  JJ – É fácil…é compreensível. Senão veja: a não ser o pequeno mas dinâmico comentador Marcos Montes, na sua condição de ex-líder do PDS e de animador das hostes nas universidades de verão e, vamos lá, talvez os doutores Lima e Dias Louceiro mas esses por razões provavelmente muito diferentes um do outro, praticamente nenhum mangas da classe política vai à bola com o Prof. Silva. Desde o estoriador Prurido Valete, passando pela aguerrida deputada Luiza de Santa Apolónia, até ao coadjutor do Minibloc Hernando de Rojas e ao opinador-geral televisivo Marcial Ribeiro da Silva, que vai não vai lhe afinfa umas ferroadas, todos são unânimes na crítica que dirigem ao dito estadista: só sabe, quando não está caladinho, recomendar calma à malta, juizinho meninos e tal…Uma lengalenga que já não faz chispa. Mas, num país de brandos costumes como o nosso, em que o povinho quer é sopas e descanso e, como disse o ministro do Interior cujo nome não me vem de momento, aquele de cabelo branquinho e voz de galo capão, são mais as cigarras que as formigas, as maneiras do nosso  estimado Prof. Silva agradam a uma boa parte dos cidadãos…e se os tais não se precatam ainda ganha de novo as eleições.

 E quem, quando chegar a hora, o iria enfrentar com sucesso não me dirá? O António Câmara da Costa, com o seu sorriso de boneco de feira? O Lella, com aquele estilo de animador de bailes para a terceira idade? O Alegrete já está mais ou menos fanado e no sector militar, apesar de ser sempre giro sentir uma farda a chegar-se à frente, o homem da rua já não se revê nelas pois cheiram muito a quartel. Daí que…confesso…me sondaram,  mas…

  IB - …mas não vai aceitar??!

  JJ – Não sei! Tudo depende… Só se o Alexandre Pingodoce, o Belarmino de Azeredo, o Alberico Damorim me derem o seu apoio. Como sabe são eles que mandam efectivamente por cá, embora o Pedro Paulo Coelho faça as vezes… Ah, não esquecendo o José Temístocles, que apesar de estar em Montparnasse é quem mexe os cordelinhos da jigajoga mais progressista.

  IB – Mas a situação em que o país se encontra…não aconselharia que o Doutor avançasse mesmo sem os sustentáculos desses granjolas? Como o Doutor sabe o país real já não se anda a mirar em “habitués” da política…ganhou-lhes mesmo um certo pó! Não tem visto que onde quer que vão os ministros são apupados, até o venerando ex-chefe de Estado Marinho Suarez evita participar em gangadas públicas para não o xingarem e insultarem até às fezes? O povão quer é descomprometimento…naturalidade…diria mesmo verdade!

  JJ – Bom, lá nisso terá razão…Mas não se esqueça, moça, que na realidade real se um manguelas que tenha de se submeter ao sufrágio popular não tiver um aparelho, ou seja os bolsos, bem areado, a breve trecho dá com os burrinhos na água. Veja por exemplo o grande Orbama, essa flor da democracia social americana e de vez em quando meu interlocutor, que apesar de ser do povo, pelo povo e para o povo, tem de andar a lamber os calcantes, passe a expressão, aos milionários de lá para eles se chegarem com as lecas que lhe permitam entrar de novo na ovalidade da conhecida sala…Senão o Rominey rapa-lhe a taça e é que nem ginjas, que além de ter melhor figura presidencial qual actor de Holywood, tem muito mais palheta que o nosso estimado afro-americano…Pois é!

  IB – Ó Doutor, não me diga que não acredita na democracia directa, enfim, no querer popular sem intermediários que…que façam valer o seu poder de…

  JJ – Acredito! Então não acredito?! Na directa, na indirecta, na transversal, na proto-metafísica…Em tudo isso! Mas como sabe e os nossos homens públicos bem se têm fartado de o proclamar, os lirismos não dão dinheiro, logo não são realistas e a coisa pública vive é de realidades excepto, é claro, quando se trata de pagar dívidas soberanas, porque aí…

  IB – Veja que até altas figuras da Igreija têm posto a tónica na simplicidade que advém da união com o querer popular, da necessidade de voltar aos antigos valores da honra e da…

  JJ – Siiim…Da simplicidade que se continua a notar lá p’rós lados de Roma…e não só…

  IB – O Doutor agora está a ser irónico…

  JJ – Eu??? Nem pense! Ironias e risos com a Igreija…tá quieto! Aliás, se há comunidade menos atreita à receptividade irónica, são precisamente os seus próceres. Falam sempre a sério! Ali não há fosquinhas. Dizem que aqui e ali poderá haver uma necessária pequena hipocrisia…sempre aliás condizente  com a boa condução dos esquemas da fé…mas nada mais. E eu aprecio-os muito e estou empenhado em os trazer para o meu projecto global. Sem eles não se faz quase nada! Se os curas põem um líder de lado, por mais que tente emendar…está frito. O que é natural, eles têm como se sabe a ajuda do Mais Alto e contra factos não há argumentos.

  IB – Mas isso significa que o Doutor tem em mente convidar algum alto eclesiástico…

  JJ – Ná! Não me interprete mal! Nisso eles nunca dão por assim dizer o corpinho ao manifesto e a cara à pública publicidade em termos laico-civis…Jogam mais na influência moral por fora. Uma palavrinha aqui…um comunicadozinho ali…a noticiazinha duma reuniãozita ali…Não! O que eu estou a pensar é criar uma secretaria de Estado, ou mesmo um ministério, para incrementar de novo o bom e razoável fideísmo, diria mesmo a religiosidade em termos cívicos porque se a prática do culto se perde…às tantas vai tudo por água abaixo!

  IB – Mas isso é como se faz mais coisa menos coisa nos países islâ…

  JJ – …E daí, moça, o que é que isso tem de mal? Primeiro não se esqueça que há o diálogo inter-civilizações, a tolerância inter-praticantes – que apesar de neste momento ser só num sentido, todos, incluindo o Suarez e o Jorge, esperam que um dia venha a dar frutos sendo nos dois sentidos, se acaso houver tempo. Depois, não se esqueça de novo que os países neste momento mais a fugirem para a frente do pelotão são apreciadores do tal diálogo favorecedor dos que você queria referir e eu, desculpe, interrompi: a Xina, o Brozil, o Hirão e a Koreia Dunorte e mesmo outros para os lados das Qaraíbas e do norte da Sulamérica…Se não houver um cimento agregador, seja a religião bem estimulada seja a pasta, e não me refiro a pasta de fígado, a coisa não anda!

  IB – Não fico espantada porque a originalidade do Doutor é bem conhecida. Mas indo agora a aspectos mais pessoais, diria da privacidade humana: agora que está neste período de reflexão e em férias sabáticas da Sourbonne, que é que motiva o Doutor como particular?

  JJ – Como é natural, o ténis de mesa e o tiro em fôsso olímpico. Não viu que foram as disciplinas em que os esforçados membros da delegação lusa mais se distinguiram…se me não engano? E eu como patriota a cem ou mais por cento só me revejo em coisas muito nacionais. Aliás, como percebe estando de boa fé, não me podia neste momento rever na bola, dado o estado das equipas lusitanas que andam a perder sistematicamente. Só um detalhe as salva, é que são maioritariamente constituídas por estrangeiros…e assim digamos que são mais eles a perderem, sempre se safa assim um bocadinho a honra da casa

  IB -  E as artes, as literaturas…

  JJ – Nisso só tenho que dizer bem. Não viu o triunfo espantoso daquela senhora lá acho que em Verçailes, aquela que faz coisas abracadabrantes de maravilhosas com bricabraque de panelas e funis, acho eu? E outros…e outras…que não me vêm agora à memória mas é tudo do fino? E os livros que têm ultimamente saído, ora da pena de políticos e derivados ora de publicistas versando esse ramo da aventura de viver em comunidade alfabetizada? E as revistas como se costuma dizer de grande público com as movimentações talentosas e incontornáveis de candidatas a futuras actrizes, manequins, globe-troters e por aí? E na música nem falo, mas o panorama, tendo acabado há pouco a saison dos concertos de praia e de verão, com os e as vocalistas mais populares, foi de arromba se assim me exprimo e…

  IB – Certo, Doutor, já percebi o seu ponto de vista, obrigado. Mas concluindo: quer então dizer que a Crise, apesar de tudo, não tem conseguido impedir o proverbial ambiente desenrascado nacional?

  JJ – Não diria tanto. Mas acho que a malta se está a aguentar bem, e ainda se aguentará melhor se os prémios do Euromilhões começarem a vir sistematicamente para Portugal, digamos todas as semanas durante, vamos lá, até e após 2019. E, note, isto não é uma ideia desajustada ou filha da minha justíssima  sôfrega vontade de beneficiar o país. Não! Eu estou convencido que aí uns oitenta por cento dos nossos economistas pensarão o mesmo – só que por timidez e para não serem mal interpretados como o Antunes Burgesso, não o dizem descaradamente.

  Olhe, a ver vamos cara Inês. Alma até Almeida! (e não me refiro ao Santos dos Cantos, que já me parece estar um pouco demodée). Mas adiante e até sempre!

                                                                                                      IB/JM

 

(Edição a partir das cassettes gravadas pelo nosso técnico Favela Rodrigues)

 
 

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.