NICOLAU SAIÃO

«Árvore» e «Liberdade a preto e branco»

Gostava de ter árvores como alguns têm flores.

Árvores, muitas árvores: laranjeiras, pinheiros, uma oliveira ao pé

do mar, se eu tivesse uma casa a sotavento das dunas

como as que se adivinham em certos quadros de Cézanne

se a luz é muito clara e permanece

com velhos nomes gregos que não sei.

Nespereiras, limoeiros, uma que outra ameixoeira

parecendo, vistas de longe, ser

de uma substância estranha e desconhecida.

Não me importava, até, de em tardes de calor

ter dentro do meu quarto um abrunheiro donde pendesse

um decente e fraternal cadáver.

 

A verdade é que não me assusto facilmente

e tenho confiança no reino vegetal.

 

Malus sieboldi, catoneaster dielsiana, vós sois

os mais exactos filhos do mundo.

 

Gostaria de me rodear, um dia, de videiras

- essas árvores turvas da esperança -

e quando digo rodear sei o que digo, pois

queria que se enrolassem nos meus rins, nas espáduas

me descessem pelas pernas e lançassem

perto do meu sexo folhas novas

e que, ao lusco-fusco, enquanto no céu passam

os pequenos satélites mortais e luminosos que o desespero

do Homem lá coloca, por surpresa se transformassem

em plantas de gesso de frutos impensáveis.

 

Chego a perturbar-me por vezes se vejo

uma árvore junto a um hospital

 

Não sei porquê creio que me lembro mais

ou sinto mais

agudamente os níveis dolorosos das origens

do cristal, da carne

os esponjosos tecidos da sombra e da frescura

das cores da morte pronta para o grande tumulto.

 

Que medo, em certas noites, ver

de noite uma árvore

 

Sei perfeitamente que uma árvore é um símbolo

obscuro da nossa vida, principalmente da nossa vida

que não houve. Mas mesmo assim

dentro das ruas, dentro das casas

as árvores têm um outro entendimento

um mistério muito delas

- e não completamente inventados -

pois não desprezam a agonia dos homens, o choro dos homens

o seu riso, a sua fome, os sinais todos

que o Homem podia e devia ter.

 

As árvores começam e acabam sem amor

e sem ódio.

 

 

Liberdade a preto e branco

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.