NICOLAU SAIÃO

Nove poemas para nove imagens
Nicolau Saião (textos) & Almeida e Sousa (colagens)

EM MAIO DE MAIO COM  MAIO, NOVE POEMAS PARA NOVE IMAGENS

As palavras, por vezes, tornam-se demasiado estreitas. Como caminhos vicinais entre barrancos, entre montes e entre lugares apertados. Ou como aquelas casas da infância que eram grandes, tão grandes, com corredores imensos e largos quartos e que depois, ao crescermos, retomam o seu tamanho que é o dos olhares da indubitável realidade.

Sim, as palavras podem tornar-se banais, ou usuais, ou banalmente usadas, assim como as frases podem quebrar-se contra o quotidiano como se fôssem vagas já sem força ou sem vigor batendo nas ribas alcantiladas dos dias sem pujança ou sem grandeza.

É em nós, contudo, que as palavras, as frases, se reconfiguram, por vezes quando delas mais carecemos. Chegam até nós como um adejar súbito e insuspeito de aves de alto vôo, trazendo com elas as suas melhores galas, o seu perfume e o seu som mais intensos. Palavras como liberdade. Como dignidade. Como tudo aquilo que, sem sobranceria, se acoita numa respiração humana, num hausto de singela, de limpa verticalidade ou de serena comoção.

Sem que o planeasse encontrei quase por acaso, ao folhear um modesto Almanaque já com uma vintena de anos, algumas frases tão naturais, tão límpidas na sua humilde sabedoria que me apeteceu deixá-las aqui, partilhá-las com quem as quiser ler: “ Passa a sachola, volta a galinhola, vêm os besouros. Floresce o citiso, o pilriteiro, o trevo dos prados, a giesteira e a grande margarida.. Orvalho de Maio vale carro de rei. Favas semeadas com ladainhas ficam fraquinhas. Botão de Maio enche a adega.”.

São palavras que apontam para uma recondução aos ritmos antigos desses campos dos quais Maio é soberano.

O Maio real dos tempos, mas também o da sociedade organizada, em que tanto normalmente se espera, em que tanto se usa esperar – e não seremos nós a contradizê-lo, nem mesmo simbolicamente - pois como diz o ditame “Abril fresco e Maio encalorado, enchem o celeiro até ao telhado”.

O que, até para além das estações, é inquestionavelmente bom projecto para uma vida plena.

(Texto e poemas de ns, colagens de Almeida e Sousa)

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.

  Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc. 

   Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).  

  No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).     

  Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).

  Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”.

  Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz),  “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas”(Brasil)...

 Prefaciou os livros “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras) e “Estravagários” de Nuno Rebocho (Apenas Livros Editora).

   Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Com João Garção e Ruy Ventura coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003.

  Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).

   Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.

  Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.

     É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.