NICOLAU SAIÃO
A propósito de teatro

Dedico este texto à memória do médico inglês Lionel Crabowe, apreciador de teatro e personagem. E também a todos os que fazem teatro, nomeadamente no TriploV.

                                       “Todas as palavras podem ter cinco sentidos e algumas têm mesmo
muito mais” – “Zohar, o livro do resplendor”

Introdução

Dizia Claude Roy num dos seus ensaios, depois de ter excursionado pela obra de Boileau e Jean Rostand, que “um romance não é uma fatia de vida servida crua, mas sempre a arte que possui um determinado homem de talhar a vida para a tornar mais viva e mais inteligível”.

Dizê-lo do romance, obviamente, é o mesmo que dizê-lo do teatro ou de qualquer outra disciplina artística. Toda a arte é uma indicação cénica, humana ou desumana, que não imita a vida nem tampouco lhe é paralela. Simbolicamente, poderia até falar-se numa inflexão à guisa do princípio de incerteza de Heisenberg que consiste na possibilidade oficiante do sujeito agir como catalizador e intercessor numa determinada experiência científica. Ou seja: no plano das ciências, químicas ou físicas, o sujeito influencia sempre o objecto, passando a ser parte integrante dum dado fenómeno. Na arte é precisamente a mesma coisa. Por isso é que as teorias que abordavam, de forma imperativa e até intempestiva, a questão da objectividade e da subjectividade colheram tão maus resultados. Era uma abordagem inadequada – e o que é mais grave é que muitos dos seus próceres sabiam que o era. Na verdade, eles faziam uma escrita orientada, praticavam raciocínios orientados, visando ajudar os outros a chegarem a conclusões que interessavam a uma determinada filosofia pré-ditada.

Por estranho que pareça, nos dias de hoje (em que já se descobriu a marosca toda) ainda há quem tenha por vezes o descaramento de vir falar em arte que todos percebam com um impudor que, no fundo, nos toma por mentecaptos ou iletrados. Básicos, como se dizia na tropa…

O que vou dizer creio que se sabe mas provavelmente fará sentido, ainda, sublinhá-lo nestes tempos dramáticos: a criação artística, enquanto matéria em crescimento, convoca as presenças totais não só do passado pessoal e do presente social do seu autor como igualmente daqueles a quem ela é dirigida. E quem diz passado e presente diz também futuro, uma vez que o específico de qualquer verdadeira obra de arte é a sua permanência no Tempo. Assim, é fácil concluir que o artista se dirige fundamentalmente aos seus próprios ritmos, o que não significa que eles não tenham repercussão nos ritmos dos outros. Pensar-se que o artista escreve para o público ( artistas, não sucedâneos mediáticos) é desconhecer os mecanismos da criação, no caso limite buscar intrujar os outros. O que pode suceder é que ao fazer uma determinada obra o artista acalente o sonho de que o que executa tenha profunda repercussão na comunidade, dando-lhe em troca eventualmente fama, proveitos… Mas isso são como que lucubrações laterais que nada têm a ver com o fulcro da questão. E, em geral, a História esclarece-nos que o triunfo popular (para além de ser frequentemente uma carta viciada) é algo que não obedece a leis seguras. Veja-se Balzac, nos tempos de novel operador, a escrever livralhada deliberadamente popular e que hoje já ninguém lê nem recorda. Só depois, tocado pelo aguilhão da febre interior da escrita, se esteve salutarmente nas tintas para o que o público iria pensar – o que deu diversas obras-primas para todas as estações e vários públicos e até lhe permitiu liquidar algumas contas… As máscaras, como os homens da comedia del’arte muito bem sabiam, ora choram ora riem, atravessando os espelhos da existência - e nunca se sabe exactamente quando afixam uma ou outra condição.

São, em suma, tão mutáveis como o Destino.

O Teatro e o seu corpo duplo

Parece que faz ainda sentido, também, acreditar-se que o teatro desempenha um papel qualquer. Pelo menos poderia pensar-se em tal ao verificar-se, pela leitura dos periódicos, que há companhias – maiores ou menores, de bolso, de laboratório, o diabo a quatro – que dão ao público material para muitos gostos. É verdade que também se fala, acredito que com seriedade, na crise que o teatro atravessa, ou seja: nas dificuldades que essas companhias vão tendo para, sem subsídios, tratarem da sua vida pessoal e artisticamente falando. O panorama está pois algo encarquilhado…

Isto no plano do teatro representado. No que diz parte ao teatro enquanto escrita, porque em geral as peças são publicadas antes de alguma companhia lhes pegar, o panorama é diferente, embora isso não signifique que seja mais favorável. Antes pelo contrário, diria.

Praticamente não há colecções estáveis de teatro (criações e não reproduções) cá no país. Os próprios escritores, a não ser que sintam um irreprimível impulso, em geral canalizam a sua criatividade noutras direcções. Ou escrevem uma peça assim como incursão do seu estro por continentes afastados. E isto porque, digamo-lo sem máscaras nem paninhos quentes, o chamado grande público não gosta de livros de teatro, como aliás já o constatavam os exemplares “Cadernos de Teatro” dirigidos por Orlando Vitorino. Se for representado, ainda vá… Mas lido?! Falemos de outras coisas…

Como tudo tem uma explicação, procuremos a que se adequa a este facto.

Tal deve-se a meu ver, em primeiro lugar, à deflação cultural que existe e que é evidente. Tempos atrás, na coluna que mantinha no “Le monde diplomatique”, Jean-François Revel constatava que o analfabetismo funcional mais do que ser estável está a crescer – sendo aliás alto – nas sociedades tradicionalmente alfabetizadas. Além disso, o papel da cultura nas sociedades modernas já não é o que era no século dezanove, digamos. Por essa época, que era um período fáustico, as melhores consciências acreditavam na cultura enquanto instrumento de penetração no conhecimento. Viam nela uma possibilidade para o Homem se adestrar no relacionamento com os outros, até que verificaram esta coisa muito simples: a cultura é sempre um motor de divisão, de diferença, diria mesmo de provocação principalmente dos poderes constituídos. A cultura, ao humanizar, cria exigências, faz crescer as interrogações. O indivíduo culto torna-se frequentemente incómodo, questiona a sociedade e, em última análise, questiona-se mesmo a si próprio, tentando perceber qual a sua posição ante a Vida. Por isso é que, passado um certo tempo de inocência, os dirigentes da sociedade resolveram por bem apoderar-se das suas rédeas, nomeadamente controlando as diversas variáveis do facto cultural. Mas como este é inevitável e, ainda por cima - tal como o espírito -  sopra nos lugares onde menos se espera, buscou-se torná-lo matéria moldável ao bel-prazer dos académicos, dos eruditos ou, então, através duma operação arguta de camuflagem, coisa de tempos livres (como divertimento ainda que algo elevado) para as massas ou de luxo para os casos de aparente maior exigência.

O teatro, sendo na altura extremamente apelativo (tendo mesmo um vector de distinção social ou mundana), era controlado de forma perspicaz: teatros de Estado, algumas vezes; doutras, teatro de boulevard onde se iam ver reproduzidos comportamentos considerados exemplares, por um lado, ou as curiosidades cómicas, dramáticas e trágicas que davam o sal e a pimenta ao ramerrão da vida burguesa.

Ainda hoje isso sucede. Veja-se o êxito, surpreendente para alguns mais distraídos, que tiveram peças que tranquilamente passam por nós no Rossio e que consolam as almas mais ou menos aflitas por um dia-a-dia anquilosante. O facto não tem nada de estranho: há no nosso tempo, como sempre houve, um desejo de divertimento e de evasão perfeitamente compreensível uma vez que, como Jean-Marie Domenach assinalou com pertinência, vivemos hoje de novo o retorno do trágico duma forma impetuosa. Salvo as excepções que sempre existem, as populações sentem a necessidade imperiosa de mudar o sentido que o imaginário social tomou: os talk-shaws e as telenovelas são uma das fórmulas que se arranjaram para fixar as sensações mais profundas e que pululam sob o consciente. E ambas são, em última análise, não mais que um ersatz do teatro, tanto mais que, de acordo com informações que sempre transpiram, tem havido talk-shaws em que actores profissionais, discretamente camuflados, fazem o papel de pessoas do quotidiano com os seus problemas específicos para a função.

Aliás, geralmente os propiciadores de telenovelas nem tentam fazer passar por arte aquilo que sabem muito bem não o ser. Digamos, com a suficiente carga irónica, que até são corporativamente honestos: nunca se viu nem talvez se verá virem defender o seu produto como facto artístico em si. O máximo que dizem é que se trata dum divertimento bem feito de que as pessoas gostam e que exigem lhes seja servido num bom invólucro. Eis a explicação para as reservas bizantinas que se faziam ao comparar-se telenovelas brasileiras e portuguesas: as primeiras, no dizer de críticos ou emissores de opinião específica, seriam superiores às segundas, na medida em que teriam melhores interpretações e argumentos mais consistentes. Trocado por miúdos e falando com lucidez: porque eram/são uma treta feita de maneira muito mais habilidosa.

Não vamos acentuar a fotografia, uma vez que nos parece estar já tudo dito. O teatro, seja nas salas onde ainda se faz ou nos mass-media áudio-visuais, é de facto outra coisa muito diferente.

Em primeiro lugar, no teatro enquanto obra de arte existe uma parte de segredo no sentido que lhe dava a Sabedoria Tradicional, que consiste em possuir uma estrutura que não é linear. Possui uma segunda leitura, caldeada na poesia que lhe é própria e que se sublinha na possibilidade de ter diversas encenações consoante a opção de quem o coloca em palco e o interpreta. Posso até dar como exemplo limite – e não estou a pôr em epígrafe a maior ou menor qualidade do resultado, a transformação numa comédia dramática com fortes laivos de irrisão do drama de António Patrício “O Fim” efectuada pelo grupo de teatro existente em Portalegre.

Este é um dos aspectos. Outro, é a carga interior que os diálogos, as cenas, os actos, devido a uma articulação específica, têm. Por exemplo: parecendo na altura que estava a dizer coisas sem sentido, ao dar à existência a sua “A anunciação feita a Maria”, que na época apareceu a alguns sectores como blasfema (não fora Claudel um católico reconhecido e teria decerto pago o seu desaforo!), fez o dramaturgo francês a crítica mais justa a uma existência esclerosada e às dificuldades que nela pode ter um ser sedento de autenticidade e pureza.

Além disso o teatro verdadeiro, não o de trazer-por-casa, implica como tudo o que tem qualidade um esforço de reconhecimento. Num mundo que tenta expandir a banalidade, a frivolidade e a dependência de espírito, naturalmente que o teatro tem de ser pouco popular. É que não pode, de facto, conciliar-se qualidade com preguiça mental ainda que se corram certos riscos. O verdadeiro artista, aliás, tem de assumir a parte maldita que o mundo actual lhe reserva e que, em mundos antigos, também lhe cabia: com efeito, sabe-se que muitos autores antigos, hoje dados como clássicos, se viram em palpos-de-aranha por obra e graça dos poderes de então. São, digamos, os ossos do ofício…

Finalmente e embora eu vá repetir algo que já está esclarecido, creio, diga-se que a popularidade de certos mistérios religiosos postos em cena na Idade Média lhes advinha não do entendimento que o espectador tinha deles mas, sim, de falarem em algo que encontrava forte repercussão nos sentimentos e concepções de então. Noutro plano, para exemplificar, o apreço que as obras de Miguel Ângelo colhiam não lhes advinha da sua qualidade própria enquanto pintura mas sim da figuração que ia ao encontro da religiosidade geral. Aliás, muitos outros pintores menores e até alguns pinta-monos gozavam de similar apreço. E, como detalhe irónico mas verdadeiro, veja-se que só recentemente alguns dos seus frescos foram apresentados como ele de facto os concebera, pois tinham sido decorosamente vestidos pelo pudor eclesial.

As relações entre o artista e a sociedade têm passado sempre – pelo menos até à segunda metade do século vinte – por um curioso jogo-de-escondidas bordejando a atracção e a repugnância de aquele para esta e vice-versa. Com a chegada dos universos mediáticos a paisagem clarificou-se: o artista é hoje uma excelente caça para exibir em locais mais ou menos tributáveis. Contudo, seja em momentos da sua vida seja porque a lógica do seu discurso específico se impõe, o espécime venatório em apreço às vezes refila e abre frentes de conflito onde menos se espera. Já  lá dizia Mestre Ubu que num estado bem organizado os artistas deveriam ser obrigados a marchar, de manhãzinha, pelo menos quarenta quilómetros antes do pequeno almoço…

O teatro, esse cadinho de imagens multiplicadas e algo contraditórias, fala – até nos seus silêncios muito próprios. Como a vida, evidentemente.

O Teatro e o seu corpo múltiplo

Defendem alguns pensadores argutos, contrariados ou corrigidos por outros tão argutos como eles, que hoje por hoje o nosso mundo se transformou num vasto palco onde se representam sem cessar muitas e variadas peças – mas descontinuamente como é apanágio do quotidiano; e aos fragmentos, como parece que deverá ser típico duma sociedade repartida por grupos, interesses e sectores degladiando-se sem cessar. Houve até um tal Herman Hesse que, certa vez, em carta a um confrade, sustentou mesmo a teoria de que o que temos socialmente é uma contínua encenação, na medida em que os sentimentos, as relações e os contactos societários estão sujeitos a preconceitos incoerentes, a juízos morais perfeitamente burlescos e a normas desvairadas, desajustadas e mais ou menos falidas.

Permitam-me que não opine. Aliás de pouco me serviria, porque nunca se sabe em definitivo se não estamos (filosoficamente) a ser personagens nessa peça que eventualmente anda a fazer a sua tournée pelo globo. Como dizia Thomas Mann, “de facto, muito bem se sabe que o artista não é em si mesmo um ente moral mas um ente estético, que o que o inspira e move não é a virtude mas o jogo, inclinado espontaneamente a jogar, ainda que mais não seja do que dialecticamente, com os problemas e as antinomias da moral…”. Mas também isso acontece duma certa forma velada, diria teatral: no fundo, excepto para tornar os dias um pouco mais coloridos nos seus intervalos de lazer, um artista não serve para nada como os rouxinóis ou os gatos. Se tiver um pouco de juízo, procurará transformar as suas quimeras (“os seus sonhos particulares”, como dizia Vigny em algo aproveitável para a comunidade. Ou seja – e veja-se que estou a tomar a óptica do Poder – em algo que morigere as almas e as ponha escaroladas e prontas para as tarefas do dia a dia…

(Em todos os tempos e principalmente na época moderna, onde a questão artística assumiu foros de “personagem” e os seus protagonistas vulto de profissionais com direitos cívicos reconhecíveis, alguns operadores económicos deram-se conta de que era possível aproveitar certas virtualidades espectaculares desses cidadãos, nomeadamente se os conseguissem travestir de “enfants terribles” e de “jolies dames”, a um tempo brilhantes e inócuos para não lhes empatarem e até beneficiarem alguns fins-de-meses. O negócio é compensador, tanto mais que são eles que controlam o mercado e as reputações).

O hábito da simulação – melhor, a sua necessidade -  difundiu-se na vida pública e privada, forjando aquilo a que poderei chamar a teatralização dos imaginários, o que provoca uma ausência de gosto pela profundidade das coisas e pela realidade do quotidiano. O apodrecimento das sociedades, para empregar a expressão cunhada por Georges Pérec, é um facto indesmentível; em certa medida vivemos mergulhados numa esquizofrenia social evidente, tendo os próprios ritos religiosos mergulhado numa teatralidade profunda para suscitar com mais ímpeto o interesse dos fiéis que cada vez mais se alheiam da religação, aderindo antes ao espectáculo mediático proposto. Em certos países, nomeadamente no Brasil, onde o palco é partilhado por diversas confissões e seitas de forma muito intensa e até gratificante, existe mesmo uma emulação de gurus e figuras de proa onde a encenação da mística é profundamente marcada.

Contra isto, o que pode o teatro – o teatro de qualidade, complexo e exigente? Necessariamente não pode muito: enquanto brinquedo é pouco sugestivo, enquanto reflexão é solitário e “pobre”. Enquanto espectáculo lá se vai aguentando, manquejando, como aqueles heróis velhos das batalhas, de bigode farfalhudo. E no entanto…

E no entanto continua a fazer sentido. Eu diria – mais do que nunca. Porque o teatro verdadeiro, o que sem partis-pris aguenta nobremente a sua própria incomodidade e a sua própria desgraça, é um jogo legítimo com a alegria e a inquietação de existir. Misturando e combinando os ritmos da vida e da morte, entrega-se à festa do espírito com toda a naturalidade de uma cadencia lúcida que antecipa ou acompanha os grandes raciocínios da existência livre e estruturada em moldes criativos, plásmicos e salubres. Feito para dez, vinte ou duzentos espectadores, permite-nos colocar o problema nos seguintes termos: “Entrego-me ao jogo que me ajudará a libertar a minha cadencia vital e social sem alienar o meu ser profundo, aquilo que sou enquanto membro da espécie humana. Sei que tudo faz sentido porque não perco de vista que o contentamento, a diversão e o repouso não me retiram a capacidade crítica e a inquietação criadora. E, assim, sou verdadeiramente participante em algo que é inevitável mas que já não me assusta: a progressiva marcha para a velhice e a morte, com o seu brusco ou leve correr de pano”.

Ou seja: a meu ver, o teatro tal como o entendo é um exorcismo contra o absurdo e a infelicidade da vida breve, contra a senilidade social e a barbárie que nos querem impor através de mecanismos de disfarce disseminados habilidosamente em descargas pretensamente cómicas ou dramáticas. Tal pressupõe uma chamada de atenção, se assim o quiserem, para a ética e não para a moral.

Num mundo que já não sabe bem onde está a realidade (veja-se a relevância que tomaram nos últimos tempos – até que os extinguiram porque estavam a mostrar demasiado o jogo… - uns simulacros intitulados “Apanhados”, onde situações absurdas ou estranhas eram encenadas sem que as vítimas se dessem conta e que tomavam por realidade), o teatro é uma parte da receita contra a incapacidade de multiplicação da visão clara que se pode ter das coisas. Repõe no seu verdadeiro contexto os dados da questão primordial: se somos alguma coisa, o que somos necessita de máscara? Se viemos de algum lugar, esse lugar onde está? Se vamos para algum lado, porquê fazer a caminhada duma forma que nos angustia mas não nos permite utilizar as pistas que temos?

Estas são perguntas legítimas. E são muito. São, com efeito, quase tudo.

Conclusão

A peça de teatro a que se aludiu a dado passo (“Passagem de nível”) e que foi publicada depois de vicissitudes diversas originadas por gentes alheias à sua saída a lume, escrevi-a numa altura em que me achava penosamente entregue a ostracismos provocados pela minha incapacidade de aderir a ritmos que visam acorrentar o ser humano a manjedouras de grupo ou de sector. Foi uma espécie de resposta vital à indignidade com que tentam macular-nos frequentemente, mesmo numa sociedade pretensamente democrática. Escrita em dezoito dias, quase de jacto e praticamente sem modificações, afixa a minha crença em alguns valores tais como: o amor electivo entre seres que se encontram a despeito das misérias das épocas, a liberdade de utilizar o tempo que nos é dado viver sem estarmos dependentes de preconceitos, a busca do conhecimento que pode ser a antecâmara duma eventual sabedoria.

Tal como Thomas Mann eu acredito que “o espírito não é monolítico, é uma força encerrada na vontade de fazer a sua própria imagem do mundo, a vida, a sociedade”. E, sendo assim, permanece como uma janela aberta sobre os diversos palcos da existência onde as personagens se movem como num início de acto.
  
                                                                                                                         ns

Nicolau Saião. Nascido em 1946 em Monforte do Alentejo (Portalegre). Poeta, pintor, publicista e actor/declamador. Tem colaboração diversa em revistas e publicações como "águas furtadas", "DiVersos", "Bíblia", "Bicicleta", "Elvas-Caia", "Abril em Maio", "Saudade", "365", "Os arquivos de Renato Suttana", "Imagoluce", "Judo e Poesia", “Colédoco”... Autor de "Os objectos inquietantes", "Flauta de Pan", "Os olhares perdidos" (poesia),"Passagem de nível" (teatro), "Os labirintos do real - relance sobre a literatura policial" . É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Até se aposentar recentemente, foi o responsável pelo "Centro de Estudos José Régio"(CMP). Vive em Portalegre.