NICOLAU SAIÃO

Justiça cega (Blind Justice...)

O Sr. Procurador Geral da República, humanamente, declarou algures numa dessas reuniões que nos devem merecer o maior respeito – ou no mínimo uma poderosa atenção – que a, e citamos, Justiça em Portugal é igual para todos e que entre nós não existe uma justiça para ricos e outra para pobres. Fiquei bastante emocionado. Tanto mais que tenho andado a sentir na pele os benéficos raios desse Sol que nos aquece o quotidiano da equanimidade – essa Justiça que nas esculturas e nos altos-relevos usa uma venda não por ser ceguinha ou mesmo vesga mas sim por não exercer distinções visuais ante os cicranos que lhe caem na alçada operativa.

Escrevi então, no consabido Portugal Diário (dirão os leitores que ando a tentar o destino? Em estilo Sílvio Pélico? Talvez...) as palavras que seguem. Que aqui deixo com todo o respeito, a mansuetude toda e todo o empenho de bom português, de cidadão que inda conserva alguma viveza de espírito...

Apesar de ter bem poucas razões para me sentir contente.

CORAGEM

Sei que me arrisco a ir preso ou, pelo menos, a ser tomado de ponta pelo Sr. Procurador G. da República. Mas não posso deixar de dizer que Sua Excelencia ou é um fino humorista ou toma-nos por primários. Por parvos, por distraídos, por parolos ou por pobres de espírito a quem se pode sem rebentar a rir oferecer o Céu destas declarações deliciosas.

Com que então a Justiça é igual para todos! Conte-me isso a mim, excelentíssimo senhor e eu exibirei um sorriso amarelo. Sabe porquê? Porque, por exemplo, há 12 meses um fulano, certamente muito brincalhão, dizendo que queria ser meu inquilino, apanhou-se no casinhoto (digamos assim com chalaça) e nunca mais me pagou um tostão. Recorri aos tribunais. E até agora estou a chuchar no dedo, pois foi o próprio causídico que contratei (não é assim que se diz) que com lucidez e realismo me avisou: "Eu, por bem, aconselhava-o a não levar o assunto para a frente...vai-se fartar de gastar dinheiro e...não vai apanhar um chavo!".

Pelo que, concluo que sendo a justiça igual para todos - tal como eu deve haver por aí muitíssimas gentes "a arder" (perdoe-se o plebeísmo, mas é o que o caso merece), sofrendo no pobre ordenado de reformados, como eu, as caquexias dum sistema tão equânime, tão lindo, tão justo.

Se se concluir, depois de se ler este meu texto, que estou magoado e indignado, concluir-se-á acertadamente.

Justiça boa, cá no Portugalinho? Ora,ora...

E eu, tal como um conhecido pobre ensaísta (*) já o fez, digo serenamente: "O Sistema Judicial é o cancro que está a destruir a democracia lusitana".
E o resto é conversa!“

(*) Por acaso o tal ensaísta sou eu mesmo, pelo que não estou a chamar pobre, abusiva e sarcasticamente, a quem quer que seja do exterior...