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MOÇAMBIQUE, 30 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

Mia Couto numa Conferência Realizada em DEZA TRAVERSE Suíça, celebrando Moçambique, 30 anos de Independência. 16 de Junho 2005

O ciclo perpétuo da divida

Os países africanos estão gastando e continuarão indefinidamente gastando mais a pagar o serviço da divida do que a investir na saúde ou na educação. De 1980 a 1990 a totalidade da divida da africa sub-sahariana mais do que duplicou. Em 1995, as exportações somadas dos países africanos não chegavam para pagar o serviço da divida. A questão para eles já não era a de pagar ou não pagar mas de sobreviver ou sucumbir.

Quando houver uma decisão sobre o cancelamento será demasiado tarde. Alguém já chamou à divida uma “guerra por outros meios”. Essa agressão silenciosa não aparece na TV mas que é responsável pela morte de meio milhão de crianças em cada ano. Esta guerra faz da filantropia do Ocidente um falhanço anunciado e acabará por desacreditar um sentimento tão nobre como a solidariedade.

Os mais miseráveis do continente – a quem se supõe ser destinada a ajuda internacional – pagarão, em cada ano, mais do que aquilo que estão recebendo. A verdade é simples: a divida é impagável. Nenhum pais africano poderá exercer a sua independência sem que esse fardo tenha sido eliminado. Com este passado não pode haver futuro.

Quando o HIPC se decidiu em 1995 aliviar a divida de Moçambique nós festejamos. O anúncio do alívio foi feito com pompa e circunstância, um prémio a celebrar o nosso comportamento ajuizado. Afinal, era maior a festa que a razão de festejar. De 113 milhões por ano passou a pagar 100 milhões. Essa redução era, afinal, insignificante. Para se qualificar Moçambique teve que implementar medidas draconianas do Programa de Reajustamento Económico. Essas medidas tiveram impactos dramáticos no país. O tão propalado alívio acabou não libertando fundos que poderiam marcar a diferença no desenvolvimento de Moçambique.

Por outro lado, o que hoje se exige a Moçambique não se exigiu a países da Europa. Depois da grande Guerra, o chamado London Agreement aceitou que a Alemanha pagasse a divida acumulada aos aliados a uma taxa anual equivalente a 3.5 por cento dos seus rendimentos. Mais do que esse valor era tido como um factor de estrangulamento inaceitável. Porém, mesmo com a tal redução do HIPC, Moçambique pagará 13.5 % do seu rendimento. O que quer dizer que estamos pagando 4 vezes mais do que se achou aceitável a Alemanha pagar, numa situação de crise global e em que os preços das matérias-primas estão mais baixos do que nunca.

 
 

Mia Couto nasceu na cidade da Beira, Moçambique. Depois de um início de carreira na área do jornalismo, consagrou-se à literatura. As suas obras, dotadas de um estilo original, encontram-se já traduzidas em várias línguas: holandês, sueco, norueguês, italiano, francês e espanhol. Mia Couto dedica-se também teatro e à biologia.