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MÁRIO MONTAUT
WEBERN

Havia um Jardim Musical.

As flores mais diversas, dispostas com maestria em arranjos rígidos, cantavam ininterruptamente na ordem das orquestras, ao aceno imperativo das batutas espalhadas por todo canto. Já estávamos todos cegos pelo brilho dos metais; surdos para os sons que vem de dentro; desafinados pelo excesso de regência.

Foi quando por uma ironia de Indeus nasceu ali a flor Webern. E o tal jardim implodiu. Despetalou-se.

Hoje estamos entre pétalas, em queda livre pelo abismo. Pétalas, pétalas, pétalas. As bachianas, as wagnerianas, as debussyanas pétalas se cruzam, se chocam, se evitam; ecoam no silêncio abissal longe de todo sol. Pétalas, pétalas, pétalas: os mortos nos saúdam. Alguns de nós, jazem no fundo do buraco negro e pescam as despetaladas sem a menor esperança de vê-las restituídas numa sonora e meiga flor de jardim. Pétalas, pétalas, pétalas; Capricho De Morte: Isso é Anton Webern.

E não me digam que suas notas são estrelas formando lentamente uma constelação no céu; lampejos num infinito espaço sereno, ou pior: Música De Invenção(essa não!!!). Conheço bem a História De Webern. E não me iludo.

Na foto: Anton Webern

ÂNIMAS DE CRISTO:
UM AMANTE BEIJA SUAS CHAGAS!

 Ânimas De Cristo têm belas mãos e lindos pés. Sim. À parte a raça, o credo, a idade, essas mulheres, Ânimas De Cristo, têm graça e formosura nas mãos e nos pés. Quase sem culpa nos ingênuos desatinos do mestre, elas vivem múltiplas e concomitantes vidas de infinitas crucificações, agonizando inconscientemente na dor daqueles pregos, únicos amantes fiéis que contra ou à vontade, desde sempre tiveram; antes de mim. E assim caminham, gesticulam, acariciam, tendo as chagas bem ocultas: sob marcas de queimadura, pintas, manchas de nascença; ali se escondem pequenas e profundas chagas à espera de muitos beijos. Beijos, muitos beijos, ternos, constantes, alucinados. “Esta é sua missão!”, disse o Anjo, e desde então, com que prazer o obedeço! Tomo nas mãos tais mãos, tais pés, e beijo, beijo nas chagas e cheirosas adjacências. Beijo, beijo, não importa por onde andem, a que acenem ou quem afaguem, suas mãos e pés. Minha autêntica missão! E eis que súbita alegria, nelas aflora...em amoral esquecimento coroado de gloriosa música, êxtases serenos, delícias que me bastam; e mais não suportaria.

(fragmentos de um escrito apócrifo encontrado por Mário Montaut à sombra de versos do Rubaiyat)