MNEMÓSINE
Maria do Sameiro Barroso (poemas) & Martins Correia (pintura)
15-05-2005 www.triplov.org

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CRISÁLIDAS BRANCAS

A púrpura flutuante desvenda, pouco a pouco,

as aves sincopadas, o céu entreaberto,

peixes silenciosos, aquários sombrios,

abrigos vulneráveis,

crisálidas brancas onde o corpo e as algas se formam,

na áscua marinha, luminosa das águas, dos pomares,

nos jardins de Perséfona,

entre romãzeiras, cisnes negros,

onde me debruço, de rosto quase inerte,

e Deméter me devolve, em silêncio,

a estranha liberdade das árvores de fruto.

EM PLÚMBEOS SILÊNCIOS

Num clamor que aspira à navegação indómita dos ventos,

à rota das aves dos astros e dos peixes,

o tempo aninha-se no silêncio plúmbeo

que atravessa as proas, os desertos, o ouro dos barcos,

a quimera flutuante,

o relógio solto das anémonas que lutam,

na solidão, no peso da água

suportando em seu peito luminoso,

por um gume de azul, uma torre, uma terra de ocre,

uma nave inteira,

uma flecha,

uma acha sagrada.

UM NARDO ENTRE OS DEDOS

Nada se desfaz no silêncio da memória,

nem o olhar de névoa que se aproxima, denso,

de uma caligrafia insólita de ruínas, papoilas,

pedras soltas;

um nardo entre os dedos roubando a essência.

como se a gramática submersa da raiz profunda

se pudesse desmoronar,

entre a cinza e a erva, restos de madeira,

e flutuasse, no cristal transparente do sol, da bruma,

junto à hermética fachada

das barreiras destruídas

pelos espaldares do tempo.

CALIGRAFIA MUTÁVEL

Na luz vegetal da urze e do orvalho,

alongam-se os capitéis do tempo,

naves solitárias onde pairam harpas dolentes, volutas

(aves de Antígona);

primitiva sombra de cativo mistério,

em altas chaminés e fendas profundas, ocres,

formas de uma caligrafia mutável

onde convivem, lado a lado, as verbenas e a caliça,

em aras escalavradas, negras

de cinza, areia

e abandono.