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MARIA DO SAMEIRO BARROSO
As vindimas da noite
"...Et l'aube a reveillé le bruyant rossignol" (*)

Afundo-me, na roda atordoada dos crisântemos

loucos, que fazem e desfazem a roupagem da névoa,

o destino do vento, o rastro telúrico, o percurso solar.

No turbilhão das estrelas, fazer e desfazer

é árdua tarefa, se o prémio a alcançar,

não é, como para Penélope, o amor perdido

de um homem que regressa.

 

Afundo-me, nos nós desfeitos, numa manhã de bruma,

escrevendo o espelho, a ferida,

a resposta fendida, na cianose lunar.

As searas adormeceram já, na magoada surdina,

apenas as musas feiticeiras que trepam pelo fio

das aranhas invisíveis inventam a cor

dos desordenados girassóis.

 

Afundo-me, no rasto dos cristais pendentes,

ateando a lira e a palavra,

enquanto as neblinas azuis rebentam no corpo

de fragilíssimos nenúfares,

e, no leito das palavras adormecidas,

na água acesa, ecoa, sempre vivo,

 

o doce rouxinol do canto.

(*) Ìbico (Século VI a. C. ), in Marguerite Yourcenar, La Couronne ei la Lyre, Galimard, Paris, 1979, p.112.

Maria do Sameiro Barroso é licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia, pela Universidade Clássica de Lisboa. Exerce a sua actividade profissional como médica, Especialista em Medicina Geral e Familiar.

Em 1987 iniciou a sua actividade literária, tendo publicado livros de poesia e colaborado em antologias e revistas literárias. A partir de 2001, a sua actividade estendeu-se à tradução e ensaio, tendo publicado, em revistas literárias e académicas.

Em 2002 iniciou a sua actividade de investigadora, na área da História da Medicina, tendo apresentado e publicado trabalhos, nesta área.