OS DIAS LÍQUIDOS
JÚLIO CÉSAR DE BITTENCOURT GOMES
01-10-2003 www.triplov.com

fff

26 de junho

O imperceptível som da umidade brotando em gotas nas paredes. O lento esgueirar-se de formigas por entre frestas do reboco. As paredes como que menstruam todos os líquidos mal chorados, mal sorvidos, mal cheirados, mal vencidos: as paredes denunciam a miragem de nossa secura tão pobremente forjada. Simulacros. Misturávamos nossos líquidos em noites dadivosas, enredávamo-nos em palavras grandiosas, fingindo acreditar no que diziam mas já saboreando de antemão a certeza de que tão logo as acabássemos de pronunciar elas se nos revelariam em toda a sua estranha impostura. Levantados do chão, talvez nos coubesse a inútil faina de levar ao mar nossa jangada de plumas, nosso pequeno universo. Mas não; deixávamo-nos quedar sobre os louros do amor vencido, crentes que a perfeição existia e que por nós ainda aguardava. Provocávamos a dor. E não era de todo ruim. Ao menos no certeiro ato de ferirmo-nos, éramos bons e generosos. As paredes menstruam...