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JOSÉ EDUARDO FRANCO
O ANTIJESUITISMO EM PORTUGAL:
HISTÓRIA E MITO
 
 
 
3.2. Nas metamorfoses do antijesuistismo: do liberalismo à I República

A literatura antijesuítica pombalina exercerá uma influência modeladora na sua posteridade cultural portuguesa. Os liberais vão revisitar o mito dos jesuítas estabelecido por Pombal e actualizar o seu imaginário em torno do seu alegado complot permanente, acusando-os de conspirar contra as novas liberdades (28). Os românticos vão carregar o lado negro do mito, caracterizando-o como figura emblemática da perversão e da hipocrisia, do fanatismo e do imobilismo, apesar de Almeida Garrett vituperar o estilo da Dedução Chronologica e analytica, como sendo "prosaico e burguês, chato, vulgar e sem sabor" (29).

O teóricos da Geração de 70 - Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queirós, etc. - vão responsabilizar os Jesuítas, na linha na esteira das invectivas pombalinas. Estes intelectuais tendem a ver na acção da Companhia de Jesus uma das causas maiores da decadência do país e os símbolos mais excelentes da ignorância e da reacção, da educação fanatizante e infantilizadora, operada pelo bastão anti-liberal da obediência cega (30).

O século XIX liberal é atravessado transversalmente pelo síndroma antijesuítico, pela obsessão de diagnosticar os focos de jesuitismo, pela preocupação constante de atacá-lo e erradicá-lo (31). Esta actualização da imagem negativa dos Jesuítas operada por meio de artigos, libelos, romances, obras historiográficas (32), editais, manifestos, comícios, jornais especializados, leis, é também enriquecida por traduções, como são exemplo as várias edições da Monita Secreta (33), d' O Judeu Errante (34) e de outros romances e histórias antijesuíticos feitas pelas editoras liberais, republicanas e maçónicas. Estas traduções apoiavam a propaganda contundente dos centros republicanos e mações contra a Companhia de Jesus. Esta é vista como a antítese complotística perfeita do progresso nacional. Os Jesuítas são apresentados como uma máquina de guerra e, portanto, como um inimigo invasor. Uma perigosa organização ultramontana destituída de qualquer sentimento nacional, nem com qualquer interesse no serviço da nação. Apenas favorecia o seu atavismo e levava a cabo o seu projecto de obscurantismo e de infantilização das consciências sob o freio de uma religião baseada no medo mais atroz e na obediência mais cega (35). Daí que seja defendido o uso de todos os meios para derrotar este inimigo altamente perigoso e não grato ao país.

Esta campanha antijesuítica, apesar do absurdo dos seus argumentos, não deixou de ter uma sustentação cientificizante dada pelos cientistas do positivismo de fidelidade republicana. Caso notório é o de Miguel Bombarda que fez um estudo científico dos Jesuítas, integrando-os nas tipologias médico-psiquiátricas que caracterizam os casos de loucura. Neste sentido, a religião é considerada, nas pessoas que a promovem, um sintoma inequívoco de loucura. Os Jesuítas, sendo considerados os promotores mais aguerridos da religião na sociedade, estariam num dos patamares mais elevados da tipologia da loucura. Atente-se ao curioso diagnóstico feito por Bombarda à "loucura jesuítica" na linha das teorias frenológicas então dominantes:

"É de admitir a necessidade do predomínio no resultado final de um cérebro congenitamente tarado. Eu penso que não pode ser jesuíta quem o queira; há cérebros predispostos para esse mal, como os há feitos para o crime vulgar, como os há talhados para a loucura ordinária (...). A veracidade dos tipos profissionais de Tarde, de um modo geral é para mim uma realidade. O crime é, nesse sentido, uma profissão e o criminoso tem o seu tipo profissional. O tipo profissional do alienado é quasi do domínio comum. O facies do jesuíta também dificilmente engana. Compreende-se (...) como deve haver cérebros modelados para o jesuitismo. O que se compreende menos talvez é que (...) se haja absolutamente perdido a humanidade, chegada ao desprezo das mais sagradas leis (...). Mas é provável que a interpretação esteja ainda nos mesmos factos da psiquiatria. Hoje sabe-se que não há delírios parciais; um espírito tocado pela loucura é louco todo ele. E não só nos limites que na aparência vem marcar (...) o delírio especial (...). Que é pois de admirar que na loucura jesuítica tudo (...), convenções sociais, gritos de consciência, fulgores da verdade, se tenha sacrificado à ideia fixa (...): ad majorem dei gloriam" (36).

Dada a gravidade da situação clínica dos jesuítas, estes requereriam um tratamento específico que Miguel Bombarda não tem pejo em receitar. Os Jesuítas sinceros deveriam ir para o manicómio, porque sofriam de loucura religiosa em elevado grau. Os jesuítas hipócritas deveriam ser exilados numa ilha juntamente com os criminosos comuns, de modo a serem impossibilitados de contaminarem a sociedade com a sua doença hereditária (37).

A campanha sistemática contra os Jesuítas (variante privilegiada e especializada das campanhas anticlericais (38)) promovida pelas alas liberais, republicanas, positivistas e maçónicas (39) vai desembocar na expulsão dos Jesuítas com a implementação da República em 1910. A ideologização e mitificação que lhe esteve na base assumiu uma feição de carácter racista, promovendo a segregação social dos membros da Companhia de Jesus como se de uma raça degenerada se tratasse, mas uma raça fabricada artificialmente pela instrução jesuítica (40). Esta raça minoritária, mas poderosa, deveria merecer um tratamento mais rigoroso, isto é, a sua exterminação do tecido social, porque entendida como contaminante deste mesmo tecido. Este programa antijesuítico republicano de higienização social, inscreve perfeitamente no modelo pombalino antijesuítico que é repoduzido e enriquecido com uma mais-valia científica. Os Jesuítas são caracterizados como uma raça de gente doente e degenerada, alheia a qualquer fidelidade sócio-nacional, cuja presença e acção faz reproduzir extraordinariamente o mal corrosivo que transporta. A República tirou as consequências: confiscou os bens, prendeu os Jesuítas, fez-lhe mensurações frenológicas e tentou irradicar o mal - expulsou a "peste" jesuítica do país. Depois, à boa maneira de Pombal continuou a justificar esta medida. Produziu panfletos, histórias, libelos, leis, pareceres, estudos para denegrir e desacreditar o trabalho dos Jesuítas, vertendo alguns destes escritos na língua diplomática de então para validar as razões da sua atitude (41).

Aqui o republicano, o liberal e o mação unem-se ao absolutista numa cumplicidade paradoxal e numa inesperada união de contrários ideológicos para legalizar a extirpação de um inimigo comum - os Jesuítas (42). A República põe novamente em vigor a lei de Pombal e considera-o um símbolo heróico e exemplar do passado nacional, escamoteando os princípios despóticos que guiavam a sua acção política e fazendo-o percursor dos ideais de liberdade, de tolerância e de democracia.

4. Conclusões

O mito negativo dos Jesuítas em Portugal engendra-se no quadro de um processo de conflito político-ideológico que mistura razões complexas de natureza pessoal, económica, política, ideológica e cultural, ligadas a uma grande figura que marcou a história portuguesa: o Marquês de Pombal. O mito foi estabelecido e consolidado nos seus tópicos caracterizadores por uma literatura especificamente produzida para o efeito, isto é, para recortar uma imagem assente na avaliação do papel e da índole da Companhia de Jesus em Portugal. Esta imagem ganha contornos que lhe dão a dignidade de mito, mito que se inscreve no domínio dos chamados mitos de complot.

Esta literatura antijesuítica criou uma mentalidade e lançou as bases inspiradoras de uma cultura antijesuítica que se estende pelos dois séculos seguintes com efeitos combativos e de militância muito significativa. Foi instrumentalizada para servir de arma de arremesso em termos político-ideológicos. Os Jesuítas passaram a ser o recurso explicativo para justificar os males da nação, as anquiloses das sociedades e até os desaires da vida privada. O jesuitismo é definido como uma filosofia de vida, como um estado de espírito, como uma entidade supra-nacional ou ultramontana que condiciona a vida dos cidadãos e os encerra no atavismo.

Esta cultura antijesuítica consigna-se sempre na produção de literatura e arte (pinturas, gravuras, caricaturas) ou até de gastronomia antijesuítica. A retórica antijesuítica está carregada de simbolismo e pretende sempre dar uma explicação para a realidade, bem como descortinar os seus móbiles ocultos. Como expica Michel Leroy, "o mito é um discurso que manifesta a sua transparência; pretende desvendar uma realidade escondida e a função referencial parece dada como essencial, mas não se trata senão de uma mistificação, de uma astúcia de linguagem. O mito procura menos representar a realidade do que transformá-la. O critério de validade de um mito não é a verdade, a coincidência entre a afirmação e a realidade (...). O mito define-se pelo seu valor instrumental, pela sua capacidade de mobilizar partidários, de diabolizar o adversário, de oferecer uma explicação aparentemente coerente e verosímil dos acontecimentos passados, presentes e futuros" (43).

A literatura antijesuítica produzida de Pombal à I República dicotomiza a realidade, cindindo-a entre trevas e luz, entre progresso e decadência, entre liberdade e escravidão. E neste processo de segregação de contrários, duas entidades são erguidas e definidas pelo mito. Um Nós e um Outro. O Nós é aquele que planifica e persegue incansavelmente a realização de uma utopia luminosa, positiva, a utopia do progresso, da felicidade do povo, da harmonia social, da regeneração dos corpos sociais pela educação moderna e esclarecida do indivíduo. Este Nós é entendido por vezes como sendo o Estado e os seus agentes, outras vezes é um grupo político-ideológico, mas o Nós concentra sempre o ideal de exaltação e progresso nacional e a elevação da pátria a um pódio mais alto de glória e de reconhecimento internacional, pois a bitola de comparação é sempre as nações mais progressivas da Europa.

O Outro são os Jesuítas e a sua filosofia de vida, o seu pensamento político, a sua acção social e educativa e a sua influência religiosa que resulta sobretudo de um estado de espírito que é geralmente designado de jesuitismo. Este é fautor de uma utopia negativa, melhor diríamos, de uma heteropia. A figuração do Outro é terrível, além de uma máquina nefasta de destruição que aspira arruinar todos os poderes e ordens instituídas para assentar sobre essas ruínas o universal domínio do seu poder opressor, obscurantista, é alheia a qualquer fidelidade nacional ou institucional que não a sua. Um poder verdadeiramente diabólico que é preciso combater por todos os meios, apesar de resistir a consciência de que ele é como a erva daninha, renascerá sempre, ainda que dos escombros da sua morte. O remédio é, todavia, sempre a sua extirpação do corpo social, como uma doença maligna que é preciso isolar e exterminar, pois a eficácia é o objectivo fundamental de um mito de complot como é o mito jesuíta.

Esta figuração mítica dos Jesuítas tem dois grandes fins intrínsecos que lhe dão sentido e eficácia: a explicação e a acção. Explicar a decadência do país e promover a higienização do mal que lhe está na origem, na linha da caracterização do mito jesuítico feita por Michel Leroy: "O valor instrumental depende estritamente do valor explicativo: o mito provoca tanto mais facilmente a adesão, quanto parece oferecer a chave - uma chave única - para os movimentos da história e para os mecanismos da sociedade. A explicação gera acção. Com efeito, revelar quais são as fontes do mal é sugerir o remédio" (44).

Assim sendo, a literatura jesuítica e o mito que ela encerra através do processo de figuração diabólica do Outro, o nefastamente outro jesuítico, não será uma forma de ilibação das responsabilidades de cada membro da membro e da comunidade da nação pelo seu estado de atraso, de ignorância, de decadência? Não será o mito jesuítico o reverso do mito sebástico português? Enquanto no mito do sebastianismo projectamos numa pessoa, numa entidade mítica, a possibilidade de realização das aspirações colectivas, no mito jesuítico projectamos as nossas desilusões e desenganos. A esta entidade negativa é dado um carácter expiacional onde os insucessos e males da nação são projectados e expiados. Assim, enquanto que o mito do sebastianismo é o fruto de uma utopização colectiva, em resultado da desilusão frente ao estado da nação, o mito jesuíta decorre da constituição da Companhia de Jesus como locus de cartase desse mesmo estado nacional decaído.

Apesar de antinómicos, os dois mitos têm em comum o facto de aparecem como o resultado de um diagnóstico negativo feito à realidade da nação portuguesa. Os dois foram elaborados por um processo de consignação escrita. O mito sebástico visa incutir a esperança, mas delega as responsabilidades do progresso nacional num ente que há-de surgir. O mito jesuíta pretende incutir o repúdio, o vitupério e a necessidade de extirpação dos males nacionais, concentrados também estes numa mesma entidade mítica, mas esta de índole maléfica, que urge extirpar. Apesar da força dos dois mitos, o mito jesuíta preocupou e empenhou mais os políticos do país e o investimento do Estado na solução que ele implicava.

Findo o primeiro regime republicano português e serenadas as campanhas anticlericais o mito dos Jesuítas recriado com todo o seu poder desfigurador perdeu a sua força mobilizadora e combativa, adormecendo. Todavia, as suas sequelas ideológicas continuam presentes na cultura e na mentalidade portuguesas. A vasta bibliografia e iconografia antijesuítica marcou um tempo longo da nossa história e determinou uma forma de olhar o passado de Portugal e de valorar os seus protagonistas individuais e colectivos. Estudar e compreender o antijesuitismo e a sua doutrina é uma forma de contribuir para o desanuviamento ideológico da história e trabalhar para a despreconceitualização da cultura.

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NOTAS

1 Michel Leroy, O mito jesuíta, Lisboa, Roma Editora, 1999, p. 255.
2 Ibidem, pp. 17-18.
3 POLIAKOV, Lion, La causalité diabolique. Essai sur l'origine des persécutions, s. l., Calmann-Lévy, 1980.
4 LEROY, Michel, Op. Cit., p. 17.
5 Apud FRANCO, José Eduardo & REIS, Bruno Cardoso, Vieira na literatura anti-jesuítica, Lisboa, Roma Editora e Fundação Maria Manuela e Vasco de Albuquerque d' Orey, 1997, p. 9.
6 LEROY, Michel, Op. Cit., p. 8.
7 MACEDO, Jorge Borges de, "Dialéctica da Sociedade Portuguesa no tempo de Pombal", in Como interpretar Pombal?, Lisboa/Porto, Edições Brotéria e Livraria Apostolado da Imprensa, 1983, p. 16
8 GATZHAMER, Stefan, "Antijesuitismo europeu", in Lusitana Sacra, 2ª Série, 1993, Tomo V, p. 159.
9 As principais bibliotecas europeias estão cheias destas traduções, feitas principalmente em espanhol francês, italiano, alemão e latim.
10 SYLVA, Joseph de Seabra da, Deducion Chronologica y Analitica (...), Traducida del idioma portugues por el Doctor D. Joseph Maymó y Ribas, Abogado del colegio de esta corte, Madrid, Por Joachim Ibarra, 1768.
11 Cf. LOPEZ, Enrique Gimenez, Portugal y España ante la extincón de los Jesuítas, Alicante, Texto mimiografado, 1999, pp. 2 e ss.
12 Cf. THEINER, Augustin, Geschichte des Pontificats Clemens' XIV. nach unedirten staatsschriften aus dem geheimen Archive des Vaticans, 2 Vols., Leipzig-Paris, 1853; SANTOS, Domingos Maurício Gomes dos, "O «Abbé Platel», mercenário de Pombal", in Anais (APH), II Série, 22, 1973, pp. 280-305.
13 SYLVA, José de Seabra da, Dedução Chronologica, e Analytica na qual se manifestão pela sucessiva serie de cada hum dos reynados da Monarquia Portuguesa, que decorrêrão desde o Governo do Senhor Rey D. Jão III até o presente, os horrorosos estragos, que a Companhia denominada de Jesus fez em Portugal, e todos os seus domínios por hum plano, e systema por ella inalteravelmente seguido desde que entrou neste Reyno, até que foi delle proscripta, e expulsa pela justa, sabia, e providente Ley de 3 de Setembro de 1759, 5 Vols., Em Lisboa, Na Officina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Ofício, por ordem, e com privilegio real, 1768. Estes volumes foram editados em formato reduzido, de bolso diríamos nós hoje, para facilitar a difusão. Mas no ano anterior tinha começado a ser feita uma primeira impressão desta obra em grande formato distribuída em três volumes apenas. A autoria embora seja dada como sendo de José de Seabra da Silva (na altura Desembargador da Casa da Suplicação e Procurador da Coroa), a direcção e inspiração da obra é do Conde de Oeiras, bem como a revisão que está atestada no original como sendo seu punho segundo os pareceres de especialistas como Lúcio de Azevedo e António Lopes. O super-ministro do despotismo português, através dos canais diplomáticos promoveu a tradução destas obras nas principais línguas europeias, a saber, em Latim, em Espanhol, em Francês, em Italiano, em Inglês, em Alemão e até em Chinês.
14 THEINER, Agustin, Op. Cit., p. 9.
15 Verifica-se um certo paralelismo entre a imagem do Estado Inglês transmitida por Pombal e a imagem dos Jesuítas, ambas diabolizadas como sujeitos produtores de efeitos nefastos para o nosso país. Por exemplo no "Discurso político sobre as vantagens que o reino de Portugal pode tirar da sua desgraça por ocasião do terramoto do 1º de Novembro de 1755", o ministro de D. José descreve assim a nação inglesa: "Uma nação ambiciosa minava surdamente há muito tempo o poder de seus vizinhos: sua indústria e seu comércio lhe haviam dado vantagens sobre muitos Estados. Uma política maravilhosamente combinada, tinha conduzido todos os seus desígnios ao supremo poder, por caminhos ocultos a guiava. Os preconceitos de moderação que ela tinha sabido estabelecer, o sistema pacífico com que havia encantado os olhos das potências, as riquezas do Brasil, de que ela tinha tido inteira posse, uma marinha formidável, as artes vigorosamente cultivadas, florescentes manufacturas. Eis aqui os instrumentos de que ela se tinha servido para subjugar muitos povos". POMBAL, Marquês de, Cartas e outras obras selectas, Quinta edição, Tomo I, Lisboa, Typ. de Costa Sancher, 1891, p. 99. Também à semelhança do que diz em relação aos Jesuítas, Pombal afirma que o grande intento dos ingleses consistia em construir um império universal sob a sua égide. Para esse fim promoviam a ruína e a subjugação de todas as nações. Segundo este estadista, o crescimento do império inglês deveu-se muito ao esbatimento do império português que eles sugaram. Mas com o reinado de D. José I assiste-se a uma reviravolta inesperada, que fez frente e desenganou a soberba dos britânicos.
16 Ibidem, pp. 21-22.
17 Cf. ANTUNES, Manuel, "O Marquês de Pombal e os Jesuítas", in Como interpretar Pombal?, Op. Cit., p. 134.
18 Ibidem, p. 132.
19 António Vieira é o protótipo mais acabado do jesuíta, bem representativo da segunda grande fase da história corrosiva da acção decadentista da Companhia de Jesus em Portugal, o chamado seiscentismo. Mas Pombal selecciona, para denegrir de forma especial na sua companha antijesuítica, mais duas outras figuras paradigmáticas correspondentes a outras duas fases da presença dos Jesuítas no reino. Para a fase de implantação da Companhia emerge como o paradigma do jesuíta degenerado e degenerador por excelência a figura de Francisco Rodrigues fundador dos Jesuítas em terras lusitanas. E para a fase crepuscular da vigência do domínio da Societas Jesu no país escolhe como alvo principal a figura de Gabriel Malagrida que completa esta constelação triádica dos arquétipos mais emblemáticos de pertença à Companhia e de execução fiel dos seus planos.
20 SYLVA, José de Seabra da, Op. Cit., p. 205.
21 Uma outra obra paradigmática e fundante do mito dos Jesuítas em Portugal e que juntamente com a Relação Abbreviada e a Dedução Chronologica forma uma espécie de trilogia fundamental na sistematização da doutrina antijesuítica pombalina é o Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra editado em 1771. Este diagnóstico da Universidade portuguesa feito por este volumoso relatório antijesuítico sob a supervisão do Marquês de Pombal imputa aos religiosos da Companhia a responsabilidade fundamental pela decadência pedagógica e científica da mais importante instituição de ensino do país em consonância com a ideologia da causalidade única e diabólica que é estruturante do mito. Cf. Compêndio Historico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados jesuítas e dos estragos feitos nas ciências e nos professores e directores que a regiam pelas maquinações e publicações dos novos Estatutos por eles publicados, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1771. A estes três catecismos fundamentais que desenvolvem os mitemas basilares da imagiologia dos Jesuítas deve-se juntar toda uma profusão de obras, opúsculos, editais, leis, regimentos, gravuras, panfletos que foram vindo a lume no período pombalino e que constituem o conjunto da literatura antijesuítica pombalina, em que devemos ainda destacar, entre tantos outros, o Regimento Pombalino da Inquisição. Cf. Raul Rego, O Último Regimento da Inquisição Pombalina, Lisboa, Edições Excelsior, 1971.
22 Cf. Relação abbreviada da Republica que os religiosos jesuitas das provincias de Portugal, e Hespanha estabelecerão nos Domínios ultramarinos das duas monarchias, e da guerra que nelles tem movido, e sustentado contra os exercitos Hespanhoes, e Portugueses; formado pelos registos das Secretarias dos dous respectivos principes commissarios, e Plenipotenciarios; e por outros Documentos authenticos, publicado sem indicação de lugar e data [Lisboa, 1757]. Este libelo impresso secretamente na tipografia de Miguel Rodrigues foi traduzido e publicado a expensas do Secretário de Estado Sebastião de Carvalho em Latim, em Espanhol, em Francês, em Italiano, em Alemão e em Inglês.
23 Ibidem, p. 1.
24 Cf. Ibidem, p. 2.
25 D. JOSÉ I, "Lei de Expulsão dos Jesuítas de Portugal", in Colecção de Leis do século XVIII, BNL, Cod. 1601, fl. 68.
26 Retrato dos Jesuítas feito ao natural pelos mais sabios e mais illustres catholicos: ou juízo feito a cerca dos Jesuitas pelos maiores, e mais esclarecidos homens de Igreja, e do Estado: desde o anno de 1540, em que foi a sua Fundação, até ao anno de 1650 antes das disputas que se levantaram a respeito do livro de Jansenio, Lisboa, Na officina Miguel Rodrigues, impressor do Eminent. Senhor Card. Patr., 1761.
27 ANTUNES, Manuel, Op. Cit., p. 137-138.
28 Cf. FRANCO, José Eduardo & REIS, Bruno Cardoso, Op. Cit., pp. 62 e ss.
29 GARRETT, Almeida, Viagens na minha terra, 4ª ed., Lisboa, Ulisseia, 1987, p. 91.
30 Cf. FRANCO, José Eduardo & REIS, Bruno Cardoso, Op. Cit., pp. 73 e ss.; MATOS, Sérgio Campos, Historiografia e Memória Nacional no Portugal do século XIX (1846-1898), Lisboa, Edições Colibri, 1998, pp. 350 e ss.
31 O antijesuitismo do século XIX não pode ser desligado da acesa questão religiosa, das conturbadas relações entre a Igreja e do Estado e da progressiva secularização da sociedade e da cultura. Para o estudo e compreensão desta problemática ver Vítor Neto, O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal (1832-1911), Lisboa, INCM, 1998.
32 Entre o conjunto imenso de publicações antijesuíticas podemos destacar a título exemplificativo as seguintes: ASSUMPÇÃO, T. Lino de (coord.), História Geral dos Jesuítas desde a fundação até nossos dias, Ilustrada sob a direcção de Roque Gameiro, Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1901; José Caldas, Os Jesuítas e a sua influência na actual sociedade portuguesa, meio de a conjurar, Porto, Livraria Chardron, 1901.Ver bibliografia antijesuítica mais completa em FRANCO, José Eduardo & REIS, Bruno Cardoso, Op. Cit.
33 As Instruções Secretas dos Jesuítas é a tradução mais habitual do nome do libelo editado originalmente em latim, Monita privata Societatis Jesu, no ano de 1612 por um ex-jesuíta polaco banido da Companhia, e que depois se veio a simplificar com no título Monita Secreta. Este documento antijesuítico foi dos mais publicados ao longo da história das campanhas internacionais movidas contra os Jesuítas. Estas Instruções Secretas falsamente atribuídas à Companhia de Jesus, ou em algumas edições ao Padre Geral Cláudio Aquaviva, transmitem a ideia de que a acção dos Jesuítas era guiada por intentos solipsísticos de dominação maligna e de afirmação de um poder institucional ilimitado. O seu autor antijesuíta pretendia assim explicar o sucesso alcançado pela Ordem de Santo Inácio de que era dissidente, pela prática dos princípios antievangélicos da hipocrisia, da cobiça, do egoísmo, da vaidade, da ambição que alegadamente a regiam. No fundo, as Monita Secreta pretendiam fazer a inversão total do sentido evangélico das Constituições oficiais da Companhia de Jesus, que seriam apenas um disfarce, a fim de dar uma imagem temerária da Companhia de Jesus capaz de assustar fortemente qualquer destinatário desde os governantes mais poderosos até ao simples indivíduo do povo, que não deixa de também ser dado como alvo do monopólio dos Jesuítas no seu percurso de ascensão em direcção ao poderio supremo. As Instruções Secretas foram difundias em Portugal nos períodos cruciais das campanhas antijesuíticas como arma de arremesso privilegiada para desmoronar a boa fama da Ordem do Jesuítas. Depois de circularem durante mais de um século sob a forma manuscrita em Portugal, foram publicadas primeiro em 1767 ainda em língua latina no quadro das campanhas pombalinas contra a Companhia. Durante o período liberal até à I República foram feitas diversas publicações deste documento: um edição em língua portuguesa em 1820, uma edição bilingue (português e latim) em 1834, a que sucederam várias outras edições em língua nacional em 1859, em 1881, em 1901 e em 1910. Ver a edição e análise crítica feita por José Eduardo Franco & Cristine Vogel, Monita Secreta. Instruções Secretas dos Jesuítas, Edição bilingue com nova versão portuguesa e estudo crítico, Lisboa, Texto policopiado, 2001 (edição em preparação).
34 Por exemplo, podemos recordar duas traduções feitas para a língua portuguesa do romance de Eugène Sue: O Judeu Errante, Lisboa, Typ. Lusitana, 1845-46; e O Judeu Errante, Edição Ilustrada, Rio de Janeiro, 1840.
35 Cf. FRANCO, José Eduardo & REIS, Bruno Cardoso, Op. Cit., pp. 86 e ss.
36 BOMBARDA, Miguel, A ciência e o jesuitismo. Réplica a um padre sábio, Lisboa, Pareceria A. M. Pereira, 1900, pp. 186-187.
37 Ibidem, pp. 178-179. Cf.
38 Sobre o anticlericalismo em Portugal ver o estudo de Luís Machado de Abreu, O discurso do anticlericalismo português (1850-1926), Separata da Revista da Universidade de Aveiro, Aveiro, 1999.
39 Para um estudo acerca da emergência da cultura laica em que estas campanhas se desenvolvem ver Fernando Catroga, A militância laica e a descristianização da morte em Portugal, 1865-1911, 2 Vols., Lisboa, Texto policopiado, 1988.
40 Cf. Rui Ramos, História de Portugal. A segunda fundação, Dir. José Mattoso, Edição revista e actualizada, 6 vol., Lisboa, Editorial Estampa, 1998, pp. 352-355.
41 Cf. FRANCO, José Eduardo & REIS, Bruno Cardoso, Op. Cit., pp. 94 e ss. Por exemplo, Manuel Borges Grainha traduziu para o francês, entre outras obras antijesuíticas, um trabalho historiográfico sobre o mais importante colégio da Companhia de Jesus do período da sua segunda restauração: Histoire du collége de Campolide et de la Résidence des Jésuites à Lisbonne, Lisbonne, Imp. «A Editora Limitada», 1914.
42 Se no período antecedente à expulsão e extinção da Companhia de Jesus, os Jesuítas foram atacados muitas vezes pelas suas perspectivas avançadas no campo do trabalho em prol da expansão do cristianismo (vide caso dos ritos chineses), entrando em confronto com as posições mais ortodoxas dominantes junto da Santa Sé em prejuízo da sua fama e imagem, no século XIX verifica-se uma maior colagem conservativa à Santa Sé, acompanhando de forma obediencial estrita da tendência conservadora e fundamentalista do papado de grande visibilidade e impacte na segunda metade de oitocentos.
43 LEROY, Michel, Op. Cit., p. 357.
44 Ibidem, p. 357.