EÇA DE QUEIRÓS
Singularidades de uma rapariga loura

O caixeiro não respondeu e começou a olhar fixamente para Macário.

A que horas?

Ao meio-dia.

Bem, adeus - disse Macário.

E iam sair. Luísa trazia um vestido de lã azul, que arrastava um pouco, dando uma ondulação melodiosa ao seu passo, e as suas mãos pequeninas estavam escondidas num regalo branco.

Perdão! - disse de repente o caixeiro.

Macário voltou-se.

O senhor não pagou.

Macário olhou para ele gravemente.

Está claro que não. Amanhã venho buscar o anel, pago amanhã.

Perdão! - insistiu o caixeiro, mas o outro...

Qual outro? - exclamou Macário com uma voz surpreendida, adiantando-se para o balcão.

Essa senhora sabe - afirmou o caixeiro. - Essa senhora sabe.

Macário tirou a carteira lentamente.

Perdão, se há uma conta antiga...

O caixeiro abriu o balcão, e com um aspecto resoluto:

Nada, meu caro senhor, é de agora. É um anel com dois brilhantes que aquela senhora leva.

Eu! - disse Luísa, com a voz baixa, toda escarlate.

Que é? Que está a dizer?

E Macário, pálido, com os dentes cerrados, contraído, fitava o caixeiro colèricamente.

O caixeiro disse então:

Essa senhora tirou dali um anel.

Macário ficou imóvel, encarando-o.

Um anel com dois brilhantes - continuou o rapaz. - Vi perfeitamente.

O caixeiro estava tão excitado, que a sua voz gaguejava, prendia-se espessamente.

Essa senhora não sei quem é. Mas tirou o anel. Tirou-o dali...

Macário, maquinalmente, agarrou-lhe o braço, e voltando-se para Luísa, com a palavra abafada, gotas de suor na testa, lívido:

Luísa, diz...

Mas a voz cortou-se-lhe.

Eu... - balbuciou ela, trêmula, assombrada, enfiada, decomposta.

E deixou cair o regalo ao chão.

Macário veio para ela, agarrou-lhe no pulso, fitando-a: e o seu aspecto era tão resoluto e tão imperioso, que ela meteu a mão no bolso, bruscamente, apavorada, e mostrando o anel:

Não me faça mal! - suplicou, encolhendo-se toda.

Macário ficou com os braços caídos, o ar abstrato, os beiços brancos; mas de repente, dando um puxão ao casaco, recuperando-se, disse ao caixeiro:

Tem razão. Era distração... Está claro! Esta senhora tinha-se esquecido. É o anel. Sim, senhor, evidentemente. Tem a bondade. Toma, filha, toma. Deixa estar, este senhor embrulha-o. Quanto custa?

Abriu a carteira e pagou.

Depois apanhou o regalo, sacudiu-o brandamente, limpou os beiços com o lenço, deu o braço a Luísa, e dizendo ao caixeiro: desculpe, desculpe, levou-a, inerte, passiva, aterrada, semimorta.

Deram alguns passos na rua, que um largo sol iluminava intensamente; as seges cruzavam-se, rolando ao estalido do chicote: figuras risonhas passavam, conversando; os pregões subiam em gritos alegres; um cavaleiro de calção de anta fazia ladear o seu cavalo, enfeitado de rosetas; e a rua estava cheia, ruidosa, viva, feliz e coberta de sol.

Macário ia maquinalmente, como no fundo de um sonho. Parou a uma esquina. Tinha o braço de Luísa passado no seu; e via-lhe a mão pendente, a sua linda mão de cera, com as veias docemente azuladas, os dedos finos e amorosos: era a mão direita, e aquela mão era a da sua noiva! E, instintivamente, leu o cartaz que anunciara, para esta noite, Palafoz em Saragoça.

De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixo:

Vai-te.

Ouve!... rogou ela, com a cabeça toda inclinada.

Vai-te. E com a voz abafada e terrível: Vai-te. Olha que chamo. Mando-te para o Aljube. Vai-te.

Mas ouve, Jesus!

Vai-te! - E fez um gesto, com o punho cerrado.

Pelo amor de Deus, não me batas aqui! - disse ela, sufocada.

Vai-te! Podem reparar. Não chores. Olha que vêem. Vai-te!

E chegando-se para ela, disse baixo:

És uma ladra!

E voltando-lhe as costas, afastou-se, devagar, riscando o chão com a bengala.

A distância, voltou-se: ainda viu, através dos vultos, o seu vestido azul.

Como partiu nessa tarde para a província, não soube mais daquela rapariga loura.