ADELTO GONÇALVES
Crónicas de viagem

 
A misteriosa e bíblica Jordânia
Rico em história e cultura, o país oferece ao turista a oportunidade de conhecer locais de várias passagens da Bíblia, como o Monte Nebo,
de onde Moisés avistou a Terra Prometida

 

Visitar a Jordânia nestes dias tem os seus riscos, mas a possibilidade de que o turista possa ser afetado por questões políticas internas é pequena. A retirada israelense da Faixa de Gaza e a possibilidade de Israel endurecer a sua política na Cisjordânia despertaram velhas apreensões quanto à implantação de palestinos no reino.

Separada da Palestina em 1923 e independente em 1946, a Jordânia tem uma população estimada em 5,4 milhões de habitantes, dos quais a metade é de origem palestina. Por isso, não são poucos os setores que defendem a anexação da Cisjordânia, embora o rei Abdullah II já tenha deixado claro que a separação é irrevogável, desde que, em julho de 1988, o país rompeu os laços políticos e administrativos com aquela região que era parte integrante do reino desde 1950.

Provavelmente, nada disso deve afetar uma estada de alguns dias na Jordânia. Mais inquietante pode ser a presença clandestina de terroristas. Em agosto, um grupo ligado à Al-Qaeda, de Osama Bin Laden, chamado Brigadas Abdullah Azzam, atirou de Aqaba, à beira do Mar Vermelho, três mísseis em direção a um navio de guerra norte-americano que estava próximo da cidade israelense de Eilat. Os estragos, porém, foram poucos.

Fora isso, o reino é considerado um oásis de tranqüilidade em meio a vizinhos turbulentos. Além de tudo, é um país que justifica a viagem. Considerada uma das nações mais ocidentalizadas do Oriente Médio, a Jordânia é rica em história e cultura. Como é um país pequeno, com cerca de 92 mil quilômetros quadrados, as distâncias entre os principais pontos podem ser percorridas em um curto espaço de tempo. O ideal é gastar uma semana percorrendo a Jordânia, mas dois dias são suficientes para conhecer as principais atrações,

A partir de qualquer posto de fronteira, acostume-se com a figura do rei Abdullah II. Formado em Oxford, 43 anos, casado com a rainha Raina, 33 anos, de origem palestina, nascida no Kwait, o jovem rei tem a sua fotografia exposta na parte externa de quase todos prédios públicos, muitas vezes, ao lado de seu pai, o rei Hussein (1936-1999), que governou o reino hachemita desde 1952.

Ao entrar no país procedente de Israel, acostume-se também com as diferenças: em todo posto de fronteira, há carregadores, que, praticamente, obrigam o turista a deixá-los transportar as malas em seus carrinhos. E por mais dinares, a moeda local, que o turista lhes ofereça, nunca ficam satisfeitos. Um dinar vale US$ 0,80. Para passar pelo posto fronteiriço, o turista precisa pagar uma taxa de 5 dinares (ou US$ 6).

Quem entra na Jordânia pela fronteira do Norte, atravessando a ponte Rei Hussein, logo passa por Umm Qais, que ocupa o local da cidade greco-romana de Gadara, cujas ruínas ficam numa colina que dá vista para as Colinas de Golã e para o mar da Galiléia, em Israel. O local é conhecido pelo episódio que narra o milagre que Jesus Cristo teria operado, ao transferir os maus espíritos de dois homens para uma manada de porcos, como se lê na Bíblia em Mateus 8.28-34 e em Lucas 8.26-39.

JERASH

A 64 quilômetros da fronteira com Israel, fica Jerash nas terras de Gileade, a que se chega pela estrada real, citada na Bíblia em Números (20.17). A estrada passa ao lado dessa que é uma das cidades romanas mais preservadas do Oriente Médio, parte integrante da Decápolis, um conjunto de dez cidades-estados helênicas que incluía Filadélfia (Amã) e Gerasa (Jerasah).

Ao lado da rodovia, há um centro turístico e um grande restaurante, onde a comida é servida no sistema self service. Mas, atenção: coma com cuidado porque a cozinha sempre carrega nos condimentos. Uma das atrações é o pão árabe feito na hora e à vista dos clientes.

Depois de pagar cinco dinares para entrar nas ruínas, chega-se à cidade pelo Arco de Adriano, erguido em homenagem ao imperador romano. Logo adiante fica o Hipódromo, onde se realizavam corridas de biga. Mais à frente, está o Porto Sul, parte de uma muralha erguida no século IV d.C.

À esquerda, vêem-se o Templo de Zeus e o Teatro Sul, onde hoje é realizado, em julho e agosto, o Festival de Jerash, que inclui dança, balé, ópera, concursos de poesia, teatro, música clássica e mostras de artesanato. Com sorte, o turista pode encontrar a qualquer dia grupos locais que exibem sua música e dança sem cobrar nada.

Nas ruínas, ainda pode-se passear pela Praça Oval, remanescente do século 1º d.C., com formato assimétrico. Suas colunas jônicas estão em todas as coleções de cartões-postais jordanianos. Ao Norte, está o Cardo, uma rua pavimentada com meio quilômetro de extensão que abrigou as principais construções da cidade. Olhando bem, pode-se ainda ver as marcas deixadas pela rodas das bigas.

À esquerda, está Ágora, onde ficava o mercado de alimentos, com uma fonte ao centro. Mais adiante, há outra fonte pública: Nynphaeum, do século 2º d.C. Perto dali está o famoso Templo de Artemis, deusa protetora das cidades na era greco-romana.

Há ainda vestígios de igrejas bizantinas, que eram freqüentadas pelos primeiros cristãos. Vêem-se ruínas de uma mesquita omíada, do pequeno Teatro Norte e das Termas Ocidentais. Não se pode também deixar de visitar o Museu de Jerash, que exibe moedas, sarcófagos e estátuas.

AMÃ

Ao voltar para a rodovia em direção a Amã, 45 quilômetros adiante, não deixe de parar para contemplar o vau de Jaboque, citado em Gênesis (32.22-32), por onde Jacó passou e teria lutado com um anjo. Mais meia hora de viagem e já aparece no horizonte a capital da Jordânia, com seus prédios construídos com pedras brancas extraídas da região. É hoje uma cidade moderna, com seus hotéis de cinco estrelas iluminados à noite e suas largas avenidas em que desfilam automóveis Mercedes último tipo.

Na Bíblia, Amã aparece como Rabbath Ammon, capital dos amonitas, povo que combateu os israelitas durante séculos até cair nas mãos dos assírios. Depois do período sob domínio dos nabateus, a cidade virou um centro comercial na época romana e passou a chamar-se Filadélfia. Restos da Filadélfia romana estão no centro histórico ao pé da Cidadela (El-Qala) com seu Anfiteatro, construído em 170 d.C. durante o reinado de Marco Aurélio, com capacidade para seis mil pessoas, o maior da Antiguidade.

Por ali está também o antigo Palácio Real, onde não mora o rei Abdullah II, pois a família há muito preferiu mudar-se para os arredores da cidade. Nas proximidades estão também o Museu do Folclore e o Museu das Tradições Populares. Subindo a colina em frente ao Anfiteatro, vêem-se as ruínas de um templo romano dedicado a Hércules, além do Museu Arqueológico, que abriga um conjunto dos Manuscritos do Mar Morto e peças extraídas de Petra, Jerash e Madaba.

De construção moderna, entre as largas avenidas, há a grande Mesquita El-Malek Abdullah, com seu domo azul, erguida em 1990 no local de uma mesquita omíada do século VII, e o Royal Culture Centre, que promove acontecimentos culturais. Nas avenidas, não circulam só Mercedes: como o país não tem indústria automobilística, pode-se ver muitos Honda Civic e Audi A3 importados do Brasil correndo ao lado de carros da polícia de fabricação norte-americana.

Com um salário mínimo ao redor de US$ 300, não se pode dizer que um operário jordaniano possa viver bem. Mas esse ordenado tem atraído trabalhadores estrangeiros, principalmente do Egito. Há sinais de riqueza por todos os lados: um terreno de mil metros quadrados não sai por menos de US$ 300 mil. Já o mesmo terreno fora da capital pode ser comprado por US$ 40 mil ou US$ 50 mil.

Embora os vizinhos Iraque e Arábia Saudita sejam potências petrolíferas, a Jordânia, a exemplo de Israel, importa petróleo. A economia do país está baseada principalmente nas indústrias têxtil e farmacêutica. O turismo também tem atraído muitos recursos: as autoridades esperam a visita de mais de dois milhões de turistas até o final do ano.

Até 2010, a estimativa é que 12 milhões de turistas passem por lá, gerando uma renda de US$ 5,6 bilhões. É uma projeção otimista, pois o temor de atentados, freqüentemente, derruba o número de visitantes estimado. De qualquer modo, no primeiro semestre, houve um aumento de 30% no fluxo de turistas em relação ao mesmo período de 2004.

MADABA

Deixando-se Amã, passa-se por Madaba, a cidade moabita que, segundo o Velho Testamento, foi um dos locais conquistados pelas tribos de Israel. Ali os israelitas ficaram antes de entrar na Terra Prometida. A principal atração de Madaba, cidade ainda com muitas ruas sem asfalto, é um mapa de mosaicos que está na Igreja de São Jorge, elaborado provavelmente durante o reinado de Justiniano (527-565 d.C.).

Extremamente detalhista para a época, o mapa mostra a Palestina, o rio Jordão, Jericó, Jerusalém, Belém, o porto de Gaza, o Mar Morto e o delta do rio Nilo, no Egito, entre outras localidades.

Para além de Madaba está o deserto de Moabe, com o morro de Edon. Ali, Moisés, acampado com seu povo, pediu passagem ao rei de Edom, que se recusou a deixar Israel passar por seu termo, como se lê em Números (20.14-21). Depois de derrotar os amorreus, Moisés e sua gente partiram para o vale que está no campo de Moabe, no cume de Pisga (21.1-20), onde está o Monte Nebo.

MONTE NEBO

Foi no Monte Nebo que o Senhor mostrou a Moisés “toda a terra desde Gileade a Dã”, como se lê em Deuteronômio (34.1), e ele avistou a Terra Prometida, pouco antes de morrer e depois de peregrinar por 40 anos no deserto e cruzar o Mar Vermelho. Dali, avistam-se o rio Jordão, a cidade de Jericó, o Mar Vermelho, o Mar Morto à esquerda, e cenários de muitos milagres de Jesus Cristo. Na terra de Moabe, abaixo do Monte, segundo a Bíblia, está enterrado Moisés, “mas ninguém tem sabido até hoje sua sepultura”, como se lê em Deuteronômio (34.1-6).

No Monte Nebo, foi erguido um santuário em homenagem a Moisés, conhecido como Memorial de Moisés, no Mosteiro dos Franciscanos. Desde 1993, o santuário passa por reformas. No antigo batistério, há mosaicos bizantinos que retratam animais e caçadores. Uma inscrição em grego indica a data de 531. Há também fotografias da última visita ao local do papa João Paulo II no dia 20 de março de 2000. Foi ali também que o profeta Jeremias escondeu a Arca da Aliança, segundo a Bíblia hebraica (Macabeus 2.1-5).

Fora do Mosteiro, defronte para o rio Jordão, há um monumento que homenageia a passagem bíblica em que o Senhor diz a Moisés para fazer uma serpente de metal sobre uma haste como forma de evitar que o seu povo continuasse a morrer de mordidas das serpentes (Números 21.4-9).

2005-09-20
ADELTO GONÇALVES. Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br
 
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