Que poesia não se faz apenas com
emoção é verdade incontestável, ainda que haja alguns poetas que se dizem
populares e desconheçam regras básicas da modalidade e, ainda assim,
apresentam razoáveis qualidades. Mas, historicamente, todo grande poeta é
também um bom teórico, estudioso das diversas formas do poema e conhecedor
da métrica. É o caso do poeta português Albano Martins, professor,
crítico, ensaísta, ficcionista e tradutor, que carrega mais de 66 anos de
produção intensa – são 33 livros de poesia, cinco de prosa, alguns de
literatura infanto-juvenil e de labor acadêmico, entre outros.
Obviamente, de sua produção,
constavam muitos textos dispersos publicados em jornais e revistas –
algumas de duração efêmera – e outros ainda inéditos, pois apenas lidos
por ocasião de homenagens a autores ou durante colóquios ou encontros
acadêmicos. Essa lacuna vem sendo preenchida com a publicação de
Circunlóquios, série de volumes
que procura arquivar esses textos que se achavam “perdidos” ou à mão
apenas de quem se dispusesse a procurá-los nos arquivos públicos.
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Circunlóquios III (Porto,
Edições Universidade Fernando Pessoa, 2016), na linha dos dois volumes
anteriores, reúne alguns desses textos de vária índole entre o ensaio e a
crônica, além de recuperar quatro entrevistas em que o autor discorre
sobre a sua concepção do mundo, da vida, da arte e da literatura. Recupera
ainda prefácios e textos de colaboração em volumes e catálogos e uma breve
autobiografia publicada nos finais da primeira década de 2000, além de
quatro textos de homenagem a poetas e estudiosos: Cruzeiro Seixas, António
Ramos Rosa (1924-2013), Raul de Carvalho (1920-1984) e o professor
brasileiro Leodegário de Azevedo Filho (1927-2011).
Se circunlóquio constitui figura
de linguagem que abriga um discurso pouco direto, em que o escritor vai
demasiadamente além do que pode ser dito em poucas palavras, essa pretensa
verborragia é mais do que justificada no caso de Albano Martins, tal a
grandeza das imagens a que recorre para encontrar a definição perfeita. É
o que se pode constatar no discurso que escreveu para agradecer a
homenagem que a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia lhe prestou pela
passagem de seus 65 anos de escrita e 46 de ininterrupta permanência em
território gaiense.
Nesse discurso, o poeta diz que “a
língua portuguesa nasceu molhada: pelo sangue derramado nas campanhas da
reconquista, primeiro; pela água dos mares vencidos pelas quilhas das naus
das descobertas, depois; mas também pela água das nascentes – a água pura
da “fontana fria” de que fala uma bonita cantiga de amigo de Pero Meogo
que ecoa até hoje na nossa memória e permanece no nosso imaginário
poético, quer dizer, no nosso tradicional e coletivo vocabulário lírico”.
Por aqui se vê que o Albano Martins prosista nada fica a dever ao Albano
Martins poeta.
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Nascido em 1930 na aldeia do
Telhado, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco, na província da
Beira Baixa, em Portugal, Albano Martins foi professor do ensino
secundário de 1956 a 1976 e é licenciado em Filologia Clássica pela
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, exercendo desde 1994
funções docentes na Universidade Fernando Pessoa, do Porto, de onde se
aposentou depois de 18 anos de trabalho. De 1980 a 1993, foi funcionário
da Inspeção-Geral do Ensino. Foi colaborador (e secretário anônimo) da
revista Árvore (1951-1953). É
colaborador do quinzenário As Artes
Entre as Letras, do Porto.
É autor de 33 livros de poesia,
desde que em 1950 estreou com Secura
Verde, que recebeu segunda edição em 2000. São tantos os livros que
seus títulos ocupam quatro páginas. Basta ver que sua vasta obra foi três
vezes reunida em volume, a primeira com o título
Vocação do Silêncio (Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990), com prefácio de Eduardo Lourenço;
a segunda em Assim São as Algas
(Porto, Campo das Letras, 2000); e a terceira em
As Escarpas do Dia (Porto, Edições Afrontamento, 2010), com prefácio
de Vitor Manuel de Aguiar e Silva. Seus poemas estão traduzidos em
espanhol, inglês, italiano, francês, catalão, chinês (cantonense) e
japonês.
De prosa, foram cinco livros, dos
quais se destacam aqueles dedicados ao estudo das obras de Raul Brandão
(1867-1930) e Cesário Verde (1855-1886). Além de quatro livros na área da
literatura infanto-juvenil, organizou outros sete, inclusive antologias
dos poetas Eugénio de Castro (1869-1944) e Lêdo Ivo (1924-2012).
Nas traduções, está o seu trabalho
mais intenso, com 24 livros publicados. É tradutor de poetas latinos,
gregos do período clássico, espanhóis, italianos e sul-americanos. Entre
eles, salientam-se Giacomo Leopardi (1798-1837), Rafael Alberti
(1902-1999), Nicolás Guillén (1902-1989), Roberto Juarroz (1925-1995) e
Pablo Neruda (1904-1973). A tradução de
Canto General, de Neruda,
valeu-lhe, em 1999, o Grande Prêmio de Tradução APT/Pen Clube Português.
Por sua tradução de sete obras de Neruda, recebeu do governo chileno a
Ordem de Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral, no grau de grande
oficial. Em 10 de junho de 2008, o presidente da República Portuguesa
também o condecorou com a Ordem do Infante D. Henrique, no grau de grande
oficial.
No Brasil, o poeta aparece na
Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea (Rio de Janeiro,
Lacerda, 1999), organizada por Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno.
Tem uma Antologia Poética (São
Paulo, Unimarco, 2000), com prefácio de Carlos Alberto Vecchi e organizada
por Álvaro Cardoso Gomes, autor também da antologia
Ofício e Morada (Florianópolis,
Letras Contemporâneas, 2011).
Gomes é autor de dois livros
consagrados ao estudo de sua poesia – um deles,
A Melodia do Silêncio: subsídios
para o estudo da poesia de Albano Martins (Lisboa, Editora Quasi,
2005), e o outro, mais recente, A
Poesia como Pintura: a ékphrasis em Albano Martins (Cotia-SP, Ateliê
Editorial, 2016). Os professores brasileiros Massaud Moisés, Nelly Novaes
Coelho, Maria Lúcia Lepecki (1940-2011) e Leodegário A. de Azevedo Filho
já lhe dedicaram aprofundados estudos.
Também não são poucas as
dissertações de mestrado ou teses de doutoramento que lhe têm sido
dedicadas no Brasil. Em maio de 2016, na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), a professora
Sonia Maria de Araújo Cintra defendeu a tese de doutoramento “Paisagens
Poéticas na Lírica de Albano Martins: Natureza, Amor, Arte”. Em 1996, na
Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio de Janeiro, Accacio José
Pinto de Freitas apresentou dissertação de mestrado sobre a sua obra. Em
2000, o poeta recebeu o doutoramento
honoris causa pela Universidade São Marcos, de São Paulo.
Já a professora Gumercinda Gonda
dedicou 40 páginas de sua tese de doutoramento defendida na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2006, à obra de Albano Martins. E
Jorge Valentim publicou A
Quintessência Musical da Poesia: Rodomel Rododentro, um poema sinfônico de
Albano Martins (Porto, Campo das Letras, 2007), tese de doutoramento
também defendida na UFRJ.
A obra de Albano Martins tem
merecido a atenção de alguns dos mais importantes críticos e ensaístas
contemporâneos portugueses como António Cândido Franco, António Ramos
Rosa, Eduardo Lourenço, Eduardo Prado Coelho (1944-2007), Fernando
Guimarães, Fernando J. B. Martinho, Fernando Pinto do Amaral, Vítor Manuel
de Aguiar e Silva, Luís Adriano Carlos, Joana Matos Frias e José Fernando
Castro Branco. Sobre a obra do poeta, Luís Adriano Carlos escreveu
O Arco-íris da Poesia (Porto,
Campo das Letras, 2002). Já Castro Branco escreveu a tese de mestrado
Estética do Sensível em Albano
Martins, apresentada à Universidade do Porto, publicada em edição do
autor em 2003.
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