TANIA MONTANDON

A constante mutação da civilização

À medida que a história da civilização avança, as formas de dominação vão se transformando e se adaptando aos interesses e exigências de cada época. Mas o exercício de poder nunca deixou de existir. Desde suas origens, as relações sociais já possuíam contradições e conflitos de interesses.

A modernidade e o futuro próximo são caracterizados pela transição de uma forma de dominação designada disciplinar para a dominação de controle, na qual a diferença básica consiste na expansão do controle exercido sobre a população de sistemas fechados, como as escolas, hospitais, empresas para um controle mais sutil e abrangente exercido sobre a subjetividade, a interioridade de cada cidadão.

Na sociedade disciplinar, há uma supervalorização do trabalho, do esforço fatigante e da superprodução. A filosofia de vida do trabalhador é estar sempre se superando e produzir cada vez mais e melhor. Já a sociedade de controle privilegia a venda e a imagem dos produtos, valoriza a produtividade independente e se foi preciso um grande ou pequeno esforço para tal.

A empresa moderna percebeu que o domínio era mais eficiente a partir do incentivo às pessoas fazerem o que desejam e que também seria interessante para a empresa, pois os indivíduos são naturalmente ambiciosos e desejam ser produtivos, eficientes e, assim, aprovados pelos demais.
A sociedade moderna investe no potencial humano, na inovação, no trabalhador participativo, comunicativo e motivado a tomar iniciativas que lhe beneficiem e também à empresa e à venda de seus produtos.

A subjetividade tornou-se um objeto de estudo, investimento e fonte de novos problemas e doenças na sociedade, conforme os valores - que são subjetivos - e a autoridade - que representa os limites que cada cidadão não deve ultrapassar - tornam-se cada vez menos palpáveis e determinados e tudo começa a ser questionado. As opções de escolha das pessoas aumentam , assim como os conflitos e responsabilidades relativas ao livre-arbítrio.
As relações ficam mais complexas, os sexos quase se igualam quanto a direitos e deveres, não se sabe mais qual papel é de quem e, assim, surgem também as psicopatologias da modernidade, como a neurose da excelência, depressão, ansiedade, transtorno do pânico, bulimia, anorexia…

O corpo humano possui um valor como nunca teve antes. Contraditoriamente, também é objeto de agressão como nunca. A forma de dominação deixa de ser repressora e proibitiva e passa a ser incitadora dos instintos - da ética do dever para a ética do desejo, a mentalidade torna-se libertária, narcisista, competitiva ao extremo.

A importância da mídia é fundamental no exercício de poder contemporâneo. O sujeito é cercado por todos os lados por propagandas, informações que quer e que não quer e fica mais imperceptivelmente à mercê dessa “era da tecnologia”, pois é preciso aderi-la para sobreviver na sociedade capitalista. Difícil é conseguir manter-se sujeito dono de si, com certo controle e consciência de seu tempo, espaço, de sua vida, sem se entregar de corpo e alma a todas as exigências da cultura.

O filme “O show de Truman” - show da vida no qual o diretor produz um show 24 horas, sendo o personagem principal alienado da verdadeira realidade de sua vida e submetido a viver a história que lhe foi imposta sem ter consciência de que sua vida é um palco de divertimento para o resto do mundo - é um bom exemplo desse controle sutil e bastante sedutor dos meios de comunicação. O diretor manipula a curiosidade dos espectadores, argumentando que Truman vive em um paraíso onde qualquer um gostaria de viver. No fim do filme, Truman descobre a farsa e chega à porta que delimita o mundo externo e o que o manteve trancado por todos os anos. É interessante notar que nessa hora o diretor diz que conhece Truman mais do que ele próprio e sabe que Truman está com medo e que não vai sair pela porta porque pertence àquele mundo. É aí que o personagem rompe a relação de controle e mostra que, apesar de sua vida ter sido analisada pelo diretor o tempo todo, ele é um sujeito com pensamento e idéias próprios e capaz de escolher o caminho que deseja seguir.

A sociedade atual vive, portanto, um período de mudanças e instabilidades, marcado por progressos notáveis assim como novos problemas. Cabe a cada sujeito não se deixar encaixar em rotulações ou perspectivas muito pessimistas ou muito otimistas e lutar para construir uma percepção real, porém não sem esperanças, da vida e poder aproveitar as oportunidades de prazer que lhe são oferecidas, sempre considerando a natureza e o contexto em que está inserido.

Tania Montandon nasceu em Uberaba em 1978, é autora do livro de poesias "Viagem ao Léu " pela editora Armazém de Idéias - pequena amostra no Recanto das Letras, participou da "Antologia Digital de Blocos Online VIII", participa de outra antologia pela Usina de Letras com duas poesias que ainda não foi publicada, está com um livro "Pensando HumanaMente" pronto para publicar, é graduada em Psicologia e participa de sites na web publicando artigos soltos de psicanálise, psicologia, atualidade, poesias, contos e crônicas. É colaboradora semanal do Jornal O Rebate, possui trabalhos em Blocos Online, Garganta da Serpente, Ala de Cuervo, Mulheres Escritoras, Rede Psi, Revista Maria Joaquina, Simplicíssimo, Toca do Escritor, entre outros. Criou a  rede de amigos blogueiros e artistas Jornal dos Blogs . Portadora de transtorno esquizoafetivo, encontra na arte, na literatura e na filosofia a alegria do encontro de subjetividades mais humanas e menos contaminadas pelo estigma e hipocrisia da sociedade moderna atual.