Tânia Mara Galli Fonseca

Não me chamem de Taninha

Fragmentos de uma viagem - outubro 2006

são muitos... ainda se elevam no plano de mim-mesma, fazendo marulhos e movimentos na superfície das águas...

aquela imensidão montanhosa, paisagens de profundos vales, se dobram em mim, evocando amplitude e dilatação da linha do horizonte...

o que pode uma mulher fazer em sã consciência para dilatar seu estar-sendo? Ela foi-se a buscar aulas de nado e de canto. mal começou compreendeu que se tratam de operações contrárias, no que se refere ao modo de respirar: cada uma sente o mundo em uma zona corporal distinta. não imaginava que se canta com a barriga ... o que se choca com a necessidade de nadar com o umbigo nas costas. numa, a barriga recebe ar e libera o peito e a testa,como se tudo pudesse se passar na zona baixa. na outra, ela ainda não sabe bem, mas acha que o corpo se retesa, como se uma linha a puxasse pelos fios de cabelo, alongando-a, tornando-a fio também que não resiste ao volume aquoso. respirar .. eis a questão.. um modo especifico de pulsar, corpo e mundo, dentro e fora. trata-se de entender o meio em que o corpo mergulha: no canto, nas ondas do ar e no nado, nas ondas das águas. o corpo difere segundo o meio. desta relação, emerge uma zona principal, um impulso que abarca um modo de acolher pequenos gestos e fôlegos que vão compor a sintonia ou a desafinação.precisamos saber por onde andamos e em que ambiente nos encontramos mergulhados. nem tudo é deserto.

hoje voltei ouvindo o vento. resolvi contar a historia devagar. pensei que seria bom que nos sentássemos para conversar e escutar. Talvez nas cadeiras do pátio ou mesmo no sofá. De lá também se escuta, embora o lugar privilegiado da irradiação sonora seja a cozinha e o lavabo. De lá, a emissão é impressionante. Logo nos transportamos para um outro ambiente, sem mesmo sairmos do lugar. o vento, quando encana entre muros, ele transforma o canal em flauta e dela extrai uivos, gemidos; ele uiva, geme... o som pode nos forçar a pensar que não estamos mais em nossa casa, mas no topo de uma montanha, desguarnecidas, recebendo a ventania os lados que ela inventa de ventar, em vertigem, olhos fechados, sou arrastada a uma espiral que me suga e expele ... desde que construíram esse grande edifício defronte a nossa casa, formou-se esse canal que agora me obriga a esses sons noturnos - tristes e furiosos-... desde então, o vento se acumulou em nossa zona, parece gostar de ser forte por aqui, não sabe mais inventar as delicias da brisa . o vento venta alto e pedregoso. Vento-montanha... Ah! não sei mais falar em montanhas. Apenas foi o vento que uivou e me fez sonhar com elas...

Tânia Mara Galli Fonseca é professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS)