::::::::::::::::::NUNO REBOCHO:::::::
A boa caldeirada de bacalhau

Correndo de Montargil nos rumos de Cabeção, ali onde a estrada desce em curvas, avista-se extensa casa de madeira: é retiro obrigatório para caçadores, pescadores e outros mentirosos. Aconselha-se paragem e aventura por acepipes e bom tinto da região, trazido à mesa em bilha de barro que o refresca e apalada. Ali se descobre da melhor caldeirada de bacalhau que se come por terras do Alentejo.

Caldeirada de bacalhau: entra no roteiro do que se faz e se come nas mesas alentejanas. É próprio. Bem tomatado. E sem “mistérios”. Sobre refogado, o caldo (de água, mas também pode ser vinho) a cozer com camadas de batata, cebola e alho, tomate, bacalhau partido, batata, cebola e alho, tomate, e assim sucessivamente até que se queira. Tempera-se com sal, louro, pimenta, orégão e poejo. No fim, já na cozedura, um trago de vinagre.

É repasto saudável, com recurso antigo ao ex-fiel amigo dos tempos do pataco, aqueles em que o salgado provindo dos mares longe era receita de Jó. E o pão, o casqueiro, era bíblico: “tomai deste pão e comei-o. Este é o meu corpo”, assim dizia o Cristo. O mais era o que se achava à mão de apanhar. Foi a inveja dos abastados que lhe deu acrescentos – a quem sobeja fartura, escasseia quase sempre a imaginação de quem necessita de disfarçar misérias.

A caldeirada de bacalhau nos modos do Cabeção ficou-me nesta minha carta de guia de bem comidos. Saborosa, sim senhores. A dar ganas de repetir. Tomai nota.

O requinte do vinho e do toucinho, que já provei, não é obrigatório e vai mais a gosto dos aventurosos. Na minha opinião, não aquenta nem arrefenta. Quem quiser que o prove. E aprove.

 

Nuno Rebocho