::::::::::::::::::::JOÃO CRAVEIRINHA:::::::
A ESCRAVATURA
na Colónia Portuguesa de Moçambique (1)
Muhipiti (ilha) e a Zambézia de 1800 – 1840
(apontamentos históricos para estudos afros)
Introdução

Um povo que desconhece a sua verdadeira História é um povo de alma distorcida. Será um povo à deriva como um barco sem destino empurrado pelo vento. Encalhando aqui e ali em portos de preconceitos mais tenebrosos que o levará à destruição de sua identidade cultural.

Será esta a actualidade em Moçambique? E nas minorias africanas em Portugal, de cerca de 2 milhões de pessoas afro-descendentes, das quais a maioria com nacionalidade portuguesa? E em Angola e no Brasil? Que panorama?

Dentro deste pressuposto, quem disse que os “pretos” vendiam os “pretos” voluntariamente aos “brancos”? Não será de facto um plano diabolizante de distorcer a memória histórica às recentes gerações africanas e seus descendentes na diáspora nas Américas e na Europa?

Sem dúvida são tentativas para diluir a verdade documentada, do grande Holocausto em África de 1441 a 1900. (Escravatura iniciada em 1441 pelos portugueses chefiados por Antão Gonçalves (e Nuno Tristão) da Escola de Sagres do Infante Henrique).

A escravatura tornou-se um delírio

Na imagem: escravo de castigo por tentativa de fuga

Com os judeus bem que tentaram distorcer a história, “esses historiadores de consciência pesada”, ao focarem apenas aspectos pontuais de servilismos forçados de judeus a serviço do nazismo, contra outros judeus, na denúncia, no sipaísmo (3) e controlo até nos campos de concentração. Mas o lobby judeu é poderoso e tem a máquina cinematográfica de Hollywood com eles para perpetuar a memória colectiva condignamente. E nós os A-ana–orripa (filhos da terra), eternos “condenados da terra”, que cinema é que temos?  

Mas, vamos ler com maior atenção ainda (ortografia no original português oitocentista), excertos do Relatório colonial de 1881, confidencial e insuspeito, publicado em Lisboa pelo português reinol, o Visconde da Arriaga, presidente juiz de direito, Governador – geral de Moçambique e Deputado às Cortes do Reino de Portugal, no século XIX, que dizia sobre a escravatura em Moçambique (no norte e centro):

(Início de citação) …”mas os regulos dos sertões prestavam-se a esta mercancia sempre constrangidos (…) sendo necessario aos brancos empregarem o artifício e a violência para a conseguirem;”…

…”A escravatura tornou-se um delirio durante os primeiros quarenta annos d’este seculo (sec.XIX, 1800-1840), e quanto mais se desenvolvia a America, tanto mais se despovoava e empobrecia a Africa! Chegaram a navegar annualmente para o porto de Moçambique (ilha) e Quilimane á procura de pretos mais de quarenta navios de differentes nações!
Em 1820, os habitantes de Quilimane, que pela sua riqueza se consideravam a povoação mais importante e aristocratica da provincia, proclamaram-se independentes desligando-se do governo da capital e unindo-se ao Rio de Janeiro”(…)

“Presidindo em Moçambique (ilha), como juiz de direito á venda em leilão de 52 pretos pertencentes á herança d’um Baneane, natural da India, causou-me horror e vergonha, quando procedendo-se em separado á d’uma preta, engommadeira, que trazia pela mão um filho de 8 annos, e outro ao colo a vi chorar lágrimas de sangue por este desprezo dos sentimentos da natureza”(...)

“Os cem prazos da corôa, que abrangem um territorio muito maior que a península ibérica”(…)”estão quasi todos abandonados, por que os seus habitantes foram vendidos para a America, e os senhores depois d’esta vergonhosa venda e ricos, seguiram quasi todos o mesmo caminho, vindo alguns para a Europa”(…)

” O Praso Luabo, que foi dos jesuitas, e que durante muitos annos forneceu mantimentos de arroz, milho, mandioca, feijão e ervilha para os navios de escravos, que aportavam a Quilimane, está hoje despovoado, por que os colonos (ex-prazeiros negros e mestiços) também foram vendidos”(…) pág. 49 do relatório confidencial do Visconde da Arriaga.

(…)” O parocho de Quilimani que havia fallecido poucos mezes antes de eu dar entrada n’aquelle porto em 1845, era o maior traficante de escravos que havia n’aquella terra; vendeu milhares de pretos! …

Imagem de Feitoria europeia de escravos e marfim em Quelimane, Moçambique, meados do séc. XIX

”mas os regulos dos sertões prestavam-se a esta mercancia sempre constrangidos (…) sendo necessario aos brancos empregarem o artifício e a violência para a conseguirem;”… ( idem pág. 8 ) …(Fim de citação)

Nota: Ortografia do texto original publicado em 1881 por Lallemant Fréres,Typ. Lisboa, Fornecedores da Casa de Bragança . O Visconde da Arriaga era “Deputado Ás Cortes” do Reino de Portugal no século XIX na data da publicação deste relatório. (Esta e outra documentação histórica fidedigna não a encontrei em consulta aos arquivos da Torre do Tombo de Lisboa, visto nunca lá ter entrado, mas de textos originais que tenho em meu poder). JC

Agora ficamos a saber que era mentira!”

Na apresentação do Livro (do autor desta coluna) intitulado: Moçambique, Feitiços, Cobras e Lagartos – crónicas romanceadas, o Historiador Moçambicano, internacionalmente conhecido, Dr. Luís Covane, leu em 14 de Março de 2003 no Instituto Camões em Maputo:

“João Craveirinha é um investigador, escritor, amante da história e cultura moçambicanas que dispensa apresentação.” (…)” A escrita é a forma que João Craveirinha elegeu para o diálogo, sempre necessário, sobre o nosso passado, presente e perspectivas do futuro.”(…)”A história tem um papel a desempenhar na afirmação de uma sociedade e de um povo. No nosso caso, a história oferece os alicerces da Moçambicanidade.”(…)

”É muito interessante a citação extraída de uma publicação colonial referente à posição de Manicusse em relação ao comércio dos escravos: “Aquele que vende seu semelhante merece com justiça ser perseguido e caçado mais do que os leopardos e leões...”. Esta declaração do 1º Imperador de Gaza ajuda a esclarecer a natureza dos poderes africanos antes da conquista colonial e permite fazer uma avaliação diferenciada dos interesses e fontes do poder. Ficamos a saber que nem todos os aristocratas africanos viam no comércio de escravos uma forma importante de acumulação de riqueza e de reforço do seu poder e prestígio.

Aprendemos igualmente que a justificação dos europeus para a prática do comércio de escravos não era por razões humanitárias. Os ideólogos europeus da última fase do capital mercantil em África sustentavam que a transformação do homem em mercadoria era para salvar os cativos das infinitas guerras sangrentas que caracterizavam a África Negra. Agora ficamos a saber que era mentira! Eram os europeus que instigavam as guerras intra e inter estados, reinos e chefaturas como forma de produção de escravos.” in Luís Covane, 2003 (actual vice-ministro da Educação e Cultura de Moçambique). JC

Navio negreiro Dinamarquês, o FREDENSBORG II, com escravos Africanos na Rota triangular de Copenhaga, Costa do Ouro (Ghana), Índias Ocidentais Dinamarquesas e regresso. Pintura de 1788.
(Fonte: Leif Svalesen, The Slave Ship Fredensborg, traduzido para o inglês por Pat Shaw and Selena Winsnes (Kingston, Jamaica: Ian Randle publishers, 2000), p. 104; original nos Arquivos Nacionais Dinamarqueses, Copenhaga e apoio de Erik Gobel).
In http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/search.html
Notas

(1) Nome de Moçambique (ilha) atribuído pelos portugueses em homenagem ao sheik Mussa pin iMpike, sultão e traficante de escravos em Muhipiti, ilha em emâkuá, idioma baNto mais falado em Moçambique. Cerca de 8 milhões de falantes incluindo as ramificações de seus 9 dialectos do rio Rovuma ao rio Zambeze e bolsas dialectais na Beira e Maputo (Mafalala). A língua portuguesa é falada por cerca de 4 milhões e meio de habitantes (bilingues kibaNto-luso) numa população de 20 milhões e 366.795 habitantes. O português exclusivamente como língua materna é falado por cerca de 500 mil habitantes. Área geográfica: 799.390 km². Moçambique encontra-se situado na costa sul – oriental de África, oposto à grande ilha de Madagáscar. Presidente da República de Moçambique: General na reserva, Armando Guebuza. Moçambique adquiriu a Independência de Portugal em 25 de Junho de 1975, após uma sangrenta luta de libertação (tácticas de guerrilha) de 10 anos contra o colonialismo português (de 1964/1974). Portugal colonial, recusava-se a aceitar a Independência dos povos africanos. Foi o primeiro a ocupar pela força terras em África e o último a sair, também pressionado pela força. Cansados da guerra colonial, militares portugueses dão um golpe de estado em Lisboa a 25 de Abril de 1974. Em 1976 irromperia uma guerra civil de 16 anos que cessaria em 1992. Conflito de contornos obscuros com saldo de mais de 1 milhão de mortos, deslocados e estropiados.

(2) Ver dados actuais (2007) em Portal do Instituto de Estatística de Moçambique – http://www.ine.gov.mz/

(3) Sipaísmo derivado da palavra sipaio. Auxiliares “indígenas” (indianos) da polícia europeia na Índia colonial britânica. Termo adoptado pelos portugueses nas suas colónias em África, sobretudo, em Moçambique e Angola, para os seus sipaios “negros” sempre fardados de uniforme caqui, mas descalços. Terríveis na repressão com palmatória, bastonada ou chicote, a seus próprios “irmãos” ditos de “cor”, a mando dos portugueses.

Post-scriptum: 10 de Maio, em França, é a efeméride que lembra o Holocausto Africano devido à Escravatura dinamizada pela Europa em África durante 450 anos. JC

João Craveirinha (JC / Kraveirinya na pintura). Nasceu na ilha de Moçambique (África oriental) em 1947. É escritor e pintor. Prossegue estudos universitários em Portugal na área das Ciências da Cultura, variante: Sociedade, Cultura e Comunicação. Publicou 4 livros. No prelo mais 4 livros aguardando editor. Foi animador cultural, conferencista e realizador de rádio e televisão.
Textos em: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/Feiticeiro
e em: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/joo_craveirinha_diversos/