:::::::::JOANA RUAS:::

ROTEIRO DE ALGUNS TEMAS AFRICANOS
elaborado por Joana Ruas a partir do seu romance

"A PELE DOS SÉCULOS" - INDEX

3ª Ficha
Os meninos de rua

No entrelaçar de várias  estórias , surgem dois meninos de rua de Bissau, com destinos diferenciados: Dimingo Jumano, engraxador, e Pedro Pão e Água que depois de ter viajado pelo Senegal, alcançou a França, onde viveu, tendo depois regressado para combater ao lado da guerrilha.

«Dimingo Jamanu era moço para querer ir ter com os guerrilheiros mas o que mais o motivava era ir à procura de Pedro Pão e água que fugira da cadeia escondendo-se no porão de um cargueiro. A polícia tinha vasculhado Bissau sem qualquer resultado. A proeza de Pedro Pão e Água elevara-o na sua estima para lá do que era costume e recomendável. Sempre havia recordado Pedro Pão e Água ao longo dos anos como aquele mulatinho esperto mas muito grave e resumido à sua simplicidade. Ia por amizade para com ele desbravar também como um herói aquelas distâncias acumuladas entre Bissau e os interiores do interior. Pedro Pão e água era órfão só de mãe porque desde que nascera não sabia o que era ter pai e andava ao deus-dará pelas ruas de Bissau sem tia Bia alguma que lhe matasse de vez em quando a fome. Tinha que se contentar, como ele, Dimingo, com um pão aqui, outro pão acolá. As pessoas não acolhiam um pobre com um prato disto ou daquilo dado regularmente porque tinham medo de que ele se apegasse ao prato dado num determinado sítio como acontecia com os bichos que não têm alma mas hábitos. Entre os Guineenses não havia quem tivesse muito para esticar, estavam quase todos esticados de meios e os Portugueses acessíveis a negros e mulatos também tinham pouco e o pouco ainda tinha que sobrar para o pé-de-meia dos remediados. Com o pão, só a água potável e filtrada pedida por caridade em igrejas e cafés e numa ou noutra casa de comércio em troca de pequenos recados enviados pelos empregados de balcão ou pelos donos, à mulher cobiçada ou à amante requestada. Ficou chamado por ofício de pobreza miudamente desenrascada de Pão por parte da mãe e Água por parte do pai. Alegrinho de feição tinha o sorriso pronto nos lábios logo pela manhã. Tinha duramente aprendido que os pensamentos escuros só os devia confessar ao colchão esburacado consentido na capoeira no fundo de um quintal. Guardava as lágrimas para si mesmo pois mostrar sisudez não ajuda ao pobre. Podia mesmo ser causa de o enxotarem logo. A boa disposição, uma bonita canção ou uma anedota apanhada de relance aqui ou acolá, rendiam simpatia e com ela um naco de qualquer coisa útil ou comestível.»

JOANA RUAS. Escritora portuguesa. Obras:

Na Guiné com o PAIGC, reportagem escrita nas zonas libertadas da Guiné em 1974, edição da autora, Lisboa, 1975;no jornal da Guiné-Bissau , Nô Pintcha, redige, em 1975, a página de literatura africana de língua portuguesa. Traduz textos inéditos de Amílcar Cabral escritos em língua francesa e recolhe na aldeia de Eticoga (ilha de Orangozinho, arquipélago dos Bijagós), a lenda da origem das saias de palha; Corpo Colonial, Centelha, Coimbra, 1981 (romance distinguido com uma menção honrosa pelo júri da APE; traduzido em búlgaro); Zona (ficção), edição da autora, Lisboa, 1984 (esgotado); O Claro Vento do Mar, Bertrand Editora, Lisboa, 1996; Amar a Uma só Voz ( Mariana Alcoforado nas Elegias de Duíno), Colóquio Rilke, organizado pelo Departamento de Estudos Germanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,  Edições Colibri, Lisboa, 1997 e publicado no nº 59 da  revista electrónica brasileira AGulha (www.revista.agulha.nom.br;  A Amante Judia de Stendhal (ensaio), revista O Escritor,  n.º 11/12, Lisboa, 1998; E Matilde  Dembowski ( ensaio sobre Stendhal), revista O Escritor, nº13/14, 1999 ; A Guerra Colonial e a Memória do Futuro, comunicação apresentada no Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial, organizado pela Universidade Aberta, Lisboa, 2000; A Pele dos Séculos (romance), Editorial Caminho, Lisboa, 2001; tem publicação dispersa em prosa  por vários jornais e  suplementos literários. Participou  com comunicações nas Jornadas de Timor da Universidade do Porto sobre cultura timorense e sobre a Língua Portuguesa em Timor na S.L.P. A sua poesia encontra-se dispersa por publicações como NOVA 2 (1975), um magazine dirigido por Herberto Helder; o seu poema Primavera e Sono com música de Paulo Brandão foi incluído por  Jorge Peixinho no 5º Encontro de Música Contemporânea promovido pela Fundação Gulbenkian e mais tarde incluído no ciclo Um Século em Abismo — Poesia do Século XX realizado no C.A.M.;  recentemente  publicou poesia nas seguintes publicações : Antologia da Poesia Erótica, Universitária Editora; Cartas a Ninguém de Lisa Flores e Ingrid Bloser Martins, Vega ; Na Liberdade, antologia poética, Garça Editores; Mulher, uma antologia poética integrada na colecção Afectos da Editora Labirinto; Um Poema para Fiama, uma antologia publicada pela Editora Labirinto; excertos do seu romance inédito, A Batalha das Lágrimas foram publicados em Mealibra,  revista de Cultura do Centro Cultural do Alto Minho.Na revista Foro das Letras foi publicado o seu  Caderno de Viagem ao Recife.